Mudanças tecnológicas e culturais demandam projeto de desenvolvimento
Parte do Seminário “O Nacional-Desenvolvimentismo e o Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento”, quarta mesa discutiu a valorização do trabalho e o fortalecimento do mercado interno, com participação do professor de Comunicação da UFRJ, Marcos Dantas
Publicado 17/04/2021 13:54
A Fundação Maurício Grabois, por meio de sua Cátedra Cláudio Campos, volta sãbado (10) com o Seminário: O Nacional-Desenvolvimentismo e o Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, para sua quarta mesa: Valorização do trabalho e fortalecimento do mercado interno. A série de debates ocorre durante 11 mesas até 17 de julho.
O evento foi aberto a convidados compostos por membros do Comitê Central e das Comissões Executivas Estaduais do PCdoB e tem por objetivo contribuir para a formulação de um projeto nacional de desenvolvimento e subsidiar a atualização do Programa Socialista do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), aprovado em 2009, no 12º Congresso.
Sob mediação do jornalista e membro do Comitê Central do PCdoB, Adalberto Monteiro, a mesa de debates teve como convidados Nivaldo Santana (diretor da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, CTB), Carlos Alberto Pereira (diretor da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil, CGTB), Magda Biavaschi (desembargadora aposentada do TRT4 e professora da Unicamp), Marcio Pochmann (professor da Unicamp e presidente do Instituto Lula) e Marcos Dantas (professor da UFRJ).
O painel discutiu a natureza do Estado numa economia capitalista dependente. O papel do salário como instrumento do processo de distribuição de renda e fortalecimento do mercado interno para alavancar o desenvolvimento foi um dos elementos destacados pelos debatedores.
Foi comparado o período nacional-desenvolvimentista com a atualidade para compreender as diferenças para o mundo do trabalho. Para isso, as reformas trabalhista e previdenciária foram dimensionadas em seu impacto.
As transformações tecnológicas e estruturais alteram a natureza do desemprego e demandam um enfrentamento específico e complexo que desafiam a organização sindical.
Desenvolvimentismo na era da 4ª. Revolução Industrial
O professor da Escola de Comunicação da UFRJ, Marcos Dantas, colocou algumas controvérsias na mesa para debate, como forma de repensar o conceito de desenvolvimentismo numa economia flexível, onde os produtos culturais agregam mais valor que os produtos industriais. Numa sociedade em que a cultura e o comportamento impulsionam a indústria e a subordinam, com trabalhadores que precisam estar qualificados para a criatividade e a tecnologia, na medida em que a fábrica está cada vez mais automatizada em todas as suas etapas de produção.
Ele começou apontando uma incompreensão da crise fordista do capitalismo na década de 1970, “pela esquerda em geral e pelos comunistas em particular”. Para ele, embora houvesse toda uma literatura, inclusive marxista, sobre esta ruptura do sistema fordista de organização do trabalho, rumo a uma “sociedade da informação”, o debate à esquerda reduziu-se à definição superestrutural de um “projeto neoliberal”, o que também reduziu sua capacidade de resposta à crise.
Uma parte da esquerda remanescente do “fordismo” (operários metalúrgicos, bancários etc.), aferrou-se à defesa das conquistas do estado de bem-estar social, descreve ele, genquanto as novas gerações universitárias inserindo-se em novas relações de trabalho, “aderiram ao liberalismo progressista, às lutas por ‘direitos’, ‘identitárias’, dentro da democracia liberal burguesa, abandonando a luta de classes”. “O marxismo deixa de ser referência, dando lugar a Foucault, Deleuze, e que tais, ou a versões corrompidas, elaboradas por Antonio Negri e companhia”, observa.
Dantas lembra como surge o fordismo com suas fábricas de maquinário relativamente automatizado, demandando trabalhadores qualificados para gerenciamento de tarefas que organizam a dinâmica da fábrica. Um sistema que funcionou por 50 anos, gerando consigo uma indústria cultural que, em sua opinião, foi pouco estudada e considerada pela esquerda. É dessa dinâmica de acumulação e cultura fordista que surge a noção de desenvolvimentismo que se espalha pelo mundo.
“O Brasil, muito provavelmente, é o melhor exemplo de sucesso – e também de fracasso – dessa expansão. A Coréia do Sul ou Taiwan, ao contrário, poderiam ser exemplos de sucesso – sem fracasso”, comparou. Para ele, esse desenvolvimentismo bem-sucedido no Brasil, com suas mazelas, vai se romper com “a colisão das placas tectônicas” da crise do dólar em 1971 e a crise do petróleo em 1973.
Assim, a solução foi encontrada na baixa produtividade do trabalho informacional, com investimentos em tecnologia que evitaram a perda de tempo “contando dinheiro e anotando o resultado da conta num livro-caixa preenchido à mão e caneta”. Dantas citou Marx, na crítica da economia política do livro II de O Capital, que já explicava a importância da redução do tempo e aumento da produtividade para o capitalismo, desde a primeira Revolução Industrial: “Quanto mais as metamorfoses de circulação do capital forem apenas ideais, isto é, quanto mais o tempo de circulação for = a zero ou se aproximar de zero, tanto mais funciona o capital, tanto maior se torna a sua produtividade e autovalorização”.
