Defensoria Pública questiona operação no Jacarezinho e vai ao STF

A operação tem mobilizado instituições como o MP, a Defensoria, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e as comissões de Direitos Humanos da Alerj e da Câmara Municipal.

Policial civil. Tânia Rêgo/Agência Brasil

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro se manifestou hoje (6) sobre a operação Exceptis, realizada pela Polícia Civil do estado. No episódio, 25 pessoas, sendo um policial, morreram na comunidade do Jacarezinho, na zona norte da capital fluminense. Os delegados condutores da operação apresentaram posteriormente um balanço, no qual afirmam que houve planejamento rigoroso e que criminosos que não reagiram foram presos.

“Como a polícia considera exitosa uma operação que deixa um saldo de 25 mortos? Isso contradiz tudo que já estudamos sobre segurança pública. Não podemos continuar com um estado em que cerca de 30% das mortes violentas decorrem de intervenção policial”, pontuou a defensora pública Maria Júlia Miranda. Ela afirma que a Polícia Civil não informa quais são seus indicadores de êxito de uma operação.

Segundo o anuário divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a polícia do Rio de Janeiro desponta nos indicadores de letalidade. O último balanço divulgado, com dados de 2019, registra 1.810 óbitos decorrentes de intervenções policiais. 

De acordo com o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (UFF) , a operação no Jacarezinho é a mais letal da história da capital fluminense, superando a que ocorreu no Complexo do Alemão em 2007, quando 19 pessoas morreram.

De acordo com a Polícia Civil, o objetivo era combater grupos armados de traficantes de drogas vinculados à facção Comando Vermelho que estariam aliciando crianças para o crime. Vídeos gravados por moradores, que mostram a tensão na comunidade e registram imagens de mortos, circularam nas redes sociais.

Maria Júlia classificou o episódio de “chacina” e criticou também a falta de transparência dos responsáveis pela operação. “Até agora a gente não sabe que crianças são essas, se elas foram resgatadas, que tipo de acompanhamento será garantido. A gente não tem ideia. Não temos absolutamente nenhum dado. Não sabemos quem são essas crianças. Nada foi apresentado. O que temos de concreto são 25 mortos e três pessoas feridas.”

O objetivo da operação apresentado pelos policiais foi questionado pelo defensor público Diogo Lyra. “O envolvimento de jovens com grupos que comercializam armas e drogas no varejo é um fato notório. Não é nenhuma informação nova que surge de uma denúncia e que por isso deve motivar um grupo de policiais e ir numa favela e matar 24 pessoas”, criticou.

Segundo ele, escolas e serviços públicos precisaram ser fechados no decorrer da operação, o que seria um indicador de que não houve preocupação real com as crianças. Lyra avalia ainda que a violência policial nas comunidades não é uma forma eficaz de enfrentamento ao crime organizado e não resulta na redução da criminalidade.

Para os defensores públicos, houve descumprimento da decisão tomada no ano passado pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). No âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, movida pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), Fachin restringiu a realização de operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro durante o período da pandemia de covid-19, que só devem ocorrer em situação de excepcionalidade.

Os delegados da Polícia Civil, por sua vez, sustentam que se tratava de uma excepcionalidade e que não houve descumprimento da decisão. Eles também dizem ter cumprido o protocolo estabelecido, incluindo o aviso ao Ministério Público no prazo determinado por Fachin.

Observatório da sociedade civil

A Defensoria Pública irá ao STF para defender uma fiscalização cidadã independente para assegurar o cumprimento da ADPF 635. Será solicitada a instauração de um observatório da sociedade civil de monitoramento das medidas cautelares determinadas. 

Além disso, os defensores públicos também querem uma investigação capaz de apontar se a operação no Jacarezinho descumpriu a decisão de Fachin. Por fim, pedirão que seja melhor definida quais são as situações de excepcionalidade. Após a repercussão da operação, Fachin já determinou que a ADPF 635 seja apreciada no plenário do STF, o que deve ocorrer a partir do dia 21 de maio.

A seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) também cobra uma investigação rigorosa da operação. A entidade anunciou que irá solicitar ao Instituto Médico Legal (IML), órgão vinculado à Polícia Civil e responsável pelas necropsias e laudos cadavéricos, que peritos independentes possam avaliar os corpos dos envolvidos.

Ministério Público

O Ministério Público do Rio informou que vai apurar os relatos de abuso policial na operação desta quinta-feira. Cabe ao MP a função de monitorar a atividade policial – no caso de hoje, a da Polícia Civil.

“O MP-RJ, desde o conhecimento das primeiras notícias referentes à realização da operação que vitimou 24 civis e 1 policial civil, vem adotando todas as medidas para a verificação dos fundamentos e circunstâncias que envolvem a operação e mortes decorrentes da intervenção policial, de modo a permitir a abertura de investigação independente para apuração dos fatos, com a adoção das medidas de responsabilização aplicáveis”, disse o órgão.

A nota também reforça a “extrema e reconhecida gravidade” do episódio para dizer que as apurações serão conduzidas com autonomia. Relatos de abusos na operação chegaram ao MP por meio do Plantão Permanente criado pela instituição, que funciona no número 21 2215-7003 – via telefone ou WhatsApp Business.

“Cabe ressaltar que, logo pela manhã, a atuação da Coordenação de Segurança Pública, do Grupo Temático Temporário e da Promotoria de Investigação Penal teve início a partir do conhecimento dos fatos pela divulgação na imprensa e redes sociais”, afirmou o MP, dizendo ainda que a retomada da tranquilidade no Jacarezinho não ocorreu até o final desta tarde.

Outro ponto esclarecido na nota envolve a justificativa para a operação policial, hoje uma obrigação das polícias por decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele proibiu as incursões – exceto em casos excepcionais – durante a pandemia.

O MP não precisa autorizar previamente a empreitada policial, e sim ser avisada sobre ela com as devidas explicações. Segundo a Promotoria, isso ocorreu às 9h, quase três horas após o início da operação.

“A Polícia Civil apontou a extrema violência imposta pela organização criminosa como elemento ensejador da urgência e excepcionalidade para realização da operação, elencando a ‘prática reiterada do tráfico de drogas, inclusive com a prática de homicídios, com constantes violação aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes e demais moradores que residem nessas comunidades’ como justificativas para a sua necessidade”, apontou o comunicado, que também citou a existência de um local de armazenamento de armas e drogas.

A operação tem mobilizado uma série de instituições e associações. Além do MP, a Defensoria, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e as comissões de Direitos Humanos da Alerj e da Câmara Municipal já manifestaram preocupação com o resultado desastroso da incursão policial.

Com informações da Agência Brasil e Estadão

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