Em carta, judeus dizem que Bolsonaro tem “inclinações nazistas”

Documento assinado por mais de 200 profissionais e intelectuais judeus aponta semelhanças entre práticas do governo brasileiro e táticas adotadas por regimes fascista e nazista. “É preciso chamar as coisas pelo nome.”

Assessoria de Bolsonaro estimula imagens que lembrem a saudação nazista em eventos públicos.

Uma carta assinada por mais de 230 profissionais e intelectuais judeus divulgada na segunda-feira (31) afirma que o governo Jair Bolsonaro “tem fortes inclinações nazistas e fascistas”.

O documento lançado ontem é assinado pela cientista Natalia Pasternak, os historiadores Lilia Schwarcz, Íris Kantor e Michel Ghermen, a psicóloga Lia Vainer Schucman, os cineastas Pedro Farkas, Esther Hamburguer e Silvio Tendler, os advogados Pedro Abramovay e Fabio Tofic Simantob, a artista e educadora Edith Derdyk, o sociólogo André Vereta-Nahoum, entre outros.

Os signatários apontam semelhanças entre práticas que identificam no governo Bolsonaro e táticas adotadas pelos regimes fascista e nazista.

Em abril de 2020, o historiador argentino Federico Finchelstein, especialista em fascismo, lançou o livro A Brief History of Fascist Lies (Uma breve história das mentiras fascistas, em tradução livre), no qual discute o uso da mentira como peça central na sustentação de movimentos fascistas — para esses grupos, a verdade seria enraizada “na fé e no mito”, e não na ciência.

Professor da The New School for Social Research, em Nova York, e diretor do programa sobre América Latina da faculdade, Finchelstein comentou em entrevistas que Bolsonaro “mente como um fascista, elogia ditaduras e ditadores como um fascista, glorifica a violência”.

Porém faltam os elementos na sociedade necessários para sustentar um regime fascista, como a supressão da imprensa e a submissão do Judiciário. No mundo, seu comportamento está próximo ao dos primeiros-ministros Narendra Modi, na Índia, e Viktor Orbán, na Hungria, avalia.

“É preciso chamar as coisas pelo nome. Perspectivas conspiratórias e antidemocráticas produzem, tal qual o fascismo e o nazismo, inimigos e aliados imaginários. Se não judeus, como o caso do Terceiro Reich, esquerdistas; se não ciganos, cientistas; se não comunistas, como na Itália fascista, feministas. A ideia de uma luta constante contra ameaças fantasmagóricas continua”, afirmam.

A carta defende o “Fora Bolsonaro”, tema de manifestações realizadas em diversas cidades do Brasil no último sábado. “Cabe a nós brasileiros e brasileiras impedir que cheguemos a uma tragédia maior. O Fora Bolsonaro deve ser o chamado uníssono da hora”, escrevem.

“Reportações racistas e nazistas”

A carta também afirma que “reiteradas reportações racistas e nazistas do governo Bolsonaro, o uso de símbolos fascistas e referência à extrema direita não podem deixar dúvidas [sobre a associação que os autores imputam]”.

Não é a primeira vez que o governo Bolsonaro é acusado de usar referências nazistas. Em janeiro de 2020, o então secretário de Cultura, Roberto Alvim, foi exonerado por Bolsonaro depois de ter feito um discurso em que copiou Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista. Após críticas, o ex-secretário defendeu que se tratava de uma “coincidência retórica” entre os discursos.

Alvim postou um vídeo para divulgar o recém-criado Prêmio Nacional das Artes. Nele, parafraseia um trecho de um discurso de Goebbels, proferido em Berlim, em 8 de maio de 1933, perante diretores de teatros alemães.

“A arte alemã da próxima década será heroica, será ferrenhamente romântica, será desprovida de sentimentalismo e objetiva, será nacional com um grande pathos e será ao mesmo tempo imperativa e vinculante – ou não será”, disse Goebbels no discurso, que é reproduzido em vários livros sobre o nazismo.

“A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada”, afirma Alvim no vídeo.

Usuários de redes sociais criticaram o secretário e também fizeram comentários sobre a estética do vídeo, a aparência do secretário, seu tom de voz e a música de fundo, de Richard Wagner, o compositor favorito de Hitler.

No início do vídeo, o secretário aparece ao lado de uma cruz e de uma bandeira brasileira, tendo ao fundo a foto oficial do presidente Jair Bolsonaro.

Em maio de 2020, um vídeo institucional publicado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) para divulgar medidas adotadas pelo governo no combate à crise sanitária do coronavírus trazia a mensagem “O trabalho, a união e a verdade libertarão o Brasil”.

À época, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) manifestou repúdio ao vídeo, e lembrou que a frase “O trabalho liberta” (“Arbeit macht frei”, em alemão) está inscrita na entrada do antigo campo de extermínio de Auschwitz, utilizado pelos nazistas durante a Segunda Guerra.

