Alteração proposta por Bolsonaro pode acabar com o Bolsa Família
Projeto para, supostamente, turbinar o programa não deixa claro como será pago, qual será o valor do benefício e, pela complexidade, pode destruir Bolsa Família, reconhecido e premiado internacionalmente
Publicado 10/08/2021 17:38
De olho nas eleições 2022 e com medo da perda de popularidade que sua atuação desastrosa na condução do país provocou, o presidente Jair Bolsonaro mandou ao Congresso Nacional, nesta segunda-feira (9), a Medida Provisória (MP) nº 1.061/2021, que institui o novo Bolsa Família. Batizado de Auxílio Brasil, para desvincular a imagem do programa aos governos de Lula e Dilma Rousseff, o programa foi criticado por especialistas porque é complexo e de difícil execução.
Incertezas, inclusive sobre valores a serem pagos aos beneficiários. Assim como em várias outras situações, o ‘vai e vem’ de Bolsonaro em suas declarações não permitem que os brasileiros saibam ao certo o que será feito. No caso do nova Bolsa-Família, Bolsonaro chegou a afirmar que seria um valor 50% maior que os atuais R$ 190. Chegou a falar também em R$ 400. Mas o fato é que o valor só será definido no fim de setembro e não deverá passar de R$ 300.
A ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do governo Dilma Rousseff Tereza Campello afirmou ao jornal Folha de S. Paulo que a proposta não é de aperfeiçoamento do Bolsa Família, mas de destruição do programa.
Para ela, a essência do programa é ser facilmente operacionalizado pelas prefeituras, ou seja, colocar em prática para atender aos milhões de beneficiários.
A ex-ministra também rebate a afirmação do governo de que o programa está sendo ampliado e que pode chegar a 16 milhões de brasileiros.
“Não dá para comparar com o programa com 2014. É preciso comparar com o que acontece agora. São 39 milhões de brasileiros recebendo benefícios do governo federal”, disse aos repórteres se referindo ao pagamento do auxílio-emergencial.
Nebulosidade
O projeto do governo Bolsonaro vai na contramão do histórico de bom funcionamento do Bolsa Família. A MP não deixa claro como será pago o programa, quanto será pago, também não define critérios de quem vai receber o benefício, já que não traz em seu conteúdo parâmetros de pobreza.
Lideranças políticas acreditam que o projeto pode se tornar uma bomba e representar a destruição do Bolsa-Família, reconhecido e premiado em todo o mundo por ter tirado cerca de 40 milhões de pessoas da miséria durante os governos Lula e Dilma.
A deputada federal e presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, criticou a proposta em suas redes sociais. “Não define linha de pobreza, quem será beneficiado, não traz valor do benefício, retira municípios e SUAS [Sistema Único de Assistência Social] do processo, desconsidera o cadastro único e torna o programa temporário”, postou no Twitter.
A linha de extrema pobreza apontada no programa é de quem tem renda mensal de até R$ 89. A linha de pobreza abrange quem tem renda mensal de R$ 89 a R$ 178. No entanto, esses valores estão desatualizados desde 2018
De onde vem o dinheiro?
Outro ponto criticado é o financiamento do programa. Para tocar adiante o benefício, Bolsonaro precisará driblar o Orçamento da União para o próximo ano. Uma das propostas é o parcelamento das dívidas com precatórios (são pagamentos que a Justiça manda o governo pagar), que na opinião de economistas pode ser chamada também de pedalada fiscal e até ‘calote’ em brasileiros que aguardam há anos receber valores referentes a processos na Justiça contra o governo federal, muitos delews dividas trabalhistas e previdenciárias.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata dos precatórios também foi enviada ao Congresso nesta segunda estabelece ainda que a taxa de correção dessas dívidas, que hoje são reajustadas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA), seja corrigida pela Selic, o que é menos vantajoso para os credores. A Selic atual é de 5,25%. Já o IPCA dos últimos doze meses alcançou 8,99% em julho deste ano.
Para o governo, a aprovação da PEC é condição principal o novo Bolsa Família ser posto em prática.
O Auxílio Brasil acaba com o Cadastro Único de beneficários e muda as características quie fizeram do Bolsa Família um programa de sucesso durante quase 20 anos.
Antes e depois
Como é o Bolsa-Família
O benefício básico é pago a famílias em situação de extrema pobreza
O benefício variável é pago a famílias em pobreza e extrema pobreza que tenham gestantes na família ou crianças até 15 anos (limite de cinco benefícios por família), ou ainda com adolescentes até 17 anos (limite de dois benefícios por família)
O benefício para ‘superação da extrema pobreza’ é pago a famílias que tenham pessoas de até 15 anos e que tenham até R$ 70 de renda mensal por cada integrante.
Como será o Auxílio Brasil
Benefício Primeira Infância será pago a famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza com crianças de até 3 anos
Benefício de Composição Familiar será pago a famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza com gestantes ou pessoas entre 3 e 21 anos (por integrante nessa situação)
Benefício de Superação da Extrema Pobreza será pago a famílias em situação de extrema pobreza com valor mínimo por integrante)
Outras modalidades incluídas
Auxílio Esporte Escolar: bônus destinado a estudantes das famílias beneficiárias que participem de Jogos Escolares Brasileiros
Bolsa de Iniciação Científica Junior: benefício destinado a estudantes do programa que se destaquem em competições acadêmicas e científicas.
Auxílio Criança Cidadã: pagamento integral ou parcial de mensalidades de creches privadas a ser pago diretamente às instituições, com preferência às famílias monoparentais (pai ou mãe que cuidem sozinhos dos filhos) com crianças de 2 anos, com a condição de que a pessoa exerça atividade remunerada e não haja vagas na rede pública
Auxílio Inclusão Produtiva Rural: governo deverá comprar durante três anos alimentos da agricultura familiar para consumo de outras famílias
Auxílio Inclusão Produtiva Urbana: para beneficiários do Auxílio Brasil que comprovem vínculo de emprego formal
Desvirtuamento
Os novos modelos inseridos no programa desvirtuam a função que é atender, de fato, a quem, precisa, de maneira objetiva. Também à Folha de SP, o superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, que ajudaou a coordenar o Bolsa-Família, afirmou que, ao contrário do que foi feito à época – um alinhamento de programas de transferência para mitigar a pobreza – o que acontece agora é um “empilhamento de agendas” que tornam impossível a execução do programa.
“Novamente, tem um amadorismo nisso que é próprio de quem não entende de política social e acha que empilhar coisas é suficiente para dar conta de vários problemas.”
Fonte: CUT