Frente Ampla é a consequência direta do Fora Bolsonaro
A conquista de novos aliados, no Congresso Nacional e na sociedade, sobretudo entre setores médios e classes dominantes, é imprescindível para construir um ambiente de crescente isolamento do governo Bolsonaro.
Publicado 15/09/2021 18:37
Os atos “Fora Bolsonaro” convocados por setores da direita no último dia 12 de setembro e a presença de lideranças do campo progressista nesses atos gerou mais um capítulo do debate entre as diversas correntes de esquerda sobre qual é a tática mais correta para o momento. A polêmica recorrente gira em torno da pertinência ou não de o campo progressista direcionar energias para a formação de uma ampla frente contra Bolsonaro ou, pelo contrário, concentrar-se em auto fortalecer-se. Dito de outro modo, a polêmica poderia ser assim colocada: deve a esquerda atuar para explorar e ampliar as divisões entre a extrema-direita e a direita brasileiras de modo a isolar o bolsonarismo ou realçar as convergências entre dois campos, considerando-os todos farinha do mesmo saco, golpistas e neoliberais com os quais não se tem nada a tratar? Penso que os elementos a seguir ajudam na compreensão da imprescindibilidade da frente ampla.
As intenções de realização de uma ruptura institucional por parte de Bolsonaro sempre foram claras. Ele não age como presidente de um país e sim como líder de um grupo que almeja uma contrarrevolução reacionária. Aceitar pacificamente uma derrota eleitoral em 2022 nunca esteve em seu horizonte. No dia 7 de setembro último, fez um teste de suas forças que, por fim, se mostraram não desprezíveis, mas aquém do que se propagandeava. Dois dias depois fez um recuo tático para tomar fôlego para seu próximo ataque. O governo continua com amplo apoio da poderosa burguesia agrária, de parcela da burguesia comercial, conta com a conivência da cúpula das Forças Armadas e adesão, de difícil mensuração, nas forças policiais.
Entretanto, os acontecimentos em torno do 7 de setembro, somado a outros fatores de ordem econômica, despertaram críticas de setores da burguesia industrial e financeira ao governo. Partidos de direita, mais vinculados a esses setores, passaram à oposição e a considerar o impeachment como uma alternativa. Isso é muito relevante. Até então a esquerda defendia solitariamente o impeachment. Agora pode comemorar que sua tática está ganhando terreno. Diante desses novos fatos, a construção de movimentos coordenados entre todos os setores de oposição a Bolsonaro voltou à ordem do dia.
Como é sabido são necessários 342 votos na Câmara dos Deputados para autorização da abertura do processo de impeachment seguido de afastamento imediato do presidente. Como é também sabido, esse número somente pode ser alcançado com a adesão ao impeachment de um amplo arco de partidos. Para dimensionar o tamanho do desafio, vale lembrar que foram 137 votos contrários ao impeachment de Dilma em 2016, 111 contrários ao teto de gasto também em 2016, 177 contra a reforma trabalhista em 2017 e 124 contra a reforma da previdência em 2019.
A conquista de novos aliados, no Congresso Nacional e na sociedade, sobretudo entre setores médios e classes dominantes, é imprescindível para construir um ambiente de crescente isolamento do governo Bolsonaro. Isso significa necessariamente abrir vasos comunicantes entre a esquerda e setores de direita que lideraram o movimento golpista de 2016 e participaram da vitória de Bolsonaro em 2018. A rigor, esses vasos já foram abertos. Um momento significativo foi o ato de entrega do “superpedido” de impeachment ao final de junho que contou com o apoio, entre outros, de Kim Kataguiri (MBL/DEM), Joice Hasselmann (PSL) e Alexandre Frota (PSDB).
Entretanto, uma aproximação com organizações e partidos de direita, e não somente com alguns de seus membros, não seria pactuar com o golpe de 2016? Não. A conjuntura atual é outra. O golpe contra Dilma foi realizado e extrema-direita venceu as eleições de 2018. O objetivo agora é impedi-la de concretizar seu projeto de ruptura democrática. Desse modo, tomar a conjuntura da luta contra o golpe de 2016 como parâmetro, é se prender às bandeiras ultrapassadas, consequentemente, inúteis para o orientar a luta atual.
