Vacinação lenta preocupa
Avanço lento da imunização por vacina e flexibilização do distanciamento social dá vantagem ao vírus, que ganha tempo para novas mutações.
Publicado 26/05/2021 22:26
A vacinação contra a Covid-19 no Brasil, que já é lenta, teve redução de 17% no mês de maio em comparação com o mês de abril. Em janeiro de 2021, o Brasil vacinou em média, 146.521 pessoas por dia, em fevereiro foram 230.651, em março 458.104 e em abril foram 822.394 pessoas vacinadas em média por dia. Até o dia 18 de maio, o Brasil vacinou 681.366 mil pessoas em média por dia. Isto é péssimo, pois estamos observando aumento de casos em alguns estados, com um preocupante crescimento da lotação de leitos de UTI, que pode representar um cenário de uma possível terceira onda (embora eu acredite que seja um recrudescimento das ondas iniciais e não uma terceira onda). Mas é preocupante, pois uma possível terceira onda com um patamar maior de casos pode causar estragos ainda maiores.
Após quatro meses do início da vacinação no Brasil, apenas 39% dos idosos (11,7 milhões de pessoas acima de 60 anos) tomaram as tão desejadas duas doses da vacina. É fundamental aumentar rapidamente a cobertura vacinal no país, com a aquisição de maior contingente de vacinas e uma campanha nacional organizada para mostrar a importância de alta adesão da população às vacinas. Sem as duas doses das vacinas nos braços de cerca de 170 milhões de brasileiros e brasileiras, a pandemia não vai passar. Além de termos poucas vacinas, ainda temos atrasos na chegada de insumos para produção dos imunizantes das vacinas Covishield, de Oxford/AstraZeneca/Fiocruz e Coronavac, da Sinovac/Butantan.
Sobre mutações e novas variantes
No Brasil, até o dia 23/05/2021, foram vacinadas 41.961,572 milhões de pessoas (19,82%) com a primeira dose das vacinas e 20.659,187 milhões de pessoas (9,76%) com as duas doses. Até atingirmos cerca de 70%-80% da população brasileira vacinada com as duas doses, ninguém estará 100% protegido. Nós estamos dando chance ao vírus e ou vacinamos rápido, mantendo as medidas não farmacológicas e medidas de restrição de movimento ou até lockdown nos locais mais críticos onde o sistema de saúde está saturado ou o vírus pode continuar sofrendo mutações aleatórias que podem levar a variantes mais perigosas.
A população precisa entender que nós precisamos impedir que o vírus continue sendo transmitido de pessoa para pessoa, ou ele vai continuar sofrendo mutações para escapar da resposta de nosso sistema imune e da resposta de proteção das vacinas. O vírus sofre mutações, faz cópias dele mesmo com pequenos erros ou mutações, sendo que algumas mutações podem vir a beneficiar o vírus e dar a ele vantagens perigosas incluindo a capacidade de escapar das respostas de anticorpos e das vacinas. Nós não podemos baixar a guarda com o vírus pois ele pode se tornar mais perigoso e permitir que surjam novas variantes e super cepas com capacidade ainda maior de re-infectar quem já teve Covid-19 e infectar quem já foi vacinado. Temos que evitar que o vírus continue sendo transmitido, pois assim controlamos o surgimento de novas variantes.
O vírus precisa parar de circular, de infectar pessoas, para as variantes pararem de surgir. Para evitar o espalhamento do vírus e as mutações que ele sofre, é essencial seguir a recomendação de manter o uso de máscaras, o distanciamento físico, e os hábitos de higiene das mãos, mesmo para quem já tomou as duas doses da vacina.
A variante indiana chamada B.1.617, que já chegou a cerca de 44 países de todos os seis continentes, inclusive em Israel, está se espalhando rapidamente, tem 3 mutações importantes na sequência de aproximadamente 30.000 letras genéticas de RNA que compõem o genoma do vírus. A B.1.617 foi reclassificada pela OMS no dia 10/05/2021 como uma “variante de preocupação global” e dela se originaram três sub-linhagens: B.1.617.1, B.1.617.2 e B.1.617.3, todas descobertas na India entre outubro e dezembro de 2020. A situação já está complicada por aqui e a Secretaria de Saúde do Maranhão confirmou no dia 20/05/2021 os primeiros casos oficiais da sub-linhagem indiana B.1.617.2 no Brasil, em seis tripulantes do navio Shandong da Zhi, que veio da África do Sul.
