China acompanha de perto mudanças no Afeganistão após saída dos EUA
Enquanto os EUA saem do Afeganistão, a China faz aliança com o Talibã
Publicado 12/08/2021 23:52
Em 18 de julho de 2021, na cidade chinesa de Tianjin, Wang Yi, ministro das Relações Exteriores da China, se encontrou com uma delegação visitante do Afeganistão. O líder da delegação era Mullah Abdul Ghani Baradar, cofundador do Talibã e chefe da sua comissão política. O Talibã tem tido ganhos territoriais significativos ao passo que o exército dos EUA bate em retirada do Afeganistão. Durante a reunião, Wang Yi da China disse a Mullah Baradar que a política dos EUA no país da Ásia Central havia falhado, já que os EUA não foram capazes de estabelecer um governo que fosse estável e pró-ocidente. Na realidade, Imran Khan, primeiro-ministro paquistanês, também enfatizou esse ponto e disse em uma entrevista à PBS em 27 de julho que os EUA tinham “estragado tudo” no Afeganistão. O governo em Cabul – liderado pelo presidente Ashraf Ghani – permanece preso em um conflito armado com o Talibã, que provavelmente chegará em Cabul até o próximo verão.
As reuniões da China com o Talibã são práticas. A China e o Afeganistão compartilham uma fronteira bem curta – 76 km -, que é relativamente intransponível. Mas o verdadeiro ponto de trânsito entre os dois países é o Tajiquistão, que há tempos teme o retorno do Talibã para Cabul e o surgimento de uma carta branca para o extremismo na Ásia Central mais uma vez. De 1992 a 1997, uma guerra civil terrível aconteceu no Tajiquistão entre o governo e o agora banido Partido da Renascença Islâmica; tensões em relação ao crescimento do islamismo inspirado no Talibã permanecem intactas no país.
Emomali Rahmon, presidente do Tajiquistão, buscou assistência em Moscou e Pequim caso seu país fosse tomado por refugiados do Afeganistão. A Organização de Cooperação Xangai (SCO)-Grupo de Contato do Afeganistão se encontraram na capital do Tajiquistão, Dushanbe, em 14 de julho. O Afeganistão não é membro do SCO, embora tenha se registrado para participar em 2015. Um dia antes dessa reunião, Wang Yi visitou o presidente Rahmon em Dushanbe para discutir a situação em deterioração e “conduzir uma cooperação de segurança mais substancial”. A parte principal da agenda era a promessa do presidente Rahmon de evitar que seu país se tornasse uma base para o extremismo.
Movimento Islâmico do Turquistão Oriental (ETIM)
Em Tianjin, Mullah Baradar disse a Wang Yi que o Talibã não permitiria que nenhuma organização extremista usasse território afegão para prejudicar a “segurança de qualquer outro país”. Nos anúncios públicos feitos por ambos após seu encontro em 28 de julho, nem Baradar nem Wang Yi, no entanto, estenderam essa promessa. O que eles têm em mente é o ETIM, mais conhecido pelo seu nome Uyghur – Türkistan Íslam Partiyisi (TIP). O ETIM surgiu três décadas atrás e, desde então, conduziu uma série de ataques na Região Autônoma Xinjiang Uyghur na China. É um grupo extremista obscuro, um dos muitos que surgiram na Ásia Central na órbita da Al Qaeda. Desde 2002, o ETIM fez parte da conhecida lista de organizações terroristas do governo dos EUA. Em um relatório recente, o Departamento de Estado dos EUA disse que o “ETIM recebeu treinamento e assistência financeira da al-Qaida”.
Durante a guerra na Síria, vastas seções do ETIM – como o TIP – foram para a fronteira da Síria com a Turquia. O TIP está atualmente sediado em Idlib, na Síria, onde uniu forças com outros grupos jihadistas apoiados pela Turquia. Abdul Haq al-Turkistani, líder do TIP, é membro do conselho shura da Al-Qaeda. No outono de 2020, o governo dos EUA removeu o ETIM da lista de organizações terroristas, sem mencionar o TIP da Síria. A ONU, enquanto isso, mantém o ETIM em sua lista de terroristas.
