Bolsonaro revoga LSN, mas blinda militares e “legaliza” fake news
Criada no fim da ditadura, Lei de Segurança Nacional ajudou a evitar a punição de torturadores e a perseguir opositores
Publicado 02/09/2021 17:17 | Editado 02/09/2021 17:44
Saudoso do regime militar (1964-1985), Jair Bolsonaro prometeu às Forças Armadas que seu governo manteria em vigência a nefasta Lei de Segurança Nacional (LSN). Mas a crescente fragilidade política do presidente falou mais alto. Na manhã desta quinta-feira (2), acuado, ele sancionou a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito – o projeto aprovado no Congresso que revoga a LSN, numa derrota para seu projeto autoritário.
Em contrapartida, o presidente vetou cinco trechos do projeto, de modo a acenar para suas bases. Um desses vetos impede o aumento da pena para militares ou agentes públicos que cometerem crimes contra o Estado Democrático de Direito. Eles estariam sujeitos a perda do posto, da patente ou da graduação. Também foi vetada a criminalização da prática, durante as eleições, de fake news – os disparos em massa de desinformação e mentiras. O projeto previa até cinco anos de prisão para quem promovesse fake news nas redes sociais.
Criada em 1983, no fim da ditadura, a LSN ajudou a evitar a punição de torturadores e a perseguir opositores. O prazo para que Bolsonaro definisse se sancionava ou vetava o texto terminava nesta quarta-feira (1). Vencida a batalha maior contra a LSN, a diretriz da oposição e das forças democráticas, agora, é derrubar os vetos – o que exige maioria na Câmara e no Senado, num prazo de 30 dias.
“Bolsonaro vetou a parte que criminaliza as fake news sobre o processo eleitoral. Esse presidente trabalha em causa própria”, disse a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA). “Vamos à luta para derrubar este veto.”
Aprovada no Senado no dia 10 de agosto – no mesmo dia em que houve desfile militar na Esplanada do Ministérios –, o projeto que extingue a LSN define o que são crimes contra a democracia. É o caso de práticas como promover golpe de Estado, impedir ou perturbar a realização das eleições, incitar crime às Forças Armadas, lançar comunicação enganosa em massa, atentar contra a soberania e fazer espionagem.
Ao tentar justificar sua decisão, Bolsonaro – que é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no inquérito das fake news – disse que o dispositivo poderia “afastar o eleitor do debate político”, “inibir o debate de ideias” e “limitar a concorrência de opiniões”. Sobre o inciso que aumentava a pena para militares envolvidos em crimes contra o Estado de Direito, Bolsonaro, sem dar mais explicações, alegou que a medida violaria “o princípio da proporcionalidade”.
Algumas regras da extinta Lei de Segurança Nacional foram incorporadas ao Código Penal (Decreto Lei nº 2.848, de 1940) em um título que trata dos crimes contra o Estado Democrático de Direito. Os capítulos punem violações à soberania nacional, às instituições democráticas, ao processo eleitoral, aos serviços essenciais e à cidadania.
A nova lei tipifica o crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, “impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes constitucionais”. Nesse caso, a pena é de prisão de 4 a 8 anos, além da pena correspondente à violência empregada. Já o crime de golpe de Estado propriamente dito – “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído” – gera prisão de 4 a 12 anos, além da pena correspondente à violência.
A nova lei é resultado do projeto de lei (PL) 2.108/2021, que tramitou por 30 anos no Congresso. O texto foi aprovado por deputados em maio e pelos senadores em agosto deste ano. Durante a discussão da matéria no Senado, o relator, Rogério Carvalho (PT-SE), sublinhou que a Lei de Segurança Nacional foi usada pelo atual governo para punir opositores de Bolsonaro.
Levantamento do jornal O Globo mostrou que mais da metade dos inquéritos policiais instaurados com dispositivos da LSN, entre 2010 e 2021, ocorreram no governo Bolsonaro, justamente contra adversários. O número de inquéritos com base na lei aumentou a partir de 2019 e chegou a 51 em 2020.
A revogação da LSN foi defendida no Congresso por ser associada ao período autoritário. Em seu discurso durante a votação, o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), disse que era hora de o Brasil “sepultar” a lei que era um “resquício da ditadura e que não condiz mais com a nossa Constituição”.
Da redação, com agências