A mutação que mais preocupa é a L452R, que ocorre no domínio de ligação da proteína espícula ao receptor ECA-2 em nossas células. Isso significa que o vírus evoluiu para trocar um aminoácido leucina, representado pela letra (L) por um aminoácido arginina, representado pela letra (R) na posição 452 do seu genoma. Essa mutação já havia sido observada em duas variantes detectadas nos Estados Unidos (em Nova York e na Califórnia).
Outras mudanças preocupantes nessa mesma região são a E484Q e a P681R, embora se conheça pouco sobre a última. Essas mutações podem vir a tornar o vírus mais infeccioso, aumentar sua capacidade de replicação e corremos o risco de o vírus desenvolver a capacidade de fugir da resposta de proteção das vacinas (permitindo o escape vacinal), burlando os anticorpos desenvolvidos pelo sistema imunológico de pessoas vacinadas.
O Ministério da Saúde de Israel identificou 41 casos desta variante indiana, sendo 24 casos importados e 17 casos de transmissão comunitária. Destes, 4 pessoas infectadas com a cepa proveniente da Índia já haviam sido vacinadas contra a Covid-19, o que acende um farol de alerta e preocupação com um possível escape vacinal e maior resistência da variante B.1.617 aos imunizantes.
Mas uma coisa é certa, a variante indiana B.1.617 vai encontrar no Brasil, a variante P.1, que temos para chamar de nossa. E a variante indiana pode não ter espaço para se tornar dominante pois a P.1, que já é bem infecciosa e agressiva, está bem adaptada por aqui. O nosso problema por aqui podem ser as variantes derivadas de P.1, mas pode complicar muito se tivermos que lidar com outra variante de atenção como a B.1.617.
PRINCIPAIS QUESTÕES SOBRE AS VACINAS
Tenho proteção após a primeira e a segunda dose?
Outra razão para manter os cuidados com as medidas não farmacológicas é que mesmo vacinado, com uma ou com duas doses, você ainda pode pegar Covid-19. Embora as vacinas autorizadas para uso no Brasil mostrem alta eficácia na prevenção de casos sintomáticos de Covid-19 e tendência para evitar doenças graves e mortes, individualmente ainda há chances de você ser infectado com o vírus, no intervalo entre as duas doses ou até mesmo após a segunda dose. Nenhuma vacina aprovada em Fase 3 atualmente tem eficácia de 100% contra o vírus Sars-CoV-2. Nenhuma vacina é esterilizante, ou seja, não impede que a pessoa seja infectada e transmita a doença para outras pessoas. Mas as vacinas aprovadas são eficazes em evitar os casos graves da doença, que podem levar à intubação e à morte.
Para as vacinas contra a Covid-19 em duas doses, quando você toma a primeira dose, o antígeno inoculado vai induzir o sistema imunológico a produzir anticorpos e gerar as primeiras células de defesa contra o Sars-CoV-2, mas ainda não na quantidade e robustez suficiente para impedir o vírus Sars-CoV-2 de infectar o organismo, entrar em nossas células, se replicar e causar a doença. Após a primeira dose, a resposta do sistema imunológico imune ainda não é suficientemente forte e robusta e a pessoa pode sim ser infectada, principalmente se estiver exposta a alta carga viral ou a locais em que novas variantes do vírus estejam circulando. Então, algumas pessoas podem ser infectadas no intervalo entre a primeira e a segunda dose do imunizante, quando estão pouco ou apenas parcialmente protegidas. A resposta completa vem com a segunda dose, que amplifica a quantidade das nossas células de defesa cerca de duas ou três semanas após a segunda dose. Quando inoculamos a segunda dose, o sistema imune é novamente estimulado e agora de forma até mais eficaz, levando a um aumento na produção de anticorpos neutralizantes, não neutralizantes e da resposta celular de memória através das células T (TCD4+ e TCD8+).
