SUS: um milhão de cirurgias foram adiadas/canceladas durante pandemia
Pesquisa analisou políticas governamentais que não garantiram a expansão do atendimento cirúrgico durante crises, como a provocada pelo coronavírus
Publicado 22/09/2021 19:48
Uma pesquisa quantificou o atraso de cirurgias, tanto emergentes como eletivas, durante a pandemia de covid-19 no sistema público de saúde brasileiro. Foram cerca de um milhão de procedimentos cirúrgicos adiados ou cancelados no país, de acordo com um estudo coordenado pelo professor Nivaldo Alonso, do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho) da USP, em Bauru, e da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
O objetivo do trabalho foi fornecer informações para orientar políticas governamentais para expandir o atendimento cirúrgico durante crises, como a provocada pelo coronavírus. O trabalho foi publicado em 24 de agosto na revista The Lancet Regional Health – Americas.
No artigo Associação entre política governamental e atrasos no atendimento cirúrgico emergencial e eletivo durante a pandemia de COVID-19 no Brasil: um estudo de modelagem, pesquisadores relatam que a pandemia de covid-19 impactou significativamente os sistemas de atendimento cirúrgico em todo o mundo, causando acúmulo crescente de procedimentos cirúrgicos.
Em muitos países, incluindo o Brasil, o acesso à cirurgia de emergência foi reduzido devido a mudanças na capacidade do sistema de saúde, e cirurgias eletivas foram adiadas a fim de aumentar os recursos médicos disponíveis para pacientes com sars-cov-2.
Além disso, trabalhos científicos demonstraram aumento da mortalidade cirúrgica entre os pacientes com covid-19. Segundo o texto, mais de um milhão de procedimentos cirúrgicos foram adiados ou cancelados no sistema público de saúde do Brasil, com o acúmulo de cirurgias eletivas chegando a mais de 900 mil casos.
“Nossas descobertas sugerem que esforços rigorosos para reduzir a disseminação de covid-19 estarão associados a atrasos e cancelamentos reduzidos para cirurgias de emergência, mas exigirão esforços governamentais coordenados para expandir o atendimento cirúrgico para superar atrasos das cirurgias eletivas”, explica o professor Nivaldo Alonso, que assina o artigo com outros pesquisadores que colaboraram com o estudo, de universidades brasileiras, dos Estados Unidos, do Canadá, da Austrália e da Argentina.
Os pesquisadores relatam que, para alcançar sistemas de saúde cirúrgicos resilientes com uma base essencial para a preparação e resposta eficaz às emergências de saúde, os formuladores de políticas públicas devem buscar fortalecer vários aspectos do sistema cirúrgico brasileiro:
“Expandir a força de trabalho cirúrgica, não apenas em termos de números absolutos, mas também na distribuição dos cirurgiões pelo país; investir na capacidade hospitalar para garantir a disponibilidade de salas de operações, UTI e leitos; investir em estratégias inovadoras, como consulta de telemedicina para apoiar o cuidado pós-operatório remoto ou tratamento conservador não cirúrgico de condições cirúrgicas; e estabelecer diretrizes locais e regionais baseadas em evidências, a fim de orientar os sistemas hospitalares e permitir a continuação da cirurgia de emergência e urgência, ao mesmo tempo em que triam e rastreiam adequadamente os pacientes cirúrgicos eletivos”.
O estudo foi realizado baseado em estimativas mensais de procedimentos cirúrgicos realizados por estado, de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, obtidas no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Também foram construídos modelos de previsão usando dados históricos de volume cirúrgico antes de março de 2020, para prever as operações mensais esperadas de março a dezembro de 2020. Os acúmulos mensais cirúrgicos totais, de emergência e eletivos, foram calculados comparando o volume relatado com o volume previsto.
Outras pesquisas – capa internacional
Na edição deste mês de setembro, o The Cleft Palate-Craniofacial Journal, periódico científico da Associação Americana de Fissura Labiopalatina e um dos mais importantes da área, apresenta em sua capa artigo da equipe do HRAC.
Com o título Preservação do globo ocular com fechamento conjuntival com cordão de bolsa para derreter úlcera da córnea em fenda facial rara, o artigo descreve o tratamento cirúrgico de uma criança com uma fissura rara de face.
O trabalho é de autoria do professor Cristiano Tonello, do curso de Medicina da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP e chefe técnico do Departamento Hospitalar do HRAC; Raul G. Paula, oftalmologista; Isabella P. Paula, mestranda do HRAC; Rodrigo B. Nunes, doutorando do HRAC; Nancy Mizue Kokitsu Nakata, chefe técnica da Seção de Genética Clínica e Biologia Molecular do HRAC; e do professor Nivaldo Alonso.
Segurança em cirurgias e Guinness
O HRAC também participa de uma plataforma de estudos internacional sobre a covid-19 e a segurança em cirurgias. Chamada CovidSurg Collaborative, a plataforma é liderada por pesquisadores da Universidade de Birmingham (Inglaterra) e conta com a participação de mais de 142 mil pacientes, 1.600 centros e 120 países.
A iniciativa, inclusive, foi agraciada com certificado do Guinness World Records, como o maior número de autores em um único artigo acadêmico revisado por pares: 15.025.
Os pesquisadores do HRAC participantes da CovidSurg Collaborative são os professores Carlos Ferreira dos Santos, Nivaldo Alonso e Cristiano Tonello.
Essa colaboração internacional já resultou em artigos científicos publicados em 2021 que têm os pesquisadores do HRAC entre os autores. O mais recente foi publicado no último dia 24 de agosto na revista Anaesthesia, principal periódico da área de anestesiologia do mundo. O estudo mostrou que pacientes com sars-cov-2 submetidos à cirurgia têm maior risco de tromboembolismo venoso (coágulo sanguíneo formado dentro de uma veia) pós-operatório em comparação com pacientes sem histórico de infecção pelo novo coronavírus.
Outro artigo teve publicação em 24/03/2021 pelo British Journal of Surgery – prestigiado periódico de cirurgia da Europa – e demonstrou a importância da priorização da vacinação pré-operatória contra a covid-19 de pacientes que precisam de cirurgia eletiva.
E mais um artigo, publicado em 09/03/2021 também na revista Anaesthesia, concluiu que, sempre que possível, a cirurgia deve ser adiada por pelo menos sete semanas após a infecção por SARS-CoV-2.
Do Jornal da USP