Inscrição “O trabalho liberta” (“Arbeit macht frei”) no antigo campo de extermínio nazista de Auschwitz

“É lamentável ver, mais uma vez, questões caras ao judaísmo e à humanidade em geral serem banalizadas e emuladas, ofendendo a memória das vítimas e dos sobreviventes, em um momento já tão difícil do nosso país e do mundo”, concluiu o presidente da Conib, Fernando  Lottenberg.

O então secretário da Secom, Fabio Wajngarten, defendeu-se e acusou críticos de “analfabetismo funcional” e de fazerem uma interpretação equivocada para “associar o governo ao nazismo”, acrescentando que ele próprio é judeu.

Em março do ano passado, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez uma comparação com o nazismo ao rebater críticas ao governo Bolsonaro feitas numa coluna do jornalista alemão Philipp Lichterbeck para a Deutsche Welle. “Lamentável que um canal público alemão escreva isso do Brasil. Essa sua descrição se parece mais com o que a própria Alemanha fez com as crianças judias e tantos outros milhões de torturados e mortos em seus campos de concentração…”, escreveu o ministro na época.

Mais recentemente, há algumas semanas, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, foi instado a pedir desculpas à comunidade judaica no país por ter comparado as medidas de distanciamento social impostas pelos governadores brasileiros para combater a covid-19 com os campos de concentração nazistas.

Na noite de 28 de maio de 2020, durante uma live presidencial, Jair Bolsonaro chamou atenção ao tomar um copo de leite puro. O gesto, de acordo com pesquisadores, tem uma correlação com movimentos neonazistas, que adotam a prática como símbolo de supremacia racial.

O presidente, no entanto, estaria cumprindo um desafio da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite). Nacionalistas brancos fazem manifestações bebendo leite para chamar a atenção para um traço genético conhecido por ser mais comum em pessoas brancas do que em outros – a capacidade de digerir lactose quando adultos. É uma tentativa racista para se embasar em ‘ciência’ para diferenciar e justificar a ‘raça branca’. 

Além dele, o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, investigado por disseminação de fake news, também apareceu em transmissão no canal Terça Livre exibindo um copo de leite e repetindo o gesto de Bolsonaro. “Entendedores entenderão”, disse o blogueiro.

A íntegra da carta e assinaturas 

“É preciso chamar as coisas pelo nome. É chegada a hora de nós, intelectuais, livres-pensadores, judeus e judias progressistas, descendentes das maiores vitimas do regime nazista, posicionarmos, como atores sociais diante do debate público sobre o atual momento nacional. É perceptível que o governo encabeçado por Jair Bolsonaro tem fortes inclinações nazistas e fascistas.

É preciso chamar as coisas pelo nome.

Perspectivas conspiratórias e antidemocráticas produzem, tal qual o fascismo e o nazismo, inimigos e aliados imaginários.

Se não judeus, como o caso do Terceiro Reich, esquerdistas; se não ciganos, cientistas; se não comunistas, como na Itália fascista, feministas. A ideia de uma luta constante contra ameaças fantasmagóricas continua.

Porém há mais. As reiteradas reportações racistas e nazistas do governo Bolsonaro, o uso de símbolos fascistas e referência à extrema-direita não podem deixar dúvidas.

O projeto de poder avança. Genocídio, destruição das estruturas democráticas do Estado e práticas eugênicas estão escancaradas. Cabe a nós brasileiros e brasileiras impedir que cheguemos a uma tragédia maior.

O Fora Bolsonaro deve ser o chamado uníssono da hora. É o chamado contra o genocídio.”