O encontro entre Baradar e Wang Yi focou na ameaça que o ETIM representa para as províncias ocidentais da China, particularmente para a Região Autônoma Xinjiang Uyghur. O ETIM levou o crédito por vários ataques terroristas à província chinesa e à alvos chineses em outros lugares. A promessa de Baradar ajudou a aliviar um pouco da tensão em Pequim em relação ao possível retorno do Talibã ao poder em Cabul.
Em maio de 2020, um comitê do Conselho de Segurança da ONU reportou que o ETIM está operando em três províncias do Afeganistão: Badakhshan, Kunduz, e Takhar, todas as três próximas da divisão que conecta a China com o Afeganistão. Existem cerca de 500 combatentes do ETIM dentro do Afeganistão. O ETIM possui laços estreitos com diversas afiliadas da Al Qaeda na Ásia Central e no sul da Ásia, como o Movimento Islâmico do Uzbequistão, o Movimento Jihad Islâmico, e o Tehrik-i-Taliban do Paquistão.
Em meados de julho de 2021, um ônibus em rota para a usina hidrelétrica de Dasu na região de Khyber Pakhtunkhwa, no Paquistão, foi atacado com uma bomba. Doze pessoas morreram, incluindo nove engenheiros chineses. Dez dias depois, Shah Mahmood Qureshi, ministro das Relações Exteriores do Paquistão, chegou em Chengdu, na China, para se encontrar com Wang Yi. Qureshi disse que atos terroristas não irão “sabotar a cooperação Paquistão-China”. Nenhum grupo alegou responsabilidade pelo ataque. Detenções foram feitas, mas a situação não ficou clara. Fontes informadas em Islamabad, no Paquistão, sugerem que o ataque foi orquestrado pelo ETIM e pelo Tehrik-i-Taliban do Paquistão.
Iniciativa Cinturão e Rota (BRI)
Ambos declararam publicamente que têm como alvo a BRI, que possui quatro grandes corredores que se estendem por Xinjiang e para dentro da Ásia Central e do sul asiático. A usina hidrelétrica em Dasu faz parte do Corredor Econômico China-Paquistão da BRI (CPEC); os outros três projetos da BRI ameaçados pelo ETIM e seus parceiros são o Corredor Econômico China-Ásia Central-Ásia Ocidental, o Corredor Econômico China-Mongólia-Rússia e o Novo Corredor Econômico da Ponte Terrestre da Eurásia.
A paz não está no horizonte para o Afeganistão. O país permanece preso nas ambições de potências globais e regionais, engajados no novo “grande jogo” que envolve uma competição entre a Índia e o Paquistão bem como entre os EUA e a China, Rússia e Irã. O pedido por um governo unido que incluiria o presidente Ghani e o Talibã não ressoa em qualquer zona. Ambos os lados acreditam que podem obter ganhos a partir do inverno até o próximo verão. Isso é míope, já que carrega consigo a possibilidade de uma guerra civil interminável que pode ameaçar a região.
Uma vitória militar é improvável. O vasto investimento da BRI em infraestrutura poderia fornecer novas oportunidades econômicas a uma região faminta de futuro. Mesmo no coração dos grupos mais extremistas, forças sociais se reúnem pela paz e pelo desenvolvimento. No final de julho, em uma região ao sul de Cabul, na cidade paquistanesa de Makin, o político Mohsin Dawar – líder do Movimento Pashtun Tahafuz (PTM) – conduziu um enorme protesto contra a interferência paquistanesa no Afeganistão e pela paz.
No último dia de julho, Wang Yu, embaixador chinês em Cabul, se encontrou com Abdullah Abdullah, presidente do Alto Conselho de Reconciliação Nacional do Afeganistão, para falar sobre o apoio da China ao processo de paz. Não houve declaração sobre maiores investimentos chineses no Afeganistão, embora, se a BRI prosseguir, exigiria uma certa estabilidade no Afeganistão. É por isso que a China tem se envolvido com o governo de Cabul e com o Talibã, os dois atores principais necessários para garantir estabilidade na região.
Fonte; Carta Maior l Publicado originalmente em ‘Counter Punch‘ | Tradução de Isabela Palhares