Mas esses setores, além, de terem apoiado o golpe de 2016, são neoliberais que estão, atualmente, destruindo as conquistas da Constituição de 1988 e dilapidando o Estado brasileiro. Aproximar-se desses setores não é o mesmo que endossar essa agenda? Não. Não há aproximação programática. No Congresso e nas ruas, a luta contra o projeto de destruição nacional do governo federal continua na ordem do dia. Ocorre que uma nova ameaça, ainda mais grave pois dificulta a possibilidade mesma de realizar a oposição a essa agenda, tornou-se real. Portanto, a esquerda deve ser capaz de identificar qual é a contradição principal do contexto atual, se o projeto reacionário golpista de Bolsonaro ou a agenda econômica neoliberal. Se a resposta for “as duas”, estar-se-á cometendo um erro básico de tática que é abdicar de explorar as divergências do campo adversário. Se é correto que há uma ampla convergência no projeto econômico neoliberal entre os setores da direita e da extrema-direita, não é verdade que há a mesma convergência na proposta de contrarrevolução reacionária bolsonarista. O conceito de Frente Ampla incide justamente sobre as possibilidades de divisão do campo adversário no sentido de isolar a ameaça mais grave desde o golpe de 1964.
Há outra objeção à realização da convergência anti-bolsonarista da esquerda à direita que deve ser rebatida. Afirma-se que as intenções da direita que tem se afastado do governo federal não é o impeachment e sim a construção de uma candidatura que tenha mais condições de realizar a agenda neoliberal em um próximo governo. Assim, se a esquerda emitir qualquer sinal de aprovação à realização dos atos desses setores estaria “dando um tiro no pé”, pois fortaleceria uma possível candidatura de direita que teria maiores chances de vitória em um eventual segundo turno contra um candidato da esquerda. Mais correto, segundo esse raciocínio, seria apostar na polarização com Bolsonaro, um candidato supostamente mais fraco.
O primeiro erro, extremamente grave, nessa opinião, é considerar como certa a vitória de Lula sobre Bolsonaro em uma disputa de 2º turno em 2022. Apesar da muito bem-vinda dianteira de Lula nas pesquisas recentes de intensão de voto, não se deve subestimar: 1) o elevado antipetismo captado por esses mesmas pesquisas; 2) o poder de fogo da máquina de propaganda bolsonarista; 3) a possibilidade de reunificação das classes dominantes em torno de Bolsonaro, diante da falta de uma alternativa.
Bolsonaro é o maior interessado em que não surja uma candidatura que dispute com ele os votos do antipetismo e do anticomunismo. A sua queda de intensões de voto, o impõe a necessidade de tentar reeditar o ambiente de 2018 e manter sua candidatura como único desaguadouro dos votos contra a esquerda. Esse é o caminho para chegar ao segundo turno, dada a impossibilidade de uma retomada do crescimento econômico em 2022, sob as políticas monetária e fiscal em curso.
O surgimento de uma candidatura de direita em oposição à Bolsonaro é o caminho para desidratar o bolsonarismo e confiná-lo aos setores mais conservadores da burguesia agrária e grupos reacionários da sociedade brasileira. Somente assim será possível retirar Bolsonaro do segundo turno das eleições e afastar contundentemente o risco de o projeto de contrarrevolução reacionária ser reeleito. Mesmo que o projeto econômico da candidatura Bolsonaro e de outra candidatura da direita coincidam, não há dúvidas de que conseguir ou não reduzir o bolsonarismo a uma corrente política eleitoralmente inviável é uma questão que definirá em boa medida a história brasileira no século XXI. Em síntese, o melhor para o Brasil não é uma derrota de Bolsonaro para Lula em um 2º turno, que servirá para manter viva e forte a corrente bolsonarista, mas uma disputa entre a direita liberal e esquerda.