Assinam:
Adriana Sulam Saul Zebulun
Alan Besborodco
Alberto Kleinas
Alexandre Wahrhaftig
Alexandre Zebulun Ades
Aline Engelender
Alinnie Silvestre Moreira
Alon Shamash
Ana A Ribeiro Divan
Ana Maria de Souza Carvalho
Ana Roditi Ventura
André Gielkop
André Liberman
André Vereta-Nahoum
Andréa Basílio da Silva Chagas
Andrea Paula Picherzky
Angela Tarnapolsky
Ângela Valério Horta de Siqueira
Anna Cecilia Negreiros
Annita Ades
Artur Benchimol
Assucena Halevi Assayag Araujo
Bárbara Ferreira Arena
Beatriz Radunsky
Beni Iachan
Bernardo Furrer
Betty Boguchwal
Bianca Rozenberg
Boris Serson
Breno Isaac Benedykt
Bruna Barlach
Carla Araujo
Carlos Alberto Wendt
Carlos Eduardo Lober
Cecília Schucman
Celso Zilbovicius
Clara Politi
Clarisse Goldberg
Claudia Heller
Claudia Mifano
Claudio Estevam Reis
Cleber Candia
Cristina Catalina Charnis
Daniel Raichelis Degenszajn
Daniel Reiss Mendes
Daniela Wainer
David Albagli Gorodicht
David Levy de Andrade
David Tygel
Débora Abramant
Deborah Kotek Selistre
Deborah Rosenfeld
Deborah Sereno
Denise Bergier
Denise Gaspar da Silva
Desiree Garção Puosso
Diana Victoria Aljadeff
Dina Czeresnia
Dina Lerner
Dirson Fontes da Silva Sobrinho
Edith Derdyk
Edna Graber Gielkop
Eduardo Sincofsky
Eduardo Weisz
Eliane Pszczol
Elias Carlos Zebulun
Elias Salgado
Elizabeth Scliar
Estela Taragano
Esther Hamburger
Fabio Gielkop
Fabio Silva
Fabio Tofic Simantob
Fernando Perelmutter
Flávio Geraldo Ferreira de Almeida Motprista
Flavio Monteiro de Souza
Francisco Carlos Teixeira da Silva
Gabriel Besnos
Gabriel Douek
Gabriel Frydman
Gabriel Inler Rosenbaum
Gabriel Melo Mizrahi
Gabriela Korman
George William Vieira de Melo
Gerald Sachs
Geraldo Majela Pessoa Tardelli
Gisele Lucena
Giulia Cananea Pereira
Helen Da Rosa
Helena Cittadino Tenenbaum
Helena Waizbort Henrique Waizbort
Helio Schechtman
Horacio Frydman
Iara Rolnik
Ilana Sancovschi
Ilana Strozenberg
Iris Kantor
Irne Bauberger
Isabelle Benard
Iso Sendacz
Israel Falex
Itay Malo
Ivan Pamponet Suzart Neto
Ivan Stiefelmann
Ivanisa Teitelroit Martins
Ives Rosenfeld
Ivo Minkovicius
Jacqueline Moreno
Janaina Gonçalves da Rocha
Jean Goldenbaum
João Koatz Miragaya
Joao Luiz Ribeiro
Jonas Aisengart Santos
Jorge Naslauski
José Eudes Pinho
José Marcos Thalenberg
Juarez Wolf Verba
Juciara dos Santos Rodriguez
Judy Galper
June Menezes
Karina Iguelka
Karina Stange Calandrin
Karl Schurster
Lara Vainer Schucman
Laura Trachtenberg Hauser
Léa Suzana Scheinkman
Leana Naiman Bergel
Lia Vainer Schucman
Lília Katri Moritz Schwarcz
Lilian Thomer
Liliane Bejgel
Lilin Kogan
Lorena Quiroga
Luana Gorenstein Cesana
Lucia Chermont
Lucia Rosenberg
Luciano Uriel Lodis
Magali Amaral
Marcel Holcman
Marcelo de Oliveira Gonzaga
Marcelo Jugend
Marcelo Schmiliver
Marcelo Semiatzh
Marcio Albino
Marcio Magalhães de Andrade
Marcos Albuquerque
Maria Aparecida Dammaceno
Maria Aparecida Trazzi Vernucci da Silva
Maria Cecilia Moreira
Maria Fiszon
Maria Paula Araujo
Marina Costin Fuser
Marta Sandra Grzywacz
Marta Svartman
Marylink Kupferberg
Matilde G. Alexandre
Maurice Jacoel
Mauricio Lutz
Mauro Band
Mauro Motoryn
Maya Hantower
Michel Gherman
Michel Zisman Zalis
Michele Mifano Galender
Miguel Froimtchuk
Miriam S Rosenfeld
Miriam Weitzman
Monica Herz
Nadja Myriam de Morais
Natahaniel Braia
Natalia Pasternak
Nathan Rosenthal
Nelson Nilsenbaum
Newton Blanck
Ney Roitman
Nicholas Steinmetz Peres
Nina Jura
Nina Queiroz Kertzman
Nirda Portella Barbabela
Nurit Bar Nissim
Ofélia Pereira Ferraz
Omar Ribeiro Thomaz
Patricia Barlach
Patricia Tolmasquim
Paulina Bela Milszajn
Paulina Wacht de Roitman
Paulo Baía
Paulo Vainer
Pedro Abramovay
Pedro Farkas
Pedro Litwin
Pedro Vainer
Rachel Aisengart Menezes
Rachel Lima Penariol Zebulun Ades
Radji Schucman
Rafael Arkader
Rafaela Vianna Waisman
Regina Celi Bastos Lima
Renata Paparelli
Renata Udler Cromberg
Ricardo Armando Schmitman
Ricardo Lima
Ricardo Teperman
Rita Fucs
Roseana Murray
Ruth Goldmacher
Sabina Radunsky
Samuel Neuman
Sandra Perla Felzenszwalbe
Sebastião Miguel da Silva Junior
Sergio Lifschitz
Sidnei Paciornik
Silvia Berditchevsky
Silvia Bregman
Silvia Fucs
Silvio Hotimsky
Sílvio Lewgoy Em nome
Silvio Naslauski
Silvio Tendler
Sonia Nussenzweig Hotimsky
Soraya Ravenle
Suely Druck
Suzana Moraes
Tamara Bar-Nissim
Tamara Katzenstein
Tania Maria Baibich
Telma Aisengart
Thais Kuperman Lancman
Tomás Treger Piltcher
Valéria Meirelles Monteiro
Virgínia Kenupp Henriques
Welbert Belfort
Zaida Gusmao Knight
Zina Voltis

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