Indígenas são reprimidos em Brasília e parlamentares cobram apuração da violência policial
Indígenas protestavam contra o PL 490/07, que acaba com a demarcação de seus territórios, entre outras inconstitucionalidades, quando manifestação foi reprimida pela polícia. Deputados fizeram um cordão humano para impedir aumento da violência e cobram do presidente da Câmara abertura de diálogo com lideranças sobre o texto em análise na CCJC.
Publicado 22/06/2021 16:18 | Editado 22/06/2021 16:23
Gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral, balas de borracha. O aparato policial foi utilizado nesta terça-feira (22) na Câmara dos Deputados contra indígenas que protestavam contra o Projeto de Lei (PL) 490/07, que, entre outras inconstitucionalidades, muda as regras para demarcação dos territórios desses povos. O texto estava na pauta da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) desta terça-feira (22), mas a votação foi adiada, após o avanço da violência contra as lideranças, o que fez com que a reunião do colegiado fosse cancelada.
Para conter a violência policial contra os indígenas presentes, deputados do PCdoB, PT, Rede, PSol, contrários à proposta, fizeram um cordão humano para escoltar os indígenas. As cenas foram registradas dos gabinetes parlamentares, por indígenas e comunicadores que acompanhavam o ato.
Membro da CCJC, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) foi um dos que esteve na mediação do conflito. “Vimos cenas de violência e autoritarismo. Proteger as lideranças indígenas da brutal repressão policial foi uma das tarefas do dia. Eles foram protestar legitimamente contra o PL 490, um grave retrocesso patrocinado pelo governo federal, mas foram recebidos com bombas de gás lacrimogêneo. É um absurdo”, afirmou o parlamentar.
A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) também participou da contenção da repressão e foi uma das parlamentares que levou o tema ao Plenário da Câmara. “De longe se escutavam os tiros com balas de borracha. Estava tudo fechado em torno do Congresso. Vim caminhando e por mim passavam crianças, anciãos, pedindo socorro. O PL 490 altera profundamente a demarcação das terras indígenas e o Congresso quer mudar isso sem ouvir as lideranças. Eles tão errados em protestar? E como são recebidos? À bala? Eram 10 policiais para cada indígena. Fizemos um grande cordão pra proteger mulheres, anciãos e crianças que estavam ali. Não podemos aceitar isso. Quero pedir ao presidente da Câmara: vamos receber as lideranças. De repente, a gente convence o governo de que não dá para seguir com esse projeto que prejudica os povos indígenas”, pontuou.
Uma das tarefas do dia foi proteger as lideranças indígenas da brutal repressão policial. Eles foram protestar legitimamente con o PL 490, que muda as regras para demarcação de terras indígenas, um grave retrocesso patrocinado pelo governo. #PL490Nao pic.twitter.com/uwe8ulEXUi
— Orlando Silva (@orlandosilva) June 22, 2021
Abertura de diálogo e investigação
O pedido para que o presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), tomasse a frente das negociações relacionadas ao PL 490 tomaram as falas no Plenário da Câmara. A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) reforçou a importância de que o Parlamento se abra para um diálogo real com as lideranças sobre o projeto.
“A discussão sobre mineração e demarcação das terras na CCJC é de maior interesse dos povos indígenas e eles não estão tendo qualquer acesso aos deputados. Faço um apelo ao deputado Arthur Lira para que abra um diálogo real com as lideranças indígenas e possamos acabar com esse conflito. Assistimos a um lamentável episódio em relação aos povos indígenas hoje, que tentam negociar o projeto que trata da demarcação de suas terras e da mineração ilegal. Os povos originários não podem ser tratados como párias da sociedade. É preciso que esta Casa se abra pra negociar com as lideranças indígenas”, afirmou.
A deputada afirmou ainda que diante do impasse, o enfrentamento é uma realidade. “Não se sabe se foi a bala de borracha ou a flecha que partiu primeiro, mas não há dúvidas que a desproporção é evidente. É algo que precisa ser mensurado por esta Casa. Hoje vamos pro noticiário com a notícia de que uma praça de guerra se estabeleceu no Parlamento. Peço que o presidente desta Casa tome para si a negociação. As comunidades indígenas estão em sobressalto. Nosso papel não é espantá-los, nosso papel é buscar consensuar soluções possíveis, pois o que está em jogo é o futuro de brasileiros. A desproporção nos causa espécie e gera repúdio”, destacou Alice.
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) se somou aos pedidos para que o caso seja esclarecido e alertou que a repressão policial contra os indígenas não está descontextualizada do que vem acontecendo pelo Brasil.
“É a ruptura do Estado Democrático de Direito o tempo inteiro. Me somo à indignação, à tristeza, e à solicitação de que isso seja esclarecido. O PL 490 tem tido da nossa parte uma discussão profunda, pois é inconstitucional e confronta direitos sólidos, densos, e confronta direitos estabelecidos desde a Constituição de 1988. O que ocorreu hoje não está descontextualizado desse clima de violência que tomou conta deste país. Pensaram que eles iriam invadir a Câmara? Eles sequer tinham número para isso. Vamos negociar, conversar em vez de tomar uma medida desproporcional como esta. Não aceitamos violência de espécie alguma. E também não queremos que os profissionais de segurança sejam agredidos. Mas com esse aparato policial eles também tinham que se defender. Que se investigue e abra o diálogo”, pediu a parlamentar.
URGENTE | Polícia ataca a manifestação pacífica dos povos indígenas em Brasília nesse momento. Indígenas mobilizados no #LevantePelaTerra estão contra o #PL490NÃO e sendo duramente reprimidos! A manifestação tem muitas crianças que acompanham seus pais.
— Apib Oficial (@ApibOficial) June 22, 2021
video Tiago Miotto / CIMI pic.twitter.com/YQTkkakDjA
Ameaça aos povos indígenas
O PL 490, defendido pela bancada ruralista e pela base de Bolsonaro, ameaça, entre outras coisas, anular as demarcações de Terras Indígenas, e viabilizar a abertura dos territórios protegidos para o garimpo.
O parecer do deputado Arthur Maia (DEM-BA) condensa uma série de ataques aos direitos territoriais indígenas e é considerado inconstitucional por várias razões – a começar por sua forma: é um projeto de lei ordinária que busca retirar direitos garantidos na Constituição. Além disso, o projeto também estabelece a aplicação do marco temporal como critério para a demarcação de terras indígenas, sob a falaciosa justificativa de que esta seria uma definição do Supremo Tribunal Federal (STF).
O texto avança sobre os direitos fundamentais dos povos indígenas previsto nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal, que, como cláusulas pétreas que são, a rigor não poderiam sequer ser objeto de emenda constitucional.
Mesmo com a violência vivenciada nesta terça-feira, a presidente da CCJC, a bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), anunciou que a pauta do colegiado permanece a mesma na reunião marcada para a quarta-feira (23).
Fonte: PCdoB na Câmara