A realização de esforços da direita para viabilizar uma candidatura não bolsonarista deve ser considerada, portanto, um elemento que contribui para a derrota de Bolsonaro seja via a construção da convergência necessária para o impeachment ou nas eleições de 2022. Por dois motivos os atos “Fora Bolsonaro” do dia 12 de setembro convocados pelo MBL e endossados pelos possíveis candidatos da direita não bolsonarista eram um momento adequado para a esquerda sinalizar sua disposição de aproximação tática para elevar a um novo patamar a luta pelo impeachment. O primeiro motivo é que a esquerda realizou um ciclo de passeatas vitorioso nos últimos meses. Demonstrou no mínimo equivalência com a força de massas do bolsonarismo. Não tem, portanto, que temer de ser “engolida” em decorrência de uma aproximação com a direita não bolsonarista. O segundo motivo foram as graves ameaças e chantagens realizadas por Bolsonaro ao longo da construção da demonstração de forças realizada no dia 7 de setembro. A movimentação bolsonarista nesse episódio, que despertou, como já dito, manifestações inclusive de setores da burguesia, tornava possível para a esquerda buscar ganhar terreno na luta contra Bolsonaro. A presença inequívoca de lideranças da esquerda nas manifestações do dia 12 serviria, assim, para reforçar e fomentar a divisão entre os adversários.
Não foi, entretanto, o que ocorreu. De modo geral, a esquerda perdeu a oportunidade de transmitir aos setores progressistas da sociedade brasileira a mensagem que, diante da ameaça bolsonarista, a conquista do mais amplo leque de apoio contra esse governo é a tarefa maior. Retardou assim a construção das condições para o isolamento de Bolsonaro na sociedade e no Congresso.
Afora os cálculos eleitorais de uns e outros, a composição teórica-ideológica das organizações da esquerda no Brasil naturalmente contribuiu para essa tomada de posição incongruente com a bandeira “Fora Bolsonaro”. Porém, vale levantar uma hipótese adicional que pode estar subjacente a esse posição. Trata-se da soma de dois fenômenos. A crise dos partidos políticos aberta no ciclo de passeatas de junho de 2013 e reforçada pelo lavajatismo; e a relevância adquirida pelas redes sociais no julgamento das decisões tomadas pelas direções partidárias. Nesse contexto, assumir uma posição tática complexa, que demande a realização de um debate interno e externo pode ser custoso, em termos de menções negativas nas principais plataformas de interação social de propriedade de empresas norte-americanas. É como se, implicitamente, o funcionamento dos algoritmos dessas plataformas entrasse na definição da tática dos partidos.
Nenhum partido está imune a esses fenômenos. Entretanto, o PCdoB, partido de caráter revolucionário, com ampla presença entre a juventude e a classe trabalhadora e uma bancada na Câmara Federal reconhecidamente combativa, destoou dessa posição. Lideranças do PCdoB compareceram aos atos de 12 de setembro e manifestaram a disposição da construção da Frente Ampla contra Bolsonaro. A presença das lideranças comunistas reforçou canais de diálogo com a direita que defende “Fora Bolsonaro” e assim garantiu que a Esquerda não desperdiçasse completamente essa oportunidade.
Sendo consequente com as bandeiras que levanta e herdeiros da tradição leninista de análise de conjuntura, não é primeira e nem será a última vez que o PCdoB assume uma posição tática distinta das posições de outros setores da esquerda brasileira. Quando a campanha pelas Diretas Já não alcançou o objetivo máximo, o PCdoB não escolheu marcar posição, como outros partidos, e sim participar do colégio eleitoral que elegeria o novo presidente da República colocando fim à Ditadura Militar. Tomou essa decisão com a mesma convicção que realizou um dos combates mais heroicos à ditatura por meio da Guerrilha do Araguaia. Em 2005 quando a direita e a imprensa burguesa lançaram uma ofensiva pela deposição do presidente Lula no âmbito do chamado “mensalão”, o PCdoB assumiu nas ruas e no Congresso a liderança da defesa do governo. Esse momento marcou uma guinada no governo em direção às políticas, sobretudo econômicas, mais avançadas, caracterizando o que hoje se conhece como ciclo Lula. Enquanto isso, partidos de esquerda se autoflagelavam ou, pior, reforçavam a oposição ao governo.
Poderiam ser analisados outros episódios em que a posição do PCdoB se distingue das posições de outras correntes de esquerda, como em relação ao lavajatismo ou à eleição da presidência da Câmara dos Deputados em 2019. Mas o argumento já ficou claro e pode-se passar diretamente ao presente. O PCdoB foi o primeiro partido a defender a constituição de uma frente ampla contra a ameaça da extrema-direita. Essa posição decorre de se tomar a bandeira “Fora Bolsonaro” como um caminho real a ser perseguido e não meramente como elemento de agitação política.
Como nos episódios anteriormente citados, a posição de vanguarda do PCdoB seguirá sendo imprescindível para as lutas do povo brasileiro em direção ao Socialismo.