Crise da Evergrande é oportunidade para regulação do setor imobiliário
Para o professor da UERJ, Elias Jabbour, governo chinês aproveitará a crise da Evergrande para intervenção regulatória e evitar um risco social
Publicado 21/09/2021 16:59 | Editado 21/09/2021 18:34
Em entrevista ao Valor Econômico, o professor em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da Univerdade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Elias Jabbour, analisou o risco de moratória da Evergrande Real Estate, gigante do setor imobiliário chinesa, que vem tirando o sono de investidores em todo o mundo.
As bolsas estão cautelosas, em queda devido a venda de ativos que estavam muito esticados. Além da expectativa de que o Banco Central americano aumente os juros, os investidores aguardam o vencimento de US$ 129 milhões em juros da Evergrande, a gigante chinesa que ameaça entrar em default. A empresa gerencia a construção de 1.300 projetos em mais de 280 cidades e detém passivos (dívidas) de US$ 300 bilhões, que, se não forem pagos, poderiam gerar quebradeira generalizada nos bancos de todo o mundo, como já ocorreu com o Lehman Brothers em 2008.
À revista Fórum, Jabbour explicou que a possibilidade dessa crise ser como a de 2008 “é zero” porque a China tem conta de capitais fechada e sua moeda não é conversível. Isso não significa que não haverá consequências econômicas com a provável quebra da Evergrande, inclusive para o mercado de commodities brasileiras. Mas não do nível sistêmico que aconteceu naquela ocasião.
Porém, enquanto o mercado financeiro está assustado com risco de crise sistêmica, com o calote da dívida da incorporadora chinesa provocando um contágio em cadeia, o governo chinês está mais preocupado em evitar a especulação e abrir caminho para a regulamentação do setor. Esta é a leitura que sustenta Jabbour, apesar da solidão em meio ao oceano de jornalistas-economistas ocidentais perplexos diante da realidade chinesa.
Como diz ele em suas redes sociais, “economistas do mercado estão fazendo fila para passar vergonha na imprensa”. “A última que vi de um deles é que ninguém sabe o que acontece no sistema financeiro chinês – e isso era o principal problema. Alguém sabia o que rolava na Lehman e adjacências em 2008?”
Jabbour lembra que é voz corrente entre os especialistas chineses de que Xi Jinping pretendia “tomar” o setor imobiliário, há algum tempo. “Mas a questão era de timing político para isso. O momento chegou. As condições para a regulação no setor estão dadas”, diz ele, em sua conta do Twitter.
“O que menos preocupa é o efeito econômico. É o momento de regular”, afirmou ele. “É uma regulação para conter especulação imobiliária”, emenda Jabbour, autor do livro “China Socialismo em Desenvolvimento: Sete décadas depois”, entre outras obras economicas sobre o gigante asiático. O autor diferenia os chineses por sua visão sistêmica, em que, neste exato momento, eles estão cuidando dos prejuízos aos fornecedores e pessoas. Outro passo será o de proibir financiamento para o setor no estrangeiro.
Para ele, a questão é que está se observando somente o problema, que é a probabilidade de crise, enquanto o governo chinês está observando as oportunidades que a situação da Evergrande oferece para justificar maior regulação sobre o mercado imobiliário. O colapso imobiliário eclodido nos EUA em 2007 não garantiu maior regulação do setor, apesar da clara possibilidade de formação de novas bolhas especulativas.
“O objetivo estratégico do governo chinês é apertar o cerco sobre o setor imobiliário, aumentando a regulação, assim como fizeram com as big techs. E a crise da Evergrande é a oportunidade para isso”, explica Jabbour ao Valor.
Segundo ele, o governo chinês tem plena capacidade de percepção do tamanho do problema do endividamento da empresa. “A maior parte da dívida é em moeda local (renminbi). Nenhum país corre o risco de quebrar por causa disso”, observa o professor, sem descartar, porém, que o calote da Evergrande provoque uma “quebradeira” de outras empresas.
Ainda assim, o professor da UERJ avalia que haverá algum tipo de intervenção do governo chinês para evitar um risco social. “Ninguém vai ficar sem casa. Muito pelo contrário. A Evergrande será obrigada a construir para o povão.”, diz Jabbour, sugerindo que este será um bom teste para demonstrar que a China não é um país capitalista, como se propagandeia no Ocidente. Nos EUA, a implosão da bolha expeculativa gerou uma onda de despejos por todo o país, com o desaparecimento ou empobrecimento de cidades inteiras e milhares de familias morando em carros, abrigos ou acampamentos improvisados.
Ele lembra que o governo tem avançado em medidas para diminuir o custo das chamadas “três grandes montanhas” (moradia, educação e saúde), diminuindo o poder dos monopólios. “Então a Evergrande não vai sair dessa sem cumprir com as obrigações. Não vão fazer como em 2008 quando socorreram os bancos”, afirma.
A Evergrande fez parte do crescimento vertiginoso de condomíbios urbanos que garantiram que a China pudesse oferecer moradia para uma população que viria dos campos para as cidades. À medida que a China se urbanizava, a Evergrande ficava cada vez maior. É dona de um time de futebol, investiu bilhões em carros elétricos e parques temáticos, entrou para o ramo dos seguros, comprou parte de um banco, entrou para a indústria fonográfica e para a indústria alimentícia.
Com a política anunciada pelo governo em abril, de “Três Linhas Vermelhas”, que atingiu em cheio gigantes endividados do setor imobiliário, Pequim deixou claro que não salvaria empresas fracas, especialmente essas que vivem de especulação financeira.
“Casas são construídas para viver, não para especulação”, repetiam liderancas nacionais, ou seja, o governo já estaria acompanhando a situação da Evergrande, há algum tempo, “sabiam que ia acontecer e deixaram acontecer”, enfatiza Jabbour. De um modo geral, as “Três Linhas Vermelhas” determinam um máximo de 70% de passivos em relação aos ativos. Uma clara regulação que não existe no Ocidente, em que as empresas sequer sabem, ou fingem não saber, quanto têm de ativos e de passivos. Com isso, muitas empresas têm muitas vezes mais dívidas do que recursos para pagá-las, emprestando mais uma vez para pagar vencimentos.
Jabbour acrescenta que não existe nada “grande demais para falir” (“too big to fail”) na China. “As empresas podem ser grandes, mas não podem ter poder de monopólio”, emenda. “E é a chance em que o setor imobiliário será altamente regulado”, conclui.
O mercado internacional tem expectativa de que o governo chinês intervenha com recursos para uma quebra controlada da empresa, resgatando primeiro os compradores dos imóveis, seguidos das empresas de construção (e seus trabalhadores), todos aqueles que foram ignorados em 2008. Depois disso, ajudaria os bancos domésticos, então os bancos estrangeiros e, por fim, os detentores de títulos em dólares, todos aqueles que foram a primeira opção de governos ocidentais em 2008.