É a segunda dose da vacina que garante uma quantidade maior de células necessárias para uma defesa realmente eficaz e robusta, uma resposta ainda mais intensa contra o vírus Sars-CoV-2 e uma capacidade maior de não confundir o vírus e mirar no alvo através do reconhecimento das proteínas da espícula. Estudos mostram que a proteção contra o novo coronavírus acontece somente entre duas e quatro semanas depois da aplicação da segunda dose para cada uma das vacinas aprovadas em fase 3. As vacinas não são 100% eficazes e principalmente em um cenário de vacinação lenta como no Brasil, não podem trazer uma sensação de segurança levando as pessoas a relaxarem nas medidas não farmacológicas, como uso de máscaras, distanciamento físico e hábitos de higiene das mãos.
Os que correm mais riscos são os pacientes mais idosos com comorbidades, doentes crônicos com diabetes, com problemas cardíacos ou pulmonares, que podem ter quadros agravados pela Covid-19, enquanto a vacina ainda não fez efeito. Neste cenário de alta circulação de vírus, com uma variante mais transmissível e com vacinação lenta, com pessoas aglomerando, não respeitando o uso de máscaras, não fazendo isolamento social, podemos ter furos e casos de pessoas infectadas após tomarem a primeira ou até a segunda dose da vacina. É possível que mesmo pessoas que receberam as duas doses da vacina sejam infectadas e adoeçam, principalmente porque as vacinas sendo usadas hoje foram testadas em uma época em que não havia circulação de vírus tão alta como agora e não havia a presença de novas variantes mais transmissíveis do vírus Sars-CoV-2.
As vacinas atuais foram desenvolvidas há meses, quando outra variante do vírus estava circulando, mas mesmo assim as vacinas ainda devem fornecer boa proteção contra as novas variantes do coronavírus circulando agora. Mas outras variantes podem surgir e apresentar mutações que podem vir a permitir que o vírus se esquive e escape da resposta dos anticorpos produzidos pelas atuais vacinas. Os desenvolvedores de vacinas estão trabalhando para modificar as vacinas atuais, desenvolvendo versões atualizadas que já contém o código genético das novas variantes, para melhorar a proteção contra essas variantes, mas isto leva tempo.
Com a vacina, esperamos que as poucas pessoas que tomaram as doses das vacinas, caso sejam infectadas, tenham casos mais leves de Covid-19, mas como nenhuma vacina é 100% eficaz, podemos ter casos raros de pessoas que podem desenvolver doença grave. Vacinar é o ato de inocular, mas vacinação em massa é estratégia coletiva e só assim se garante proteção, pois quanto maior o número de pessoas vacinadas, menor o número de pessoas suscetíveis para o vírus infectar, menor será o número de pessoas vacinadas que terá casos mais graves e menor será a frequência destas exceções. Outro fator importante é que mesmo vacinado, se você for infectado, até mesmo sem saber caso fique assintomático, há chances de você poder infectar outras pessoas não vacinadas.
Fui vacinado, tenho passaporte de segurança?
Texto para a coluna foi escrito em parte com base em vídeo, já publicado, mas em virtude de ser um tema de extrema relevância, dúvidas e preocupações por parte da sociedade, vamos elaborar com mais detalhes nesse espaço.
As vacinas são a nossa melhor arma contra um vírus que já matou cerca de 3.477 milhões de pessoas no mundo e 449,185 mil pessoas no Brasil até o dia 23/05/2021. Segundo o mapa da vacinação no Brasil, organizado pelo consórcio de veiculos de imprensa (G1, ‘O Globo’, ‘Extra’, ‘Estadão’, ‘Folha’ e UOL), o Brasil aplicou no total, 62.620,759 milhões de doses até o dia 23/05/2021, o que corresponde a vacinar 19,82% da população (41.961,572 milhões de pessoas) com a primeira dose e 9,76% com a segunda dose (20.659,187 milhões de pessoas). Então é importante lembrar que o Sars-CoV-2 ainda está se espalhando e a imensa maioria da população brasileira ainda não foi vacinada.
