Bolsonaro encomendou manual da cloroquina no dia em que ignorou vacina
A denúncia está em reportagem do jornal O Globo desta segunda (17), repercutida nas redes sociais pelo senador Humberto Costa (PT-PE), membro titular da CPI da Covid
Publicado 17/05/2021 17:04
No mesmo dia em que um representante da Pfizer conversava por telefone com o ministro Paulo Guedes (Economia) ao lado do presidente Jair Bolsonaro, em 9 de novembro de 2020, o Ministério da Saúde encomendava à Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) um “manual da cloroquina” para fundamentar o “tratamento precoce” da Covid-19 e recomendar o uso de medicamentos sem eficácia contra a doença.
A denúncia está em reportagem do jornal O Globo desta segunda (17), repercutida nas redes sociais pelo senador Humberto Costa (PT-PE), membro titular da CPI da Covid. “Enquanto líderes mundiais tratavam de vacinas, o Ministério da Saúde, em novembro, encomendou um manual para o ‘tratamento precoce’. Esse pedido foi feito à Opas e o indicado para fazer o manual foi um médico bolsonarista que já pediu o fim do Ministério da Saúde”, afirmou.
O médico em questão é Ricardo Zimerman, um notório defensor do governo e do uso de cloroquina e outras drogas condenadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o tratamento da Covid-19. De acordo com o jornal, a encomenda foi feita em 9 de novembro pelo secretário de Ciência, Tecnologia, Inovações e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Hélio Angotti Neto, que enviou um ofício à representante da Opas no Brasil, Socorro Gross. Ela aceitou o pedido e contratou Zimerman por R$ 30 mil.
O médico, que em janeiro participou da missão do Ministério da Saúde para apurar o caos sanitário em Manaus, produziu o “manual da cloroquina”. Segundo o jornal, o documento, que não foi veiculado nem pelo Ministério nem pela Opas, recomenda o uso de cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina no chamado “tratamento precoce” contra a Covid-19, orientação rechaçada pela OMS desde meados de 2020.
Neste mesmo dia 9 de novembro, o ex-secretário de Comunicação do governo Fábio Wajngarten conversou por telefone com o presidente da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo, sobre as propostas da empresa para fornecimento de 70 milhões de doses da vacina contra a doença ao país feitas em agosto, mas até então ignoradas pelo alto escalão do governo. Durante a ligação, Wajngarten passou o celular para Paulo Guedes, que estava despachando com Bolsonaro no Palácio do Planalto. O presidente sinalizou ao ministro e ao ex-secretário que só compraria as vacinas depois de aprovadas pela Anvisa, postergando mais uma vez a compra de 70 milhões de doses de vacinas da Pfizer ofertadas ao governo desde agosto. A conversa foi revelada à CPI por Wajngarten na quarta (12) e confirmada por Murillo na quinta (13).
Em 17 de novembro, o ex-secretário de Comunicação recebeu Carlos Murillo no Palácio do Planalto para negociar a compra de vacinas, mas sem a presença do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, nem de representantes do órgão, o que reforçou a existência de um “Ministério Paralelo da Saúde” no Planalto, com a participação do assessor internacional Filipe Martins, e do filho do presidente Carlos Bolsonaro, vereador no Rio de Janeiro.
Em 19 de dezembro, mais de um mês depois da conversa envolvendo Wajngarten, Murillo, Guedes e Bolsonaro, o presidente novamente demonstrou a falta de interesse do governo em adquirir vacinas, apesar de vários países do mundo já terem iniciado a imunização. “A pressa pela vacina não se justifica, porque você mexe com a vida das pessoas”, disse, em vídeo gravado por outro filho, o deputado federal por São Paulo Eduardo Bolsonaro.
O Brasil só começaria a vacinação no final de janeiro de 2021 com a Coronavac, que conseguiu fechar acordo para fornecimento de vacina após superar uma série de atrasos provocados por autoridades do governo críticos ao acordo de desenvolvimento firmado entre o Butantan e a chinesa Sinovac, com o apoio do governador de São Paulo, João Dória, ex-aliado de Bolsonaro e agora considerado inimigo.
O contrato do Ministério da Saúde com a Pfizer só seria assinado em março. A inércia do governo federal impediu que o país recebesse 18 milhões de doses e começasse a vacinação ainda em dezembro de 2020, salvando milhares de vidas.
Para Humberto Costa, fica evidente que “o governo federal escolheu a ineficácia, escolheu negar a ciência e ficar do lado do vírus”, o que resultou na tragédia brasileira com mais de 435 mil mortos até o momento.
Habeas corpus de Pazuello
A revelação do jornal acontece às vésperas do depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello à CPI da Covid, marcado para esta quarta (19). Depois de adiar sua presença há 15 dias alegando risco de contágio, o general solicitou ao STF, e conseguiu, habeas corpus que o autoriza a permanecer calado para evitar que se auto-incrimine.
“Pazuello perdeu a oportunidade de ficar calado muitas vezes. Quando defendeu cloroquina, quando defendeu a expansão do vírus para a morte de milhares de brasileiros, quando defendeu as sandices de Bolsonaro. Não calou. Mas quer ficar calado justamente na hora de se explicar à CPI”, reagiu Humberto Costa. “É muito difícil para o governo explicar por que Pazuello não foi ao primeiro depoimento marcado na CPI e, agora, entrou com um pedido para ficar em silêncio no segundo agendamento. O que estão escondendo?”, indagou.
Nesta terça (18), a CPI ouve o ex-ministro das Relações Internacionais Ernesto Araújo, que por diversas vezes fez provocou crises diplomáticas por declarações ofensivas à China. A comissão apura os impactos dessas declarações no envio da China ao Brasil dos insumos necessários para a produção da Coronavac pelo Butantan.
Fonte: PT no Senado