Câmara acaba com licenciamento sob risco de novos desastres ambientais
Agora, barragens de rejeitos podem passar por “autolicenciamento”, uma aprovação automática, declarada pela própria mineradora, sem análise prévia e controle dos órgãos ambientais.
Publicado 13/05/2021 13:59 | Editado 13/05/2021 16:44
Como previsto, o Congresso repleto de deputados ruralistas e defensores da mineração acaba de aprovar, por 300 votos a 112, o Projeto de Lei 3729 que praticamente acaba com o licenciamento ambiental e abre o caminho para mais desastres como o de Mariana e de Brumadinho.
Esta é a análise das principais organizações da sociedade civil, pesquisadores, ambientalistas e deputados da oposição ao governo Bolsonaro.
Agora, barragens de rejeitos podem passar por “autolicenciamento”, uma aprovação automática, declarada pela própria mineradora, sem análise prévia e controle dos órgãos ambientais. “Esse PL é o estopim de novas tragédias”, cravou Maurício Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA).
A avaliação é de que a discussão vá parar no Supremo Tribunal Federal e as alterações no licenciamento sejam em geral questionadas na justiça, considerando as diversas inconstitucionalidades do texto do relator Neri Geller (Progressistas-MT), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária.
“Quem pagará a conta da degradação são os cidadãos brasileiros, para sustentar a opção daqueles que querem o lucro fácil, sem qualquer preocupação com a proteção do meio ambiente e com as futuras gerações”, disse Suely Araújo, analista sênior de políticas públicas do Observatório do Clima.
“Sem licenciamento ambiental, crimes como os que ocorreram em Mariana e Brumadinho podem virar rotina. O PL 3729 foi colocado em pauta a toque de caixa, sem discussão com a sociedade”, disse a deputada mineira Áurea Carolina, do PSOL.
Nos moldes atuais, o licenciamento ambiental já é fortemente influenciado pelas empresas e facilmente burlado por mineradoras. Nos últimos anos, produzi algumas investigações que demostraram de forma cristalina como o lobby mineral afeta diretamente o licenciamento. Você pode ler alguns desses destaques neste fio do Twitter.
Em 2019, uma investigação que fiz em parceria com a Repórter Brasil mostrou que a Vale ditou regras de licenciamento ambiental para o governo de Minas Gerais em 2014 em reunião dentro da Secretaria de Meio Ambiente de MG (Semad).
Posteriormente, essas sugestões foram aceitas e incorporadas em leis que abriram caminho para a simplificação de processos e aceleração de licenciamentos, incluindo o caso de Brumadinho. A ata e o áudio da reunião obtidos por mim revelaram o teor das conversas. A Folha de São Paulo também publicou a matéria no online e no impresso.
Em outra investigação, em parceria com a Mongabay e a Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), mostrei que o governo de Minas Gerais avaliou a portas fechadas 25 projetos de alto risco da Vale. O objetivo era justamente facilitar o licenciamento ambiental e reduzir a fiscalização.
A análise é feita pela Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri), vinculada à Secretaria do Meio Ambiente. A criação do órgão não passou por grande debate e foi incluída dentro de uma lei aprovada em 2016. É a Suppri quem decide sobre esses licenciamentos expressos.
Entre esses projetos, novamente, estão Mariana e Brumadinho, além de diversas minas que foram interditadas pela justiça, como a de Brucutu, em São Gonçalo do Rio Abaixo (MG), uma das maiores da Vale. Uma versão em inglês da investigação foi publicada na OCCRP.
Além desses casos, gravíssimos, diversas mineradoras têm se beneficiado de licenciamentos simplificados, concedidos sem ouvir as comunidades afetadas e sem considerar impactos ambientais.
É o caso da canadense Belo Sun, no Pará, da Mineração Rio do Norte, controlada pela Vale e diversas multinacionais, também no Pará, da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), na Bahia e várias outras.
Além disso, Jair Bolsonaro e Paulo Guedes anunciaram recentemente uma “Política de Minerais Estratégicos” que, na prática, coloca na mão de um Comitê restrito, sem a participação de órgãos ambientais e da sociedade civil, a decisão sobre projetos considerados “fundamentais” para o Brasil e que receberão licenciamento acelerado.
“Irresponsabilidade, afronta à sociedade e nefasto”
Para Luiza Lima, assessora de políticas públicas do Greenpeace Brasil, a aprovação do PL 3729 é “uma afronta à sociedade brasileira”. “O país no caos em que se encontra e os deputados aprovam um projeto que vai gerar insegurança jurídica, ampliar a destruição das florestas e as ameaças aos povos indígenas, quilombolas e Unidades de Conservação”, disse Lima.
O PL restringe, enfraquece ou, em alguns casos, até extingue parte importante dos instrumentos de avaliação, prevenção e controle de impactos socioambientais de obras e atividades econômicas no país. “Trata-se da pior e mais radical proposta já elaborada no Congresso sobre o assunto e que, na prática, torna o licenciamento convencional uma exceção”, avalia notícia do ISA baseada nas reações ao projeto.
“É uma irresponsabilidade, depois de Mariana, depois de Brumadinho, depois das crescentes queimadas na Amazônia, do bioma do Pantanal, da desconstrução dos órgãos ambientais, nós votarmos um relatório desse tipo”, disse a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
Um relatório do Tribunal de Contas da União de maio de 2019 desmente o “argumento” de deputados ruralistas que acusam o licenciamento de “travar obras” no Brasil. De acordo com o TCU, das 14.403 obras paralisadas ou inacabadas Brasil, apenas 1% era decorrente de questões ambientais.
Fonte: Observatório da Mineração