É preciso tomar precauções para proteger a si e as pessoas ao seu redor. Mesmo vacinado com as duas doses, você ainda precisa respeitar as medidas não farmacológicas, como o uso de máscara, o distanciamento físico e os hábitos de higiene das mãos, pois o Sars-CoV-2 está circulando muito e uma variante mais transmissível (P.1) surgiu no Brasil e uma nova variante indiana preocupa muito. As medidas não farmacológicas servem para ajudar a desacelerar a disseminação do vírus e prevenir o surgimento de novas variantes de atenção, porque o vírus não vai sofrer mutação se não estiver se espalhando e contaminando as pessoas. Nós precisamos continuar alertas a estes cuidados até podermos alcançar a imunidade coletiva, comunitária – quando cerca de 70% a 80% da população estiver vacinada.
Se peguei Covid, devo tomar a vacina?
Deve sim, sempre com orientação de seu médico ou sua médica de confiança. Você pode ser re-infectado pelas novas variantes. Todo mundo que teve Covid-19 precisa se vacinar, embora as recomendações das autoridades sanitárias sejam para que pessoas que foram infectadas com o Sars-CoV-2 esperem quatro semanas após a infecção para tomar a vacina. Caso você ainda esteja com carga viral, ao se vacinar, será impossível determinar se há relação causal com a vacina ou se foi por causa da doença, o que pode atrapalhar o tratamento.
Certamente, muitas pessoas contraíram o vírus Sars-CoV-2 e nem sabem, pois podem ter ficado assintomáticas e vão se vacinar. Nestes casos, o próprio sistema imunológico da pessoa está promovendo resposta de proteção contra o vírus. As vacinas disponíveis devem promover uma resposta ainda mais robusta contra a doença.
Preste Atenção : Se você souber que está infectado, ou com sintomas de Covid-19, deve ficar em casa e não sair, pois não é hora de sair para se vacinar porque você pode infectar outras pessoas.
Vale fazer o teste de sorologia para detectar anticorpos neutralizants após tomar a vacina?
Texto para a coluna foi escrito em parte com base neste vídeo já publicado aqui. Em virtude de ser um tema relevante, que gera dúvidas e preocupações por parte da sociedade, vamos explicar com mais detalhes nesse espaço.
Muitas pessoas, ávidas para saber se estão imunizadas contra a Covid-19, estão realizando testes de sorologia para detectar a presença de anticorpos neutralizantes no sangue após tomarem as duas doses das vacinas contra o coronavírus. E como para muitas pessoas, o resultado da dosagem de anticorpos pode ser negativo, algumas ficam tristes e decepcionadas. Pôxa, não tenho anticorpos, e se perguntam: as vacinas não servem para nada? Ops? Vamos lá gente, não é bem assim…
Não existe qualquer indicação para que as pessoas saiam por aí fazendo teste de sorologia no pós-vacinação e os testes de anticorpos não testam se a vacina funciona ou não. Os testes clínicos de fases 1, 2 e 3 e principalmente de fase 3 atestaram que as vacinas funcionam. E a efetividade real, observada nas campanhas de vacinação em massa, na população real, é que vai mostrar se a vacina é boa em proteger você e evitar a doença e os casos mais graves. Os testes de anticorpos servem para acompanhar a prevalência da doença, importante para estudos epidemiológicos, mas inclusive, muitos são baseados na identificação de outra proteína prevalente no vírus, a proteína N e não na proteína S da espícula do vírus, como nas vacinas.
Caso você faça o teste sorológico e o resultado for NEGATIVO, calma, isso não quer dizer que você não desenvolve imunidade, pois os mecanismos de defesa vão muito além da produção de anticorpos neutralizantes e os testes de anticorpos não detectam as células de memória. A resposta de defesa do nosso organismo contra a Covid-19, tanto a imunidade inata, como a adquirida com as vacinas não é dependente só de anticorpos neutralizantes, mas também de imunidade celular de memória conferida por células T (TCD4+ e TCD8+) e pelo estímulo de anticorpos não neutralizantes. Mesmo que não tenhamos anticorpos no sangue, as pessoas vacinadas têm as células de memória prontas para produzir anticorpos e linfócitos T de memória assim que receberem o estímulo pela entrada do vírus real (selvagem) em nosso organismo, e as células de memória agem rapidamente. Com as vacinas, o nosso sistema imunológico foi treinado para desencadear esta resposta de proteção, mas os anticorpos não necessariamente vão ficar circulando o tempo inteiro pelo sangue.
