A fuga de cérebros do Brasil

É assustador saber que faltam profissionais qualificados em um país com a quantidade de desempregados que nós temos

Ilustração: Ricardo Manhães

Você já deve ter visto em algum momento a discussão sobre investimento em ciência no Brasil. Como já disse em artigo anterior, a pandemia evidenciou alguns dos grandes problemas que o país jogava para debaixo do tapete. Um deles é a valorização da ciência. Quando começou o processo de vacinação da população, descobrimos que dependemos fortemente de outros países para que nossa população seja vacinada. Nós não produzimos a matéria-prima necessária para não depender de ninguém no que diz respeito ao coronavírus. Isso é problema do atual governo? Sim, mas não apenas exclusivamente dele.

Os dados históricos sobre investimento em pesquisa no Brasil nos mostram que, em meados da década de 90, os valores começaram a subir, mesmo que de forma tímida. Importante salientar que antes disso o Brasil praticamente não investia na área. O salto de verba para o desenvolvimento de pesquisa e na formação de pesquisadores por aqui se deu de fato nos governos do Partido dos Trabalhadores (PT). Se comparamos o ano de 2004, metade do primeiro governo Lula, até 2015, primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff, os valores aumentaram em torno de 300%. Continuando a comparação, de 2016 para 2021, terceiro ano do mandato de Bolsonaro, os valores caíram para o mesmo patamar de 2004. Ou seja, os investimentos em pesquisa voltaram mais de quinze anos, mesmo que a inflação não tenha dado trégua a ninguém. Para se ter uma ideia, o orçamento de 2022 para fomento à pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) é de R$ 22 milhões. Esse valor deverá ser repartido entre todos os pesquisados do país para compra de material, viagens, etc. Qualquer emenda parlamentar é maior do que isso.

O ponto da inflação sobre os valores pagos a pesquisadores no Brasil é muito importante. As bolsas de mestrado e doutorado no país hoje são de, respectivamente, R$ 1.500 e R$ 2.200. Sabe desde quando são esses valores? 2013. Há oito anos os pesquisadores não têm suas bolsas reajustadas. Porém, a inflação não brincou no período. Segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o valor das bolsas deveria ser, em 2019, R$ 800 a mais para os doutorandos e R$ 500 a mais para mestrandos. Detalhe importante nessa discussão: quem recebe bolsa acadêmica em suas pós-graduações é proibido de trabalhar. Em um primeiro momento parece um sonho ter mais de dois mil reais apenas para estudar. Pode ser um sonho para quem tem um belo “paitrocínio”, mas para a grande maioria dos estudantes do país, esse valor é irrisório. É desse dinheiro que se tira para compra de livros, transporte, inscrição em eventos, viagens, pagamento de todas as contas, etc.

O leitor pode estar se perguntando o motivo do título desse artigo. Explico: muitos pesquisadores no Brasil participam de grupos de pesquisas que tem contatos em outros países. A tendência natural das coisas é que os melhores recebam convites para continuarem suas pesquisas em outros locais do mundo. A isso chamamos de fuga de cérebros, ou seja, os pesquisadores aceitam pesquisar em outros lugares por lhes serem dadas melhores condições. Com estabilidade financeira, boas condições de trabalho e qualidade de vida, quais as chances dessas pessoas simplesmente voltarem para o Brasil para desenvolverem estudos aqui e usarem todo seu conhecimento em prol do país? Com certeza eu não preciso dizer a resposta a você.

A meu ver, uma das principais consequências dessa desvalorização é um colapso profissional no país nas próximas décadas (estou sendo otimista ao falar em décadas, ok?). Pensemos: com cada vez menos recursos para a ciência e o fomento à pesquisa, cada vez menos pessoas se disporão a estudar, a fazer mestrados e doutorados. Com cada vez menos professores qualificados, o nível do ensino superior no Brasil cairá a patamares inimagináveis. É possível o nível do ensino no país cair e ficar pior do que está? Nunca diga nunca. Alie isso ao ensino à distância, o famigerado EaD.

Há um pesado processo de desvalorização da docência no país em todos os níveis. No nível superior, cada vez mais os professores estão sendo substituídos por tutores ou nem mesmo por isso. Disciplinas chaves estão sendo ministradas na modalidade EaD e nós sabemos que não há nenhuma chance desse aprendizado dar certo, por uma gama de motivos. Assim, em algum tempo, as empresas precisarão importar mão de obra internacional para suprir suas demandas. Em algumas áreas o colapso já começou. Faça uma rápida pesquisa sobre profissionais de tecnologia da informação e veja a quantidade de postos de trabalho abertos por simples falta de profissionais capacitados. É assustador saber que faltam profissionais qualificados em um país com a quantidade de desempregados que nós temos.

Se nós já não tivéssemos tantas feridas abertas em nossa sociedade, é bom nos preparamos para um problema interno, que talvez nos cause uma grande hemorragia. O governo Bolsonaro tem como claro objetivo acabar com toda e qualquer esperança que as pessoas tenham de fazer ciência no Brasil. Os pesquisadores estão criando cada vez mais radares para, na primeira oportunidade, deixarem o país e viverem do que gostam. Uma pena que isso aconteça. O último que sair que apague a luz.

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