Médica cobra responsabilização de quem prescreve remédios sem eficácia
“A responsabilidade é do médico pelo ato de prescrição”, afirma Rachel Riera
Publicado 19/04/2021 13:13
É preciso processar e responsabilizar os médicos que prescrevem remédios sem eficácia comprovada cientificamente. É o que afirma a reumatologista Rachel Riera, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pesquisadora da Cochrane (uma parceria internacional que realiza e dissemina revisões sistemáticas em saúde).
“Excepcionalmente, o médico pode ser processado caso prescreva um medicamento que tenha ineficácia comprovada ou eficácia não comprovada, já que a prescrição é um ato médico. Nós somos responsáveis pelo tratamento do paciente e, independentemente do resultado, se o paciente melhorou ou piorou, a responsabilidade é do médico pelo ato de prescrição”, afirma Rachel, em entrevista à Época.
Aos 46 anos, com pós-doutorado em Saúde Baseada em Evidências, a médica alerta que essa responsabilização é um alerta a todos que procuram prevenção e tratamento em meio à pandemia de Covid-19. “Devemos embasar nossa conduta em resultados científicos e nas melhores evidências existentes. Claro que, no contexto da pandemia e de escassez de evidências, há um espaço muito maior para as escolhas baseadas na experiência pessoal. Mas isso não desonera o médico de suas responsabilidades com o paciente.”
Com a campanha negacionista empreendida pelo próprio presidente da República, a luta da ciência ganha mais relevância no Brasil. De modo irresponsável, Jair Bolsonaro defende amplamente o uso da hidroxicloroquina no tratamento precoce contra a Covid-19. Embora esse medicamento seja usado originalmente no combate de doenças como malária e lúpus, uma revisão sistemática da Cochrane demonstrou que a cloroquina não funciona contra o novo coronavírus.
“Diante da situação de pandemia que estamos vivendo, na ausência de algum tratamento que seja comprovadamente eficaz, algumas questões precisariam ser avaliadas durante o cuidado médico com o paciente”, diz Rachel “Para a cloroquina-hidroxicloroquina, esse balanço é duplamente negativo, pois as melhores evidências mostram justamente que elas não têm benefício clínico e ainda apresentam riscos. Insistir na prescrição de medicamentos quando há evidências contrárias a seu uso pode expor o médico a riscos jurídicos.”
Para a especialista, “a autonomia do médico não é uma carta em branco assinada que permite a ele fazer o que quiser. O médico tem responsabilidades que incluem tentar trazer mais benefícios do que riscos ao paciente. O médico não tem autonomia para decidir sobre a via de administração de um medicamento, pois quem avalia isso são as agências regulatórias e com base em estudos clínicos”.
No entanto, ela reconhece que a falta de um protocolo federal para a condução dos atendimentos durante a pandemia dificulta a atuação dos médicos. “Não há uma recomendação de conduta imparcial e informada pelas melhores evidências disponíveis”, afirma.
A médica lembra que, no início da crise sanitária, o Ministério da Saúde publicou um documento com diretrizes para diagnóstico e tratamento da Covid-19. “Essas diretrizes, em sua primeira versão e quando as evidências ainda eram incipientes, chegaram a recomendar o uso excepcional da cloroquina para algumas situações. Posteriormente, com o surgimento de evidências mais confiáveis e robustas, estes medicamentos não representavam mais uma opção a ser considerada”, diz ela. No entanto, “as diretrizes do Ministério da Saúde não foram mais atualizadas – e agora algumas sociedades médicas mantêm suas próprias diretrizes.
Rachel diz que “seria muito bem-vindo” um gesto do Ministério da Saúde no sentido de atualizar o documento e fazer uma padronização: “Há centros de excelência em pesquisa no Brasil que, em conjunto com técnicos extremamente bem preparados do Ministério da Saúde, estariam disponíveis para atualizar, de forma imparcial e informada por evidências, um documento único com diretrizes que pudessem apoiar o cuidado em Covid-19 no SUS e no sistema privado”.
Com informações da Época