Para russos, Anvisa desmerece com fake news 62 agências sanitárias
Diretor de fundo russo critica agência brasileira e acusa mentira e antiprofissionalismo no tratamento do Instituto Gamaleya, além de pressão externa para não deixar a vacina russa entrar no Brasil
Publicado 28/04/2021 00:49
O diretor do fundo russo que financiou o desenvolvimento da vacina Sputnik V, Kirill Dmitriev acusou a rejeição à importação do imunizante russo contra a Covid-19 pela Anvisa como resultado de uma possível pressão política orquestrada pelos Estados Unidos para “não deixar a Sputnik entrar no país”. Dmitriev falou aos jornalistas em uma entrevista coletiva global realizada na manhã desta terça-feira (27), um dia após a decisão da Anvisa.
O russo mencionou o relatório do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos publicado três dias antes da posse de Joe Biden, mostrado por reportagem da Folha de S. Paulo, que declarou que o adido de saúde americano “persuadiu o Brasil a rejeitar a vacina russa”. “A intervenção externa é um dos elementos desse comportamento [da Anvisa]”, disse Dmitriev sobre o relatório.
O Fundo Russo já denunciou em várias entrevistas coletivas uma sabotagem de governos e mídia ocidental à Sputnik V, por motivos políticos. Recentemente, a própria Alemanha, que encomendou 30 milhões de doses, admitiu que preferia alinhar-se com as vacinas ocidentais, devido a problemas diplomáticos relativos à Ucrânia, Síria e o envenenamento do opositor do governo russo, Alexey Navalny.
A vacina também é alvo de fake news e até distribuição falsificada apreendida no México. O ocidente vai cedendo gradualmente aos russos, no entanto, conforme a vacinação permanece lenta e tumultuada.
O diretor do fundo russo também chamou a Anvisa de antiprofissional e mentirosa ao divulgar, segundo ele, informações falsas sobre a Sputnik. Ele afirma que a vacina já foi aceita em 62 países, com a inclusão de Bangladesh, disponível para 3 bilhões de pessoas. “É muita injustiça e falta de profissionalismo da Anvisa lançar luz de incertezas contra o trabalho de outras 62 agências regulatórias que aprovaram a nossa vacina.”
O russo também acusa tratamento desigual da Anvisa entre fabricantes de vacinas. “Isso faz parte da política. O que ela [Anvisa] vem pedindo de documentação para nós é bem maior e diferente do que pede para outros órgãos regulatórios e produtores de vacinas”, afirmou Dmitriev.
Sputinik V no Brasil
O pedido de importação do imunizante russo havia sido feito por governadores de dez estados (Bahia, Acre, Rio Grande do Norte, Maranhão, Mato Grosso, Piauí, Ceará, Sergipe, Pernambuco e Rondônia).
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) relatou reunião de governadores com o Fundo Soberano da Rússia, que se comprometeu em fornecer mais relatórios e documentos técnicos para possibilitar revisão administrativa ou judicial da decisão da Anvisa.
“Sobre decisão da Anvisa quanto à vacina Sputnik, irei aguardar manifestação técnica de cientistas brasileiros e russos. Posteriormente, teremos reunião com governadores da Amazônia e do Nordeste para avaliar fundamentos técnicos, a serem apresentados ao STF e à própria Anvisa”, disse ele, logo após a negativa da Anvisa.
O lobby de liberação vinha sendo reforçado por membros da farmacêutica brasileira União Química —que tem uma parceria com a Rússia e proximidade com o governo Bolsonaro. Esse é segundo pedido excepcional de importação de vacinas contra a Covid negado pela agência. Antes da Sputnik, a agência negou pedido do Ministério da Saúde para a vacina Covaxin, da Índia, também alegando falta de dados mínimos. As cinco vacinas aprovadas são a Coronavac (Butantan e Sinovac), Covishield (produzida pela AstraZeneca por meio do Serum Institute, da Índia), Covishield (pela Fiocruz) e vacinas da Pfizer e Janssen.
Na análise do pedido de importação da vacina russa feita pelos governadores, os diretores e a equipe técnica da agência identificaram a ausência de dados mínimos e ressaltaram pontos críticos –como falhas no desenvolvimento que trazem incertezas sobre a segurança da vacina –para não autorizar o uso do imunizante.
