Portas fechadas ameaçam acervo da Cinemateca Brasileira

Presidente da Sociedade Amigos da Cinemateca defende gestão compartilhada entre sociedade civil e poder público

Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Fotos: Acacio Pinheiro/MinC

“A Cinemateca Brasileira está em coma, sobrevivendo por aparelhos.” A dolorida afirmação é do professor Carlos Augusto Calil, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, recém-nomeado presidente da Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC).

A declaração foi feita no dia 12 de abril, em uma audiência pública do Congresso Nacional que discutiu a situação da instituição. Chamada pela Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, a audiência marcou a primeira atuação pública de Calil na presidência da SAC, associação civil sem fins lucrativos que desde 1962 apoia e fomenta o funcionamento da entidade.

A Cinemateca Brasileira, localizada na Vila Clementino, na zona sul de São Paulo, está fechada desde julho de 2020. Em 7 de agosto, Hélio Ferraz de Oliveira, diretor do Departamento de Políticas Audiovisuais da Secretaria Nacional do Audiovisual, recolheu as chaves da instituição – com a escolta da Polícia Federal –, que até então era administrada pela Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp). O episódio foi um dos momentos mais dramáticos da história recente da Cinemateca, que vive uma avalanche de problemas desde 2013.

O professor da USP Carlos Augusto Calil, presidente da Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC) -Foto: Leonor Calasans/IEA

Após a entrega das chaves pela Acerp, a gestão da Cinemateca deveria ter ficado a cargo, em caráter excepcional e temporário, da SAC, conforme compromisso do secretário especial de Cultura, Mario Frias, a partir de uma proposta da própria sociedade. O objetivo era garantir a preservação do acervo da instituição – mais de 240 mil rolos de película e 41 mil títulos que correm risco de deterioração pela falta de cuidados apropriados – até uma nova organização social ser escolhida para gerir a Cinemateca.

Nada disso, entretanto, aconteceu. A data estipulada para a reabertura da instituição, já sob os cuidados da SAC, era 12 de janeiro. Um edital para contratação de uma nova gestora também não foi elaborado.

A Secretaria Nacional do Audiovisual diz que gastou R$ 6,5 milhões com a Cinemateca desde a entrega das chaves, sendo que 3,9 milhões foram usados para contratos emergenciais – fornecimento de água e energia elétrica, controle de pragas, manutenção predial, limpeza, brigadistas de incêndio e vigilância. Segundo Hélio Oliveira, com isso, as contas da entidade foram postas em dia.

O problema é que nenhum desses contratos emergenciais dá conta dos cuidados necessários com o acervo da Cinemateca. Os filmes em nitrato de celulose e acetato de celulose precisam de atenção de técnicos especializados, que foram desligados da instituição em 13 de agosto, com a saída da Acerp, levando embora apenas cinco meses de salário atrasado e rescisões de contrato não pagas.

O governo se exime das responsabilidades em relação aos trabalhadores e diz que compete à Acerp pagar os ex-funcionários. Quanto à recontratação por parte da nova entidade gestora, uma demanda do setor audiovisual, Oliveira disse que o governo pode ‘‘recomendar fortemente’’ que os antigos funcionários sejam reintegrados a seus antigos postos, mas que a decisão final cabe à organização social que assumir a entidade.

Cinemateca Brasileira – Foto: Ministério da Cultura /CC BY 2.0-Wikipedia

O plano emergencial da SAC prevê que 40 desses funcionários voltem ao trabalho assim que a sociedade assumir. Para Calil, que foi diretor da Cinemateca de 1987 a 1992, tão importante quanto o acervo único da Cinemateca é seu quadro de trabalhadores especializados. ‘‘Se o perdermos, a Cinemateca não sobreviverá’’, declarou em sua fala na audiência.

O presidente da SAC, assim como todo o setor audiovisual – representado na audiência pública por figuras como os cineastas Cacá Diegues e Silvio Tendler –, defende a retomada imediata das atividades da Cinemateca. Roberto Gervitz, coordenador da SOS Cinemateca, afirmou que a situação atual da entidade, com a falta de cuidados com o acervo, oferece ‘‘um altíssimo risco de produzir uma tragédia cultural de grandes proporções’’.

Na opinião de Calil, a reabertura imediata, entretanto, é apenas uma medida emergencial, assim como a contratação de uma nova organização social para geri-la também não é a solução de todos os problemas. O presidente da SAC apontou que, para a instituição se fortalecer, é preciso recompor seu regimento interno, reabrir concursos para os quadros permanentes, restabelecer vínculos com a área patrimonial, recriar o Conselho Consultivo e insistir em um modelo de gestão com governança compartilhada entre o poder público e a sociedade civil.

Pressionado pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Oliveira assumiu alguns compromissos na audiência. Prometeu a entrada da SAC na gestão da Cinemateca dentro de 30 a 40 dias e o lançamento do edital para a contratação de uma nova organização social dentro de quatro a seis meses.

Do Jornal da USP

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