Guedes defende reformas e “guerra” à pandemia em audiência na Câmara
Ministro apontou os interesses do governo na Reforma Tributária, que deve ser apresentada, hoje. Também se defendeu de frases polêmicas e criticou CPI da Covid.
Publicado 04/05/2021 18:40
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou hoje (4) que a proposta de reforma tributária tem que “atacar” programas de isenções e desonerações tributárias que favorecem empresas e diferentes setores da economia. Segundo o ministro, os subsídios não devem constar do projeto, cujo relatório será apresentado na comissão especial do Congresso Nacional que analisa o tema. A expectativa é que o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) apresente na tarde desta terça-feira o relatório final da reforma tributária.
Guedes participou de audiência pública para responder a questionamentos de integrantes de quatro comissões permanentes da Câmara dos Deputados. na ocasião, foi possível observar a retórica do ministro descolada da realidade dos brasileiros. A argumentação aparentemente preocupada com o interesse público, é distorcida ao ponto de parecer que o governo Bolsonaro fez tudo que era preciso para combater a pandemia e garantir a renda da população.
Questionado a respeito de cerca de R$ 300 milhões em isenções de impostos e R$ 4 trilhões em contenciosos judiciais e classificou como “manicômio tributário” o sistema de cobrança de tributos no país.
“A nossa reforma tributária tem que atacar esse problema. Boa parte desses subsídios precisam ser removidos. Se os impostos forem mais baixos, funcionais e com uma base mais ampla, vamos reduzir tanto os contenciosos, de quem tem poder econômico quanto as desonerações e subsídios de quem tem poder político. Vamos atacar isso juntos, aí no Congresso, durante a reforma tributária”, afirmou.
Refis
Durante audiência, Guedes foi questionado sobre a possibilidade de o governo editar um novo programa de refinanciamento de dívidas de empresas, o chamado Refis. O ministro disse preferir a realização de negociações individuais da Receita Federal com devedores, como forma de renegociar as dívidas.
“Não é que eu seja contra com o Refis. Nós já tivemos quatro, cinco, seis, sete Refis. Nós preferimos desenhar uma nova ferramenta, que está tendo muito sucesso e que a gente chama de transação tributária”, disse Guedes.
O ministro afirmou que, pelo programa, a Receita Federal faz um diagnóstico da situação da empresa e propõe um desconto para o pagamento das dívidas, como forma de resolver a situação fiscal.
“Você vai fazendo um acordo com a Receita Federal, você mergulha nesse regime mais simples, que é a transação tributária, em vez de ficar eternamente refém do Refis”, disse. “Você diagnostica a situação da empresa e faz uma transação tributária: quanto é que você consegue pagar? Paga o que puder. Até as grandes empresas, mas desde que pagando mais, e nós damos um desconto”, acrescentou.
Invisíveis
Ao comentar a pandemia de covid-19, o ministro disse que as prioridades do governo para 2021 são “saúde, emprego e renda”. “Não pode faltar dinheiro para a saúde”, afirmou.
Segundo o ministro, o governo estuda apresentar um programa, batizado de Bônus de Inclusão Produtiva (BIP), para os cidadãos que ele chamou de “invisíveis” e que não estão cobertos nem pelo programa Bolsa Família, nem pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC). Guedes, entretanto, não deu detalhes sobre a proposta. Em entrevista ao jornal O Globo no domingo, Guedes disse que o BIP deve pagar entre R$ 200 e R$ 300 para pessoas que fizerem curso preparatório para o mercado de trabalho.
“Esse é o nosso maior desafio agora. São os invisíveis. É o pessoal que não tem nem o BPC, nem o Bolsa Família. Primeiro tem que ter vacinação em massa para, pelo menos, eles tentarem ganhar o pão deles. E algum programa nós vamos dirigir para estes. Nós já formulamos o Bônus de Inclusão Produtiva e vamos estar analisando e, possivelmente, soltando isso brevemente”, afirmou.
“Mérito do PT”
A nova rodada do auxílio emergencial está prevista para acabar em julho. Com isso, Bolsonaro tem sido pressionado pelo Congresso a acelerar o processo de criação de um programa social que substitua o auxílio emergencial. Guedes, na mesma sessão, prepara a retórica para justificar a manutenção do Bolsa Família, dos governos progressistas, ao mesmo tempo que critica a timidez do valor oferecido pelo programa, embora a contradição permaneça no auxílio emergencial limitado e restrito da pandemia.
