Afinal, a taxação de dividendos reduz o investimento?
Os problemas de que a tributação de dividendos prejudicaria o investimento produtivo e o crescimento econômico não correspondem à compreensão atual da teoria econômica nem às evidências empíricas disponíveis.
Publicado 26/07/2021 21:00
Desde que foi entregue pelo ministro Paulo Guedes à Câmara, a proposta do governo de reforma da tributação de renda tem sofrido diversas críticas. E se críticas a outras partes do projeto são realmente justificadas, acreditamos que os problemas apontados com a tributação de dividendos, de que ela prejudicaria o investimento produtivo e o crescimento econômico, não correspondem à compreensão atual da teoria econômica nem às evidências empíricas atualmente disponíveis.
Em maio de 2003, o presidente George W. Bush dos Estados Unidos promulgou o Ato de Reconciliação de Redução de Impostos para o Crescimento e Emprego, que reduziu a alíquota máxima de impostos sobre dividendos de 38,6% para 15%. Foi a maior reforma em taxação de capital da história americana. Os defensores do projeto de lei apontaram que essa reforma traria aumento no investimento e na capacidade produtiva da economia americana. Entretanto, nos anos seguintes à sua promulgação, economistas se debruçaram sobre os dados para analisar os efeitos dessa política e os resultados foram pouco animadores.
Embora o investimento agregado nos Estados Unidos tenha de fato crescido nos anos seguintes à reforma, dando aparente suporte aos defensores da redução de impostos, a análise de dados agregados pode ser problemática para identificar o efeito de uma política. Isso porque, nesse contexto específico, esse tipo de comparação (antes versus depois) não permite separar os efeitos da política propriamente dita de efeitos usuais dos ciclos econômicos.
Nesse sentido, uma forma mais adequada de avaliar os efeitos de uma mudança de uma política de tributação sobre dividendos é comparar o comportamento de firmas mais afetadas com firmas menos afetadas pela mudança de política. Fazendo isso para a lei americana de 2003, o economista Danny Yagan estimou um efeito exatamente nulo da redução de tributos sobre o investimento produtivo ou remuneração dos trabalhadores.
De fato, esse resultado desanimador é consistente com pesquisa anterior dos economistas Raj Chetty e Emmanuel Saez, que já haviam demonstrado que, como resposta à diminuição da taxação, o valor dos dividendos pagos pelas firmas saltara 20% nos anos posteriores à reforma (novamente, comparando firmas afetadas e não afetadas pela reforma).
Ou seja, a melhor evidência que possuímos é de que a redução nos impostos sobre dividendos apenas aumenta a distribuição de lucros, sem ter efeitos sobre o crescimento da firma. E se a evidência para a reforma americana de 2003 pode parecer limitada em escopo, vale a pena notar que economistas já pesquisaram os efeitos de uma redução em 2006 de 10 pontos porcentuais na taxação de dividendos na Suécia, encontrando efeito novamente nulo sobre os investimentos agregados, assim como os efeitos de um aumento de 300% em 2013 nos impostos sobre dividendos na França, que surpreendentemente aumentaram os investimentos produtivos das firmas francesas. Neste último caso, isso teria ocorrido pois a redução nos incentivos para pagar dividendos geraria um excesso de caixa para as empresas, que respondem investindo mais.
E seriam esses resultados empíricos tão surpreendentes teoricamente? Na realidade, não. É verdade que tais resultados seriam incompatíveis com a chamada “visão antiga” sobre a taxação de dividendos. Para essa teoria, como as empresas teriam restrições de crédito, elas usariam da emissão de ações para financiar os seus investimentos produtivos. Nesse cenário, a taxação dos dividendos de fato encareceria o financiamento da firma e diminuiria as inversões produtivas.
Mas desde a década de 1980 a teoria econômica já admite que impostos sobre dividendos podem não ter efeito algum no investimento agregado. Essa teoria, que ficou conhecida como “nova visão” sobre a taxação de dividendos (embora ela tenha sido primeiro proposta já há quarenta anos!), parte do princípio de que na margem o investimento se origina principalmente dos lucros retidos, então uma taxação de dividendos não afetaria os investimentos da firma.
Por outro lado, o governo propõe compensar parcialmente a imposição de um imposto sobre os dividendos com uma redução do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ). Nesse contexto, vale ressaltar que, ao contrário da taxação de dividendos, que discutimos acima, a evidência disponível é mais ambígua sobre os potenciais efeitos negativos da taxação de renda da pessoa jurídica sobre o investimento e outras variáveis econômicas importantes. Estimando efeitos de uma dedução de parte da produção industrial sobre a renda tributável das empresas, Eric Ohrn estimou que uma redução de 1 ponto porcentual na taxação corporativa aumenta o investimento em 4,7% do capital instalado. Essa evidência mais recente se contrapõe a uma literatura anterior que havia achado poucos efeitos reais de redução da taxação corporativa na reforma tributária de 1986 implementada pelo presidente americano Ronald Reagan.
É certo que isso não significa que devemos abolir o IRPJ e obter toda a arrecadação sobre a renda do capital pela taxação de dividendos. Ter uma base de impostos abrangente é importante como forma de dificultar a elisão e sonegação fiscal. No caso dos dividendos, uma fonte importante de elisão fiscal é o uso de recompra de ações para distribuição de lucros por ganhos de capital.
Há também dificuldades com a cobrança sobre dividendos em empresas fechadas e empresas multinacionais, que podem realizar os seus lucros em paraísos fiscais no exterior. Um arcabouço tributário eficiente, portanto, implica um leque variado de instrumentos fiscais. O que fica claro na literatura em economia do setor público, entretanto, é que um bom sistema de tributação deve incluir uma taxação direta da distribuição de dividendos.
Por Pedro Forquesato, Luis Meloni e Fabiana Rocha, professores da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP