Após 1 ano, programa de Bolsonaro não regularizou nenhuma moradia
Para Getúlio Vargas, da Conam, “não vai haver política habitacional enquanto existir o teto de gastos, porque para investir em área social ou de infraestrutura, vai ter que tirar de outra área”
Publicado 30/08/2021 14:15 | Editado 30/08/2021 20:37
A principal vitrine do governo Jair Bolsonaro para a habitação é um fracasso. Um ano após o lançamento do programa Casa Verde e Amarela, a entrega de novas casas está abaixo da média dos últimos anos. Para piorar, ao longo desse período, nenhuma moradia foi regularizada ou reformada pelo programa.
Desde o ano passado, movimentos sociais já acusavam Bolsonaro de extinguir o programa Minha Casa, Minha Vida sem ter um projeto à altura. O governo alegava que o Casa Verde e Amarela seria beneficiado com a redução na taxa básica de juros – o que, em tese, ajudaria a impulsionar financiamentos, sobretudo na região Nordeste. Mas o resultado concreto é que esta e outras frentes da política habitacional do governo Jair Bolsonaro esbarram na falta de recursos do Orçamento.
A insegurança financeira que cerca o programa desperta críticas num momento em que famílias perdem renda e sofrem com despejos em plena pandemia de Covid-19. Em 2021, o governo federal concluiu apenas 20 mil unidades habitacionais do antigo faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida (para famílias com renda mensal de até R$ 2 mil), um número abaixo da média dos últimos anos: de 2009 a setembro de 2020, foram entregues 1,49 milhão de casas, segundo relatório da Controladoria-Geral da União (CGU).
Além disso, a continuidade das demais obras está ameaçada por falta de recursos para a Habitação, e há risco de paralisação já no início de setembro. Novas contratações são um plano ainda mais distante.
O governo tem dito que a entrega de novas casas não será mais a única vertente da política de habitação, mas alternativas como a regularização de terrenos ou reformas de habitações ainda não saíram do papel. O primeiro edital da Secretaria de Habitação do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) deve ser lançado somente em setembro.
Esse edital prevê até 107 mil regularizações de moradias, além de melhorias em 20% delas. No entanto, não há um centavo sequer do Orçamento para esse braço do Casa Verde e Amarela. Os cerca de R$ 300 milhões disponibilizados são recursos privados, que provêm do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), abastecido com dinheiro de empresas. Até o secretário Alfredo Santos reconhece que o futuro das regularizações, reformas e construção de casas depende de dinheiro no Orçamento.
Para 2022, o MDR pediu R$ 800 milhões para a política de regularização e melhorias – o que, em conjunto com outra parcela de recursos do FDS, contemplaria até 280 mil moradias. Sem dinheiro público, a capacidade cai para 60 mil moradias. A proposta orçamentária para 2022 será enviada na próxima terça-feira (31) e a distribuição inicial de recursos é feita de acordo com uma decisão de governo.
Para o ano que vem, a equipe econômica tem relatado dificuldades para encontrar recursos para obras, dado o crescimento de gastos que são obrigatórios. Bolsonaro também já se comprometeu em destinar uma parte do espaço fiscal de 2022 para ampliar o Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil.
Desde que o Casa Verde e Amarela foi lançado, movimentos ligados à pauta do direito à moradia criticam o programa pela falta de recursos para contratação de novas moradias para o público de baixa renda, que ganham até R$ 2 mil mensais. Segundo o presidente da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), Getúlio Vargas Jr., o déficit habitacional (a quantidade de moradias dignas que falta) é de quase 6 milhões de moradias – e a situação se agravou na pandemia.
O número de famílias ameaçadas de despejo de suas casas aumentou. Conforme dados da Campanha Nacional Despejo Zero, mais de 91 mil famílias estão nessa situação no Brasil – quantidade 485% maior do que há um ano. São Paulo (com 36.883 famílias em risco) é o estado que mais concentra esse problema, seguido de Amazonas (19.173) e Pernambuco (9.299).
“Percebemos um aumento do empobrecimento, pessoas passando fome e sem direito à moradia”, diz o presidente da Conam. “O fato é que há um contraste: há mais remoções, despejos, porque com essa crise as famílias não têm como pagar aluguel – e o déficit, que já era alto, fica maior ainda.”
Getúlio afirma que cerca de 90% das famílias que estão no déficit habitacional têm renda de até três salários mínimos e não conseguem acessar o financiamento. Para ele, o cenário é de esvaziamento da política habitacional e não há perspectiva de mudança enquanto perdurar o teto de gastos, regra que limita o avanço das despesas à inflação.
“Não vai haver política habitacional enquanto existir o teto de gastos, porque para investir em área social ou de infraestrutura, vai ter que tirar de outra área”, critica Getúlio. “Nesse momento, só fazendo a moradia brigar com a saúde, a educação e outras políticas sociais.”
Com informações do Estadão