“Um dos pontos críticos foi a presença de adenovírus replicante na vacina [que, por meio de modificação, não deveria se replicar]. É uma não conformidade grave”, disse o gerente-geral de medicamentos da agência, Gustavo Mendes. Segundo ele, isso pode ter impactos na segurança da vacina. “O que esperamos de uma vacina de adenovírus vetor é que não tenha vírus replicante. E essa especificação [da empresa produtora] de permitir essa presença não foi justificada”, explica.
Segundo Mendes, o problema foi encontrado em todos os lotes apresentados da vacina para análise. Ao mesmo tempo, não foram apresentados estudos que garantissem a segurança nesse cenário.
Fake news?
“Nunca encontramos esse vírus replicante”, disse Dmitriev ressaltando, ainda, que muitos dos comentários técnicos da agência de regulação brasileira sobre a Sputnik contradizem os documentos apresentados pelo Instituto Gamaleya, o produtor da vacina russa.
Um desses documentos versa sobre o sistema de controle na linha de produção. “Temos os melhores sistemas de filtração de vacinas no mundo. Nossas análises apontam zero caso de trombose cerebral entre adultos que tomaram a Sputnik”, afirmou.
Denis Logunov, diretor de pesquisa científica do Gamaleya, reforçou: “não iríamos colocar no organismo humano um produto não purificado”. Segundo Dmitriev, a Sputnik passa por quatro sistemas de filtração, o que a deixa com alto grau de pureza ao final do processo. “Esta tecnologia ajuda a obter um produto altamente purificado que passa pelo controle de qualidade obrigatório, incluindo controle de RCA [adenovírus competente para replicação] ou de presença de qualquer aditivo”, informou comunicado do fundo russo.
Apenas os vetores adenovirais não replicantes do tipo E1 e E3, que são inofensivos para o corpo humano, são usados na produção da vacina, segundo outro trecho do comunicado. “Não acreditam no estado russo. Nosso ensaio clínico foi feito em cinco países, incluindo a Índia. Algumas vacinas aprovadas no Brasil [sugerindo a Coronavac do Butantan e a vacina da AstraZeneca na Fiocruz] não receberam esse selo no mundo”, disse o diretor aos jornalistas.
Para Dmitriev, as alegações da Anvisa não fazem sentido diante da capilaridade alcançada pela Sputnik até agora e pelos resultados demonstrados por ela em periódicos científicos — dados publicados na revista Lancet apontaram eficácia de 91,6% para a vacina a partir de informações preliminares de estudo com 20 mil voluntários.
Ele se refere à análise da Anvisa que observou “falhas de desenvolvimento do produto, que resultam em incertezas quanto à qualidade, segurança e eficácia da vacina, assim como foi verificado que os controles de qualidade são insuficientes”. A posição de Campos foi seguida pelos outros diretores, em reunião que durou mais de cinco horas na segunda-feira (26).
Instituto Gamaleya
A Anvisa fez uma visita recente de inspeção à fábricas da vacina na Rússia, e alega não teve acesso as plantas de produção do Instituto Gamaleya. Em nota, o Instituto Gamaleya informou que a equipe da Anvisa em Moscou “teve pleno acesso a todos os documentos relevantes, bem como aos locais de pesquisa e produção”. Disse ainda que todos os documentos e dados científicos pertinentes, bem como o acesso direto aos cientistas da instituição foram disponibilizados para a equipe. Mas admitiu que “o escopo da inspeção incluiu apenas os dois locais de produção dos quais estão planejadas as entregas para o Brasil”.
A Rússia, segundo Dmitriev, continuará a manter contato com os governadores brasileiros interessados na compra da Sputnik V. “Desde o começo, eles nos procuraram querendo saber mais da vacina. Apesar da posição dos burocratas, continuaremos com o nosso trabalho.” O próprio Dmitriev afirma que dependerá da Anvisa para as tratativas de importação avançarem, o que ajudaria o país, segundo ele, a alavancar sua imunização contra a Covid-19.
“Dezenas de milhões de brasileiros foram afetados com atrasos que não são uma atitude profissional e ética por pessoas que tentam barrar a vacina russa no Brasil.”
Com informações da Folha de S. Paulo