Drauzio Varella acusa Bolsonaro: “ativista” a disseminar a pandemia
Presidente se empenha em “atingir a inatingível imunidade coletiva, não importa que ao preço de tantas mortes”
Publicado 22/09/2021 21:01
O médico e escritor Drauzio Varella criticou veementemente o governo Jair Bolsonaro pela negligência no combate à pandemia de Covid-19. Em artigo publicado nesta quarta-feira (22) no site do jornal Folha de S.Paulo, Drauzio afirmou que o presidente, mais do que “apenas um negacionista”, se tornou “um ativista empenhado de corpo e alma em disseminar o novo coronavírus”.
“Desde o início da epidemia, justiça seja feita, ele (Bolsonaro) faz tudo o que está a seu alcance para que o vírus infecte o maior número possível de brasileiros: condena o uso de máscara, promove aglomerações, recomenda medicamentos sem atividade antiviral e retardou o quanto pôde a aquisição de vacinas”, escreveu Drauzio. “Finalmente, quando entendeu que o peso da opinião pública ameaçava seu futuro político, autorizou a compra, mas não se vacinou, para servir de exemplo aos seguidores.”
Ele mencionou o caso do ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, que, em abril, tomou em sigilo a vacina contra a Covid-19. Segundo Drauzio, “a pressão para que seus colaboradores fizessem o mesmo deve ter sido tão persuasiva que um de seus ministros, general da reserva, admitiu ter se vacinado às escondidas, ‘para não criar problemas’”.
Para o médico, Bolsonaro ainda se empenha em “atingir a inatingível imunidade coletiva, não importa que ao preço de tantas mortes”. Até esta quarta-feira (22), o Brasil já havia perdido 592.357 vidas em decorrência da pandemia, agravada pela negligência do governo. Em um ano e meio, houve nada menos que quatro ministros da Saúde, incluindo o atual, Marcelo Queiroga, e seu antecessor, Eduardo Pazuello – que admitiu ter ido para o ministério “sem conhecer o funcionamento do SUS” (Sistema Único de Saúde).
“A julgar pela confusão armada pelo ministro atual a respeito da vacinação dos adolescentes, na semana passada, a persistência presidencial foi muito bem-sucedida”, ironizou o escritor. Para atacar a vacinação em adolescentes, Queiroga “levantou suspeitas sobre possíveis efeitos colaterais da vacina da Pfizer” e “queixou-se de que alguns estados aplicavam vacinas não autorizadas pela Anvisa para uso nessa faixa etária, sem dizer quais”. No limite, insinuou que “a morte de uma adolescente em São Paulo talvez guardasse relação com a vacina recebida uma semana antes”.
“Para completar”, o ministro “acrescentou que a vacinação dos adolescentes, programada para ter início dia 15 de setembro, seria suspensa, porque fora abandonada no Reino Unido e contraindicada pela Organização Mundial da Saúde. Duas mentiras deslavadas”, afirma Drauzio. “O que teria levado um ministro da Saúde a mentir e a levantar suspeitas infundadas sobre uma vacina testada e aprovada em estudos internacionais, administrada com segurança em adolescentes nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia e na América Latina?”, questiona.
“A resposta é simples: um manda, o outro obedece, como ficou claro na live do cordato ministro sentado ao lado do presidente, apresentada no mesmo dia. A justificativa foi a de atender a um ‘sentimento’ do chefe, muito ‘preocupado com os jovens que são o futuro deste país’”, acresce o artigo.
Conforme Drauzio, “o senhor ministro se prestou ao papel desprezível de desacreditar uma vacina importante, apenas para esconder a falta dela em quantidade suficiente para imunizar os adolescentes e, ao mesmo tempo, administrar a terceira dose para os mais velhos, vacinados há mais de seis meses com a Coronavac ou a AstraZeneca. Suas excelências devem ter concluído que pegava mal junto ao eleitorado reconhecer a falta de uma vacina negligenciada pelo governo, quando foi insistentemente oferecida pela Pfizer, no ano passado”.
“O que faria um ministro honesto diante? Viria a público para dizer que a falta de disponibilidade da vacina da Pfizer, para administrá-la aos adolescentes e oferecê-la como reforço aos mais velhos, só nos deixava uma saída: dar preferência aos que correm mais risco de morrer. Todos estaríamos de acordo”, conclui Drauzio. Em vez disso, Queiroga pôs em xeque “uma vacina aprovada pela Anvisa”, atendendo “a um apelo político de seu chefe” e se postando “ao lado dele na luta pela disseminação da epidemia”.