Belluzzo critica governo por abandonar idosos à Prevent Senior
“No mundo inteiro está surgindo resistência e questionamento em relação aos planos privados de saúde”, diz o economista Luiz Gonzaga Belluzzo
Publicado 25/09/2021 00:44 | Editado 25/09/2021 11:31
Em entrevista à Rede Brasil Atual, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo aprofundou a análise das revelações da CPI da Covid sobre a atuação da operadora de Saúde Prevent Senior. Para além do tratamento ao plano privado de saúde como uma exceção, Belluzzo avalia que o tratamento dado a idosos em meio a uma pandemia, com charlatanismo e tratamentos experimentais, sem autorização dos pacientes, mostra o enorme custo social de a saúde ser relegada ao mercado e aos interesses privados.
“Quem tem que cuidar bem da questão da Saúde dos mais velhos é o Estado, não a Prevent Senior. Isso já é uma deformação a priori. A questão é sistêmica e estrutural”, avaliou ele. O economista aponta para os inúmeros problemas surgidos durante a pandemia em relação ao tratamento privado à saúde coletiva, em partes do mundo que dependem muito desse tipo de sistema de saúde.
Cloroquina para baratear tratamento
“A questão é muito parecida com a dos planos privados de previdência. Você entrega as pessoas a um grau de incertezas e critérios exclusivamente financeiros, que definem a natureza do atendimento. Isso tudo revela, antes de mais nada, a precariedade da saúde coletiva ser tratada por empresas privadas. No mundo inteiro está surgindo essa reticência, resistência e questionamento em relação aos planos privados de saúde”, acrescenta o economista.
A Prevent Senior construiu um nicho no mercado como operadora especializada no atendimento a pacientes de idade mais avançada a preços mais baixos que a concorrência. Com esse modelo de negócio, a operadora declarou em 2020 um faturamento de R$ 4,3 bilhões, 19% a mais que no ano anterior. Ampliou em quase 10% o número de clientes, passando para 540 mil, segundo dados de junho de 2021.
Embora dê o benefício da dúvida à empresa ainda sob investigação, Belluzzo, a discussão se refere à contradição da busca desenfreada pelo lucro colocando os cuidados à saúde em segundo plano. A próxima oitiva da CPI é com a advogada dos ex-médicos que denunciaram a operadora.
“Vamos esperar. Não posso fazer uma afirmação peremptória, definitiva, sobre o comportamento da Prevent Senior. Mas pelo que li e ouvi eles se utilizaram de certos remédios que não funcionam porque não querem internar o paciente. Porque o custo fica maior. A ideia era fazer tratamento preventivo para evitar internação. É muito sério.”
Curar não interessa
Em seu novo livro Dinheiro, Beluzzo menciona a análise do grupo financeiro Goldman Sachs ao criticar tratamentos com terapia genética por facilitar curas, o que pode ser ruim para os negócios a longo prazo. Ou seja, curar pode não ser um bom negócio.
“A pergunta que eles fazem: curar pacientes é um modelo de negócio sustentável? O que é melhor? Você ter clientes que se curam com uma injeção pela terapia genética ou ter clientes de câncer que precisam de muitos tratamentos recorrentes? Parece que o tratamento de câncer dá mais lucro”, critica Belluzzo.
Em outras palavras, para o capital, o tratamento do câncer pode ser mais lucrativo do que a cura. “É inequívoco. Isso é o que diz a Goldman Sachs, claramente. Eu diria descaradamente. O tratamento dura mais tempo e o cliente tem que gastar mais dinheiro.”
Prevent Senior e Lava Jato
Para o economista, é por tudo isso que não se pode comparar o caso da Prevent Senior com o das construtoras levadas à falência pela operação Lava Jato, causando desemprego aos milhares. “São situações muito distintas, porque no caso da Prevent Senior é a vida das pessoas que está ameaçada.”
Ele lembra ainda que, no pós-Segunda Guerra, a questão da saúde pública foi “muito bem conduzida” na Europa, pela Inglaterra, Itália, França, “todos com serviços de saúde pública muito abrangentes”. Por outro lado, nos Estados Unidos, onde o mercado governa, há muita gente desamparada “e um sem número de aposentados não consegue sobreviver direito. A saúde é uma questão pública, coletiva, assim como a previdência”, conclui Belluzzo.
O tema também foi alvo de controvérsia no Chile, que seguiu a receita americana e tornou o envelhecimento no país, motivo para uma convulsão social. O estado mínimo chileno delegou ao mercado o destino das aposentadorias, tornando o tratamento de pacientes de câncer assalariados totalmente inviável. As manifestações revoltosas da população levaram a política local a eleger uma assembleia constituinte que deve rever todos esses temas herdeiros da ditadura pinochetista.