“Toda essa evolução que nos trouxe até aqui, resultou de claras e conscientes políticas públicas nos países capitalistas centrais, com o objetivo explícito de desenvolver novas tecnologias, de base digital”, sublinha ele, afirmando a “redução a zero” do tempo gasto com trabalho vivo em inúmeras tarefas.
A questão da localização do expediente fordista muda ao ponto do trabalhador ficar em casa ou numa cafeteria fornecendo trabalho para o capital. Na opinião do pesquisador, a pandemia de covid apenas acelerou um processo que já vinha avançando aos poucos com crescente e acrítica adesão das novas gerações, que ignora as relações culturais originadas disso. “O trabalhador não quer mais ser ‘empregado’, condição que deixava tanta gente orgulhosa em outros tempos; o trabalhador quer ser ‘empreendedor’”.
No conceito de acumulação flexível de David Harvey, o que podemos perceber é que o capital não pode deixar de empregar trabalho vivo criativo, pois a “inteligência artificial” precisa ser desenvolvida por um ser dotado de inteligência natural. “Mas todo o trabalho repetitivo, de mera execução, obediente a rotinas, o capital tende a eliminar pelas novas tecnologias. Ou se o desenvolvimento tecnológico ainda não o permite, tende a mobilizar nos lugares ou nas camadas sociais onde possa explorá-lo nas piores condições possíveis, em condições de semi-escravidão”, revela. Por isso, a “acumulação flexível” considera a legislação trabalhista “arcaica”.
Desta forma, a elite brasileira compreendeu o papel do Brasil na cadeia competitiva internacional inserindo-o como fornecedor de materias-primas e mão de obra semi-escrava, projeto que o governo Bolsonaro pretende concluir. A partir deste cenário de recomposição do colonialismo brasileiro, o professor considera que é preciso requalificar com maior precisão o que seria “desenvolvimento”, hoje.
Ele explica que transnacionais como Apple ou Nyke não fabricam computadores ou calçados. Elas fazem pesquisas científicas, projetam produtos, desenham, desenvolvem o marketing, gerenciam o dinheiro, mas subcontratam todas ou quase todas as fases de efetiva fabricação a terceiras empresas espalhadas pelo mundo. Foi assim que ocorreu a desindustrialização dos EUA, que levou à eleição de Donald Trump, remascente da indústria fordista que promete reviver o passado. “O desafio de Biden será enterrar esse passado de vez. Saberemos se terá conseguido, daqui a quatro anos”.
Para Dantas, países como China, Coreia, Índia, assim como os escandinavos, souberam encontrar um lugar favorável nessa nova divisão internacional do trabalho. Participam da corrida científico-tecnológica, retiveram suas indústrias fabricantes, ainda que altamente automatizadas e investiram em recursos humanos qualificados, o recurso mais valioso. “Se você tem recursos humanos sem qualificação – e este é exatamente o caso do brasil –, você atrairá investimentos que buscam mão de obra semi-escrava”, compara.
Outro aspecto desse novo momento é que os produtos fabricados não são apenas objetos, mas seu “valor de uso” é, principalmente, servir como mídia de produtos culturais, numa relação simbiótica entre hardware e software, que mobiliza os desejos e comportamentos culturais para produzir consumidores. Assim, conclui Dantas, a indústria cultural tem sido fundamental para a expansão do capitalismo, impulsionando o desenvolvimento industrial e tecnológico. Ele citou o caso dos grandes eventos esportivos e culturais que mobilizam toda uma indústria fabricante, além de renda publicitária ou direitos sobre imagem.
“Um novo desenvolvimento terá que investir aí. Até, porque, depois de destruída a nossa indústria, será muito difícil reconstruir a indústria para disputar esse mercado mundial”, diz ele, desanimado com a hipótese do desenvolvimentismo de tipo chinês no Brasil no médio prazo. Em sua opinião, o Brasil ainda pode escolher entre empregar seus jovens em trabalho precarizado, ou “como jogadores de futebol, desenvolvedores de videojogos, gerentes de hotéis”. “Ainda podemos escolher se queremos formar cientistas e engenheiros para pesquisar nossa rica biodiversidade e assumir a liderança mundial na indústria biotecnológica, ou se preferirmos não deixá-los com outra alternativa se não destruir florestas no garimpo de ouro sob condições miseráveis”, mencionou.
Dantas concluiu colocando a questão filosófica do trabalho como uma condição existencial do ser humano, em que o esforço meramente físico vai sendo deixado para o maquinário, enquanto o esforço intelectual vai ganhando espaço. No entanto, numa sociedade de capitalismo dependente e legado escravocrata, muitas pessoas precisam de políticas públicas, a começar pela educação, para que possam almejar realizar algum trabalho que seja efetivamente livre. “Reconhecendo que ainda estamos distantes de conquistar essa total liberdade desalienada, talvez possamos dar um importante passo adiante se tivermos um projeto nacional que, pelo menos, valorize, sob as novas condições da acumulação capitalista, as artes, os esportes, a ciência, a educação, também a saúde e assistência, e, daí, todas as demais atividades de apoio que essas necessariamente demandam, com investimentos públicos e privados que geram milhões de postos de trabalho e dão muito mais satisfação aos que neles estão ocupados”, encerrou.
Da Fundação Maurício Grabois