Por outro lado, se seu teste sorológico resultar POSITIVO para anticorpos, é bom? Sem dúvida que é, mas calma também, pois não há relação comprovada entre o nível de anticorpos neutralizantes e a proteção conferida por eles. Nós ainda não sabemos ao certo se há um correlato de proteção, que seria a quantidade necessária de anticorpos no organismo para garantir proteção contra o famigerado Sars-CoV-2. A sorologia de anticorpos neutralizantes mostra correlação com o ensaio de neutralização in vitro, ensaio típico utilizado para determinar a capacidade destes anticorpos para neutralizar o vírus. Mas a sorologia não se traduz em uma situação individual de proteção.
Mas não dá para transpor estes resultados para o mundo real e não temos comprovação real do nível de proteção dos anticorpos neutralizantes, se eles são capazes de impedir a infecção, se protegem contra a doença, se impedem a pessoa de transmitir o vírus caso seja infectada e nem por quanto tempo protegem. Nós nem sabemos o tanto de anticorpos ou de células T que precisamos para estarmos protegidos. As vacinas são importantes desde que adotadas coletivamente, por grande parcela da sociedade. Quanto mais pessoas vacinadas, maior o número de pessoas no entorno que estarão protegidas, até quem não se vacinou por razões médicas.
Mesmo com resultado positivo, enquanto cerca de 70% (pelos menos) da população não estiver vacinada, precisamos manter as medidas não farmacológicas, como uso de máscaras, distanciamento físico e hábitos de higiene das mãos. Só à medida que milhões de pessoas forem sendo vacinadas rapidamente, o vírus vai ter sua capacidade de espalhamento e disseminação diminuída, vamos estar mais e mais protegidos e teremos possibilidade de efetivamente frear a circulação do Sars-CoV-2 e controlar a pandemia. Mas precisamos de milhões de doses de todas as vacinas disponíveis e aprovadas pela Anvisa e de uma campanha de vacinação rápida.
As respostas individuais também são muito diferentes, então não adianta correr para fazer teste sorológico, foque nos cuidados básicos mantendo as medidas não farmacológicas, não existe este negócio de passaporte de imunidade, ninguém estará seguro enquanto o vírus estiver circulando à vontade. As vacinas estão funcionando bem e começando a reduzir os casos de infecção e casos mais graves na população, diminuindo o número de casos graves e mortes entre os profissionais da área de saúde vacinados e nos idosos e grupos de risco, como está sendo mostrado em estudos observacionais. Ainda é cedo, vacinamos apenas 9,76% da população brasileira com duas doses, mas os resultados são animadores.
A segunda dose da vacina precisa ser da mesma que a primeira?
É muito importante voltar para tomar a segunda dose da vacina e é preciso tomar a segunda dose da mesma vacina, do mesmo fabricante. Ainda faltam evidências científicas robustas que mostrem a possibilidade de misturar vacinas, ou combinar diferentes plataformas vacinais em esquemas de vacinação em duas doses. Os resultados preliminares do estudo Combivacs, envolvendo mais de 663 pessoas, conduzido pelo Instituto de Saúde Carlos III, da Espanha, mostrou que administrar uma dose do imunizante da AstraZeneca seguido de uma segunda dose da vacina da Pfizer, é seguro e eficaz. Os resultados deste estudo foram anunciados em uma apresentação online no dia 18/05/2021.
Esse estudo mostrou que a resposta imunológica em pessoas que receberam uma primeira dose da vacina da AstraZeneca, seguido de uma segunda dose da vacina da Pfizer foi cerca de 30-40 vezes maior do que em um grupo de controle que recebeu apenas doses da vacina da AstraZeneca. Os resultados ainda não foram publicados em revistas científicas, mas foram analisados e comentados, então vamos aguardar.