Guedes disse que, ao criar o Bolsa Família, o PT merecidamente conseguiu vencer quatro eleições presidenciais seguidas. Para ele, o programa de transferência de renda aos mais pobres foi uma “belíssima iniciativa”. “[O PT] ganhou quatro eleições seguidas merecidamente, porque fez a transferência de renda para os mais frágeis com um bom programa. Um programa que envolvia poucos recursos e que tinha um altíssimo impacto social”, declarou o ministro, em audiência pública na Câmara.
Foi essa a linha para formulação do auxílio emergencial, quando a pandemia “bateu”, disse. Segundo ele, o programa foi desenhado em sua mesa e aperfeiçoado pelo Congresso, quando, de fato, Guedes e Bolsonaro foram derrotados pela pressão do Congresso, quando não havia interesse do governo em criar um auxílio emergencial. O valor também foi triplicado por iniciativa dos deputados e senadores.
Guedes foi questionado sobre a redução no valor do auxílio emergencial, pago a trabalhadores informais e a famílias de baixa renda durante a pandemia. O benefício, no ano passado, foi de R$ 600, mas caiu para R$ 300 e, em 2021, pode variar entre de R$ 150 a R$ 375 por mês. Ele respondeu que o programa tem que ser adotado com responsabilidade com as contas públicas, pois o dinheiro que banca a medida precisa sair de algum lugar.
Por entraves financeiros, segundo o ministro, os governos do PT deixaram o benefício médio do Bolsa Família na faixa de R$ 170 por mês. “Numa democracia, você da mérito ao que foi bem feito. Agora explica: por que não foi feito antes esse auxílio emergencial de R$ 600? Porque os R$ 600 já são mais difíceis e exigem bases de financiamento sustentáveis a longo prazo”, afirmou o ministro.
A ideia do governo Bolsonaro é reformular o Bolsa Família a partir de agosto, ampliando a transferência de renda aos mais vulneráveis. Ainda não há previsão para a proposta ser apresentada. A audiência na Câmara reúne membros de quatro comissões: trabalho; finanças e tributação; educação; e seguridade social.
Atraso no Orçamento
O ministro afirmou que a demora na aprovação do Orçamento de 2021 foi “culpa de todos” os atores envolvidos. O Orçamento deste ano foi sancionado apenas no dia 22 de abril. “É culpa de todo mundo, porque Orçamento estava lá desde agosto. Com a guerra da pandemia o texto não foi aprovado, depois houve mudanças no comando da Câmara e do Senado. A política que dá o timing da coisa, e é assim que tem que ser”, disse Guedes. “Não prevíamos a segunda onda da pandemia quando fizemos o Orçamento de 2021. Ninguém imaginou que a pandemia se transformaria num pesadelo dessa profundidade,”
Mais uma vez, o ministro alegou que foi o Congresso que cortou os recursos para o Censo de 2021 que estavam orçados na proposta inicial do governo. “Como vou mandar um pesquisador para diversas casas como um vetor de transmissão de doença. Imagino que o Congresso avaliou isso durante o processo político de debate do Orçamento. Não é que alguém levantou e cortou isso, é um processo complexo”, repetiu.
A desindexação dos orçamentos públicos voltou a ser defendida pelo ministro. “Carimbar o dinheiro com indexação não protege o povo. Quem protege o povo é a política. A política deu 8,5% do PIB para a Saúde em 2020 e deu 130% de aumento no Fundeb para a educação básica. Se fosse só pela indexação o aumento seria de apenas 2% ou 3%”, completou.
Câmbio
Em sua avaliação, o forte superávit comercial do Brasil deve ajudar a baixar a cotação do dólar no País. A equipe econômica espera um saldo positivo recorde US$ 89,4 bilhões na balança comercial em 2021. “Acho que o dólar vai cair mais para frente”, projetou.
O ministro voltou a dizer que o governo alterou o mix de juros altos com dólar baixo. “Dissemos que iríamos mudar e os juros realmente chagaram a 2% ao ano, e o câmbio ficou mais alto um pouco. O câmbio brasileiro estava fora do lugar equilíbrio, que é mais alto. Não é tão alto como está agora, mas todas essas incertezas, doenças, perspectiva de recessão, dúvidas sobre reformas, boatos de que toda hora o ministro pode cair. Vivemos uma fase difícil, turbulenta”, afirmou.
