O revigoramento da aprendizagem como forma de organização da educação
Nos últimos 10 anos houve revigoramento da educação profissional no Brasil com a expansão dos Institutos Federais. Entretanto, apontando muito mais o lado acadêmico, do que preocupada em gerar oportunidades de formação de recursos humanos para o futuro do país.
Publicado 03/07/2021 12:09 | Editado 03/07/2021 12:22
Com o advento das transformações recentes nas estruturas produtivas de distintos países, demarcadas pela Indústria 4.0 e pelos diversos Planos Mobilizadores de ações das suas economias como nos Estados Unidos, com a Manufatura Avançada; Alemanha, Indústria 4.0; China: Made in China 2025; Japão: Plano de Revitalização da Indústria e Sociedade 5.0; Coreia do Sul: Movimento Inovação Industrial 3.0 (MII 3.0); França: Nouvelle France Industrielle, Industrie du Futur e Índia: Make in India, Digital India, Startup India, em menor ou maior grau, mudanças importantes ocorrem nos sistemas de formação e de preparação de recursos humanos para o presente e para o futuro.
Observa-se certa semelhança nos sistemas de formação. Guardadas algumas particularidades os países firmaram como possibilidade um ensino médio vocacional com opções de ascender ao ensino superior tanto a partir de escolhas vocacionadas já no ensino médio, como possibilidades de migrar para opções mais acadêmicas se submetendo a exames nos mais distintos países.
Com certo atraso, em relação aos países da União Europeia, os países latino-americanos vem afirmando esta opção também. Com a definição de uma Base Curricular Comum em parte da formação do ensino médio, os alunos podem optar por alguma focalização na etapa final do ensino médio. Isso de certa forma permite organizar melhor as ofertas formativas e permite conectar com as distintas realidades do “mundo real”, inclusive para o prosseguimento de estudos.
Uma tendência que se observa nos diversos países, é a tentativa de reproduzir o sistema dual alemão/suíço/austríaco, combinando períodos de formação na escola com vivência prática nas empresas ou em outros espaços produtivos. Isso ocorre mesmo entre os países das chamadas Economias Coordenadas de Mercado (ECM), como Alemanha, Dinamarca e Suíça, como também em Economias de Mercado Liberal (EML) como EUA, Austrália, Irlanda e Reino Unido, como também nas economias ditas de projetamento, como é o caso da China. Mesmo na China e no Vietnã com economias de mercado planejadas, aspectos do modelo dual alemão estão presentes, mais na China do que no Vietnã.
Esta reconversão, se é que podemos chamar assim, tem como foco a Apprenticeship Model (Modelo de Aprendizagem). Há uma tentativa de se aproximar do modelo dual alemão, mas comprometendo em maior grau as empresas. A aprendizagem foca no intercâmbio de práticas e saberes das escolas em sintonia com as empresas e na existência de preceptores nas empresas que acompanham o desenvolvimento dos aprendizes e com a possibilidade destes preceptores também estarem mais próximos da formação fornecida pelas escolas a ponto de intercambiarem períodos de prática nas empresas e nas escolas. A lei chinesa de educação profissional determina este intercâmbio entre o mundo fabril e a escola, inclusive para os docentes.
Estes regimes de alternância têm tido boa aceitação tanto em países latino-americanos como nos países membros da OCDE. Evidente que há uma diferenciação muito importante entre o que se processa no âmbito das EML com as ECM, mas na essência, em ambos os casos, o foco são as necessidades do mundo real.
Além disso, um conjunto de inovações pedagógicas que visa dar maior autonomia ao aluno passam a ser adotadas ao tempo também que as formações rompem os aspectos disciplinares da curricularização e passam a serem mais integradas, combinando a formação para além da sala de aula e notadamente baseada em projetos. Há uma preocupação em formar um trabalhador com amplas habilidades independentemente do setor em que venha a atuar. O desenvolvimento dos aspectos sócio-emocionais está muito presente em todos os países que estão empreendendo mudanças.
A aprendizagem aparece nas principais referências das políticas voltadas para a organização dos sistemas de formação. Independente da legislação que impõe quotas, similar ao caso brasileiro, a aprendizagem alcança um amplo conjunto de empresas, independentemente da obrigatoriedade.
O Brasil patina em afirmar um sistema de VET (Vocational Education Training), da vertente anglo-saxã ou de FTP (Formación Técnico Profesional) de orientação hispânica. O Brasil firmou um conceito intermediário de EPT (Educação Profissional e Técnológica). O sistema de educação profissional brasileiro tentou ser alemão na origem, mas perdeu seu rumo e se desconectou da realidade. Tornou-se um dual desconectado. Resquícios do dual alemão ainda estão presentes no SENAI, este verdadeiramente conectado e comparado aos modelos de VET mais avançados do Mundo. Não à toa os alunos do SENAI figuram entre os principais medalhistas da WorldSkills, principal competição de educação profissional do Mundo, tendo o SENAI, em 2015, faturado medalha de ouro em todas as modalidades. Nos últimos 10 anos houve revigoramento da educação profissional no Brasil com a expansão dos Institutos Federais. Entretanto, apontando muito mais o lado acadêmico, do que preocupada em gerar oportunidades de formação de recursos humanos para o futuro do país. Não à toa, o principal indicador desta Rede mira o desempenho dos seus egressos nas provas do ENEM, como forma de acesso à universidade do que no mercado de trabalho.
A Pandemia da COVID-19 trouxe mudanças substantivas na educação. A migração das atividades presenciais para o ensino remoto emergencial impôs novos desafios à oferta educacional. As possibilidades abertas com a digitalização da produção chegaram também ao processo de aprendizagem. Organização de espaços, a combinação do ensino a partir de distintas plataformas, realidade aumentada, estão despertando para outras formas de formação dos futuros trabalhadores. O conceito de smartwork remonta aos grandes embates que eram travados no início dos processos de automação da década de 1950, quando a Segunda Revolução Industrial dava sinais de esgotamento.
A aprendizagem, no caso brasileiro, surgida com a CLT de 1943, e vinculada aos serviços de aprendizagem profissional aparece como uma das possibilidades de organizar o novo ensino médio, com a oferta do quinto itinerário. Mas antes de um reducionismo de conteúdos da formação, o que está em jogo é como combinar o arsenal de informações disponíveis hoje para uma formação que se apropria de atividades em espaços dito escolares com outras formas fora do ambiente escolar e, principalmente, aponte para uma educação continuada na busca de um projeto de desenvolvimento nacional. Está mais do que demonstrado que a educação é uma forte aliada no combate às desigualdades. Ela precisa estar a serviço da elevação da produtividade e da melhoria da qualidade de vida das pessoas. Este debate não é novo no Brasil. Tanto o Manifesto dos Pioneiros, de 1932, como os intelectuais reunidos pelo ISEB, em 1959, já miravam este caminho.
Remi Castioni é professor da Faculdade de Educação da UnB e dos Programas de Pós-Graduação em Educação (profissional e acadêmico)