Políticas para ajudar pequenas empresas devem ir além do Pronampe
Se espalham pelo noticiário os relatos de dificuldades intransponíveis para pequenos empresários acessarem os recursos do Pronampe. Segundo Paulo Feldman, o novo programa só é bom para os bancos.
Publicado 21/07/2021 21:24 | Editado 21/07/2021 21:40
O Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) conta com uma projeção de cerca de R$ 5 bilhões do Fundo Garantidor de Créditos para empréstimos a pequenas empresas; 500 mil empresários que solicitaram crédito em 2020 passaram a ser beneficiados naquele ano.
O professor na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, Paulo Feldmann, presidente do Conselho da Pequena Empresa da Fecomércio entre 2010 e 2015, aponta aspectos prejudiciais contra as pequenas empresas no Brasil e insuficiências do Pronampe. “Há uma crueldade grande com a pequena empresa no Brasil. Ela é muito mal-tratada”, resume o economista.
Comparativos internacionais
No Brasil, a pequena empresa é responsável por apenas 1% das exportações, enquanto na Itália, 50% das exportações têm origem em pequenos empreendimentos familiares. O economista explica que não se trata de ineficiência brasileira, mas de legislação e políticas públicas italianas que favorecem essa participação na balança comercial do país.
Ele citou o caso da legislação que permite consórcios com centenas de pequenas empresas com benefícios fiscais diversos, apoio do governo, treinamento etc. “São os consórcios que exportam. Como uma pequena empresa brasileira de dez empregados vai chegar lá fora e exportar sem suporte algum, enfrentando grandes grupos?”
Na França, ele conta que os grandes grupos de supermercados são proibidos de atuar em grandes cidades, se instando nas estradas. Nas cidades, a legislação protege as pequenas mercearias e rotisseries, que geram mais empregos que os grandes grupos.
Na Itália, diz ele, não existem grandes grupos de farmácias, como aqui. As farmácias são pequenos empreendimentos de propriedade de um farmacêutico. “No Brasil não existe essa cultura de proteção da pequena empresa para enfrentar a grande, principalmente. O futuro do emprego está na pequena e não na grande empresa”.
Feldman cita como o mundo lida com compra públicas do governo, direcionando para pequenas empresas as concorrências. “Todas as contratações para as Olimpíadas de Londres, em 2012, todas as contratações seriam feitas pelas pequenas empresas, desde obras de construção de estádios, uniformes, restaurantes, tudo tinha que ser feito pelas pequenas empresas. Isso tornou aquela Olimpíada um sucesso, enquanto no Brasil, Olimpíadas e Copa do Mundo são dominadas por grandes empreiteiras e grupos econômicos. Isso é um problema cultural, não apenas econômico”, explicou.
De onde virão os empregos
Com o arrefecimento da pandemia, Estados Unidos, Japão e países da Europa voltam a operar com a maciça automatização das empresas. A substituição da força de trabalho humana por máquinas, já é uma realidade, tornando vagas de empregos mais escassas.
“Quem é que vai gerar os empregos necessários? A pequena empresa. No mundo inteiro, a pequena empresa é o maior provedor de empregos. E mesmo no Brasil, com toda essa dificuldade, metade dos empregos formais sai da pequena empresa”, afirma o professor. A pequena empresa no Brasil teria que dar conta de 15 milhões de desempregados.
Crédito dificultado
O lançamento do Pronampe no ano passado ajudou pequenas empresas que enfrentavam dificuldades com a chegada da pandemia do coronavírus. Como observa o professor Paulo Feldmann, somente após a garantia de pagamento pelo governo em casos de inadimplência dos empresários, os bancos passaram a emprestar. “Mas como as baixas taxas de juros não eram lucrativas para as instituições financeiras privadas elas continuaram criando dificuldades para liberar o crédito”.
O novo Pronampe, vigente neste ano, segundo ele, só é bom para os bancos. “É mais uma linha de empréstimo para oferecer, mais um produto do banco, com taxas muito mais altas, com prazos pequenos, e os bancos agora vão fazer aquela avaliação [de risco] tradicional que eles fazem”, afirma Feldmann.
As taxas de juros, baseadas na Selic + 6% também não fazem sentido para esses empreendedores. Em sua opinião, deveriam ser um pouco maior que a inflação, apenas.
Outro agravante ressaltado por ele, é que o valor do fundo garantidor é pequeno e conseguirá atender um número de cerca de 300 mil pequenas empresas em um universo brasileiro de cerca de 8 milhões de empresas, que equivalem a 99% das empresas brasileiras. “Um por cento das empresas que não são nem pequenas nem micro concentram 73% do PIB, ou seja, dominam a economia.”
Ele salienta o fato de países desenvolvidos valorizarem muito a pequena empresas. Na Itália, ocorre o contrário do Brasil, em que a pequena empresa concentra 70% do PIB, assim como na Alemanha concentra 65%. “[A taxa de 27%] você só vai encontrar em países africanos”, diz Feldmann.
Ele sugere que bancos públicos operem um plano de ajuda que tenha critérios e taxas de juros menos rigorosos. Segundo ele, as poucas boas políticas públicas que favoreciam pequenas empresas não prosperaram. Ele citou o cartão do BNDES que oferecia financiamento barato, mas não tinha capilaridade pela falta de agências do banco. Ao pedir a ajuda dos bancos privados o programa morreu por falta de interesse em operar taxas baixas e prazos longos.
Edição de entrevista à Rádio USP