Guedes alegou que o Brasil ficou mais rico com a alta dos preços das commodities no mercado internacional, mas disse que essa riqueza precisa ser repartida com os mais pobres. Segundo ele, a competição no mercado de gás natural deve baratear o custo do combustível. “Espero que dentro de um ano, um ano e meio, o preço do gás natural possa cair 40%”, completou.
Declarações “descontextualizadas”
O ministro justificou que fala muito e “volta e meia” fala “besteira sem querer”. Ele referia-se à declaração, de semana, de que “o chinês inventou o vírus [da covid-19], e a vacina dele é menos efetiva do que a americana”.
“Mas não é besteira no conteúdo; se colocar no contexto, vê que besteira é na expressão”, disse. No caso, o uso da palavra “inventou” distorceu o s
Guedes disse isso na última terça-feira, dia 27, durante reunião do Conselho de Saúde Complementar, no Palácio do Planalto. Ele não sabia a reunião do conselho estava sendo gravada e transmitida ao vivo pelo Ministério da Saúde. Quando informado, disse: “Não mandem para o ar”.
A falsa acusação de que o governo chinês teria “inventado” o vírus da covid-19 em laboratório é frequentemente feita por apoiadores de Jair Bolsonaro e chegou a ser replicada nas redes sociais pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente.
Nesta terça-feira, na Câmara, Guedes repetiu que os Estados Unidos conseguiram criar vacina mais efetiva contra a covid-19. “Isso é um fato, não julgamento”, afirmou. Ele reiterou, entretanto, sua gratidão à China e informou que tomou a Coronavac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac.
“Vocês, que são deputados, deviam respeitar, não pode haver crime de opinião”, ainda argumentou o ministro, acrescentando que não deu uma opinião, apenas apresentou um fato. Quem ouvisse a reunião toda saberia do que eu estava falando, disse.
Os deputados ainda cobraram Guedes por outras frases que ele chamou de “infelizes”. Em uma delas, no início da pandemia, ele afirmou que “com R$ 3 bilhões, R$ 4 bilhões ou R$ 5 bilhões a gente aniquila o coronavírus” no Brasil.
A declaração, “tirada do contexto”, foi feita para celebrar um pacto suprapartidário que reforçou o orçamento do Ministério da Saúde com recursos de emendas de parlamentares, disse. “É tudo deformado, a política está cegando as pessoas”, reclamou sobre a repercussão.
Outra afirmação feita durante a reunião de semana passada, sobre as pessoas quererem viver cem anos, segundo ele, também foi descontextualizada. Guedes disse estava defendendo um “voucher” na saúde, para que as pessoas de menor renda tenham acesso a recursos tecnológicos e novos tratamentos que garantem maior longevidade.
Na ocasião, o ministro afirmou que “todo mundo quer viver 100, 120, 130 anos” e que “não há capacidade de investimento para que o Estado consiga acompanhar” o aumento da expectativa de vida.
O filho de seu porteiro foi aprovado no vestibular, disse ele nesta terça-feira, ao explicar outra fala da reunião do Conselho de Saúde Complementar que repercutiu negativamente. “Ele disse ‘meu filho foi aprovado, é boa notícia, mas acho que é universidade caça-níqueis’”, relatou.
Ele acrescentou que estudou em escola pública e tem “uma longa história de prestação de serviços em investimento em saúde, educação”. “Sei o que pode acontecer quando há ensino público de qualidade. Mas sempre achei importante o setor privado entrar também com soluções adicionais.”
“É claro que Fies [Fundo de Financiamento Estudantil] foi bom plano, funciona para classe média, que consegue pagar os empréstimos”, afirmou. “Para o mais pobre você tem que dar o voucher, ele não pode começar a vida endividado.”
CPI da Pandemia
Guedes também comentou a CPI da Pandemia durante a reunião na Câmara, dizendo que a criação de um “tribunal de guerra” neste momento pode dificultar o combate à covid-19. “Porque ninguém para no meio da guerra para prender um general, um sargento que atuou errado”, afirmou.
“É claro que queremos saber quem errou e quem não errou em uma eventual CPI. Nas guerras, você só distribui as medalhas quando a guerra acaba. Você também cria o tribunal de guerra para julgar quem errou quando a guerra acaba”, disse.
“O que vai acontecer é que, de repente, um prefeito fica com medo de soltar um dinheiro porque pode ser preso
amanhã. Então, agora, vai querer mais burocracia, uma garantia do Ministério da Saúde”, exemplificou.
“O Ministério da Saúde também agora não pode mandar vacina sem um documento muito bem explicadinho, porque senão vai ser processado na CPI”, disse Guedes.