Sobre os anticorpos neutralizantes e proteção imunológica
Em relação ao escrito anteriormente, em um artigo publicado na revista Nature Medicine no dia 17/05/2021, os autores mostraram que os níveis de anticorpos neutralizantes se traduzem em altos níveis de proteção contra a doença. O trabalho apresenta resultados que suportam o título de neutralização como um correlato da proteção imunológica. Foram utilizados dados de títulos de neutralização de sete estudos de vacinas (mRNA-1273, NVX-CoV2373, BNT162b2, rAd26-S + rAd5-S ChAdOx1 nCoV-19, Ad26.COV2.S e CoronaVac), além de um estudo de convalescença. Por causa dos diferentes ensaios usados em cada estudo, os títulos de neutralização foram normalizados. Os autores compararam o nível de neutralização normalizado em cada estudo com a eficácia correspondente relatada nos sete ensaios clínicos de fase 3.
A Sociedade Brasileira de Imunologia divulgou nota afirmando que sorologia para avaliar resposta à vacina Covid-19 não é recomendada. Link para o PDF.
A boa notícia dos bebês que nasceram imunizados
Uma notícia muito boa em meio a tanto caos e negacionismo científico. Em Santa Catarina, um bebê de nome Enrico, com poucos dias de vida, está imunizado contra a Covid-19. A mãe de Enrico, Talita Menegali, médica que atua na linha de frente contra a Covid-19, foi vacinada com duas doses da vacina CoronaVac. Depois do nascimento do Enrico, foram coletadas amostras de sangue e realizado o teste de anticorpos neutralizantes com resultado positivo, confirmando que o pequeno Enrico tem algum grau de proteção individual. Nós ainda não sabemos até quando vai durar essa proteção contra a Covid-19, mas a mamãe Talita vai repetir o exame a cada 6 meses. Este caso deve incentivar as grávidas a se vacinarem e sem dúvida, é mais um benefício que a vacinação pode trazer. Casos semelhantes aconteceram em outros países e vão se repetir por aqui. Mas mesmo os bebês de mamães vacinadas contra a Covid-19, que nascerem sem anticorpos detectados nos testes sorológicos, podem estar protegidos, pois a resposta de proteção do sistema imunológico é bem complexa.
Estas colocações abaixo foram escritas após conversar com vários colegas médicos e médicas, pediatras, infectologistas e imunologistas, para ajudar a esclarecer as mamães vacinadas, que estão chateadas com exames sorológicos negativos para anticorpos contra a Covid-19 de seus bebês:
Um dos desafios da Covid-19 é que o nível de anticorpos de pessoas convalescentes diminui com o tempo e talvez isso possa acontecer também com a resposta do sistema imunológico estimulada pelas vacinas. Mas tem a resposta celular além da humoral, então mesmo que não sejam detectados os anticorpos neutralizantes, ainda existe a possibilidade da resposta celular de memória. A questão é que a imunidade celular pode ser muito importante, mas no caso dos bebês, ela provavelmente não se transfere da mãe para o bebê. As mamães vacinadas protegem os bebês por passagem placentária de anticorpos IgG, principalmente no último trimestre da gestação. Não se sabe por quanto tempo dura essa proteção. E ao amamentar, as mamães também passam anticorpos para os bebês, embora a ciência ainda não conheça por quanto tempo depois de vacinadas. Por isso, o aleitamento materno é tão relevante, pois transfere anticorpos durante o período de amamentação e os bebês ficam protegidos até poderem receber as vacinas. Nós sabemos que existem diferentes tipos de anticorpos neutralizantes e não neutralizantes e estes testes sorológicos não medem todos e nem ao mesmo tempo.
Você mamãe, converse com seu médico ou sua médica de confiança a respeito destas questões.
Luiz Carlos Dias é Professor Titular do Instituto de Química da Unicamp, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e membro da Força-Tarefa da UNICAMP no combate à Covid-19.
Do Jornal da Unicamp