Bolsonaro instrui uso de carvão no dia do alerta sobre mudança climática
O documento ‘Detalhamento do Programa para Uso Sustentável do Carvão Mineral’, produzido por um grupo de trabalho do Ministério de Minas e Energia (MME), foi divulgado também na segunda-feira, dia 9
Publicado 13/08/2021 13:18 | Editado 13/08/2021 13:35
Parece piada de mau gosto, mas não é. No mesmo dia em que o mundo entrou em alerta após a divulgação do sexto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o governo Bolsonaro soltou um documento para incentivar a produção de energia elétrica via carvão mineral, a forma mais poluente.
Tal fato não foi orquestrado, mas segundo Ricardo Baitelo, coordenador de Projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), a coincidência não poderia ser pior. O documento ‘Detalhamento do Programa para Uso Sustentável do Carvão Mineral’, produzido por um grupo de trabalho do Ministério de Minas e Energia (MME), foi divulgado também na segunda-feira, dia 9.
Além de contribuir negativamente para que o Brasil atinja as metas que criou para si próprio no Acordo de Paris, o documento vem recheado de outras polêmicas. Como por exemplo, a frustração da expectativa lançada pelo plano decenal, que previa uma descontinuidade do uso de termelétricas a carvão. E também o plano de transição dos vinte mil trabalhadores do setor para outros empregos.
O que diz o plano
O plano vindo do Ministério de Minas e Energia de Bolsonaro prevê a expansão do sistema e uma continuação da utilização de termelétricas a carvão até 2050. Baitelo diz-se estupefato e anuncia: “Eu não tenho notícia de nenhum outro país do mundo que manterá isso”.
O governo propõe:
“a. sinalização de longo prazo de modo a viabilizar decisões de investimentos;
b. foco na modernização do parque termelétrico a carvão mineral nacional;
c. ausência de ônus para o Estado;
d. medidas de cunho horizontal;
e. adoção de tecnologias ambientalmente apropriadas na atividade de mineração;
f. revisar descontos tarifários para as fontes incentivadas; e
g. não conceder novos subsídios ao carvão mineral e nem estender os já existentes.”
Ou seja, ações que prometem aprofundar o uso da forma mais poluente de energia.
A questão do carvão no mundo
De acordo com Baitelo, as energias renováveis sempre estiveram presentes na produção de energias mais rudimentares. Contudo, as primeiras formas de geração de energia elétrica foram as termelétricas à carvão. Assim, a energia térmica a carvão é a mais suja e com menor rendimento. Depois passou-se a um uso maior do petróleo, que também emite muita poluição, mas é mais eficiente.
Porém, ao redor do mundo, o carvão fez muitos estragos ao meio ambiente. Somente em 2020, depois de 134 anos os EUA passaram a utilizar mais energia renovável do que a carvão. No mesmo sentido vai a China, país que consome mais da metade do carvão do mundo para entregar energia para sua população de mais de um bilhão de pessoas.
Baitelo explique que por mais que haja a modernização dessas termelétricas, o carvão ainda tem emissões mais significativas do que outros combustíveis fósseis.
O carvão no Brasil
As usinas termelétricas a carvão no Brasil estão concentradas principalmente na região Sul, sendo os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina os maiores produtores. Entretanto, a geração de energia a carvão corresponde a apenas 2% do total de energia gerada no País. Baitelo informa que em números reais, isso corresponde a 3GW dos 180 GW gerados, mas que elas ficam ligadas o ano todo. Ao contrário das termelétricas mais caras, como a nuclear e as térmicas movidas a diesel e gás natural, que são acionadas apenas em tempos de baixa nos reservatórios de água das hidrelétricas, como hoje.
Outro fator que desfavorece as usinas a carvão são os subsídios que o Governo paga por esse tipo de energia, o maior entre todas as fontes que abastecem o sistema nacional.
Além destas, há as energias eólicas e solares. Com baixo impacto ambiental, essas fontes de energia têm enorme viabilidade no Brasil, inclusive no Sul. Além disso, essa forma de produção de energia é ainda mais barata do que as hidrelétricas. “No último leilão, as energias mais baratas foram a solar e em segundo lugar a eólica”, afirmou Baitelo.
Apesar de serem variáveis, seria possível, com planejamento, integrá-las ao sistema Elétrico nacional. “Já deveríamos ter feito essa transição”, opina o especialista.
Existe possibildade de um futuro limpo?
O crescimento da demanda de energia pela população e pelas empresas e as mudanças climáticas são um dos paradoxos do futuro. Porém, há possibilidades a serem colocadas em prática. Baitelo afirma que a mudança de usinas a carvão para usinas térmicas com biomassa seria um primeiro passo. Com bagaço de cana e outros resíduos da agricultura, seria possível gerar energia mais limpa. Outra possibilidade a se considerar seria o uso de gás natural, o menos poluente entre os derivados de petróleo.
“Na verdade está se rediscutindo mundialmente toda a geração de energia fóssil”, explica o especialista. Além da produção de energia, o mundo também está preocupado com a emissão de poluentes do setor do transporte e da indústria. “A lição de casa menos complexa para o Brasil é a transição das térmicas fósseis e do carvão em 1º lugar”, avalia Baitelo.
Porém, mais uma vez o negacionismo científico pode colocar o Brasil na vanguarda do atraso mundial.
Fonte: Reconta Aí