Juristas veem riscos de Lula sofrer novo golpe no STF
Julgamento de hoje tem quatro possibilidades e pode mudar o quadro eleitoral de 2022
Publicado 14/04/2021 10:41 | Editado 14/04/2021 12:02
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgará, nesta quarta-feira (14), o Habeas Corpus (HC) 193.726, decidido pelo ministro Edson Fachin no dia 8 de março, que devolveu ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seus direitos políticos. A decisão do Plenário pode impactar diretamente nas eleições presidenciais de 2022. Hoje, Lula aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto. Mas, na opinião de juristas, há riscos de um novo golpe contra o petista.
As últimas decisões do STF beneficiaram o ex-presidente. Além de reconhecer a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba, anulando quatro ações penais contra Lula e remetendo os processos a Brasília, Fachin extinguiu o HC 164.493, em que Moro foi declarado suspeito na 2ª Turma, no último dia 23.
O julgamento desta quarta, pautado pelo presidente da Corte, Luiz Fux, atende a dois recursos. O primeiro foi apresentado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que tenta derrubar a decisão de Fachin e restabelecer as condenações. O segundo é da defesa de Lula, que quer o desfecho das 14 ações no STF que questionavam a condução dos processos pela Lava Jato de Curitiba e foram anuladas.
Na decisão de 8 de março, Fachin reconheceu que não há conexão entre os supostos crimes que o Ministério Público Federal (MPF) atribuía a Lula e a investigação de corrupção na Petrobras. O único elo – “capenga”, segundo o próprio procurador Deltan Dallagnol – era o fato de a construtora OAS pertencer a um cartel de empreiteiras que atuava de forma ilícita em contratações celebradas com a petroleira.
No último domingo (11), o presidente argentino Alberto Fernández expressou nas redes sociais seu receio de uma nova reviravolta judicial para tornar Lula inelegível. “Vemos com preocupação que se pretende reiniciar a perseguição a Lula, utilizando as mesmas más práticas usadas antes. A perseguição que o prendeu e condenou injustamente representa uma mancha que o Brasil não merece”, tuitou Fernández.
A possibilidade uma decisão desfavorável a Lula no Plenário já havia sido alertada por Pedro Serrano, doutor em Direito do Estado pela PUC-SP. “Fachin tira essa decisão do seu tribunal legítimo [2ª Turma] e transforma o Pleno do STF em um tribunal de exceção. E faz isso porque, no Pleno, tem mais chance de revertê-la”, declarou Serrano ao Brasil de Fato.
Doutor em Ciências Criminais e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), o advogado Sérgio Graziano avalia que Fachin acertou ao reconhecer a incompetência da 13ª Vara de Curitiba. A controvérsia está na anulação do HC que trata da parcialidade de Moro. “Do ponto de vista jurídico, o centro da polêmica é essa extensão. Eu, particularmente, não conheço uma outra situação em que houve incompetência e suspeição ao mesmo tempo”, diz. Segundo Graziano, “a incompetência é do juízo [Vara], e a suspeição é do juiz [Moro]”.
Professor de Direito da Universidade de Fortaleza e doutor em Direito Constitucional, Marcelo Uchôa discorda da anulação do HC em que Moro foi julgado parcial. “O fato da suspeição, processualmente, precede o da incompetência. Não se pode fazer de conta que não houve suspeição se outro processo já demonstra isso de forma cabal”, avalia.
Cenários
Existem quatro cenários possíveis no julgamento desta quarta – além da possibilidade de um dos 11 ministros pedir vistas e adiar a decisão. Se o Plenário confirmar integralmente a decisão de Fachin, Lula continuaria elegível. As quatro ações que saíram de Curitiba começariam “do zero” no Distrito Federal, mas Moro deixa de ser declarado suspeito ou parcial.
“Não acredito que Fachin julgue Moro competente no Plenário. O que ele vai fazer é tentar convencer os outros julgadores de que a 2ª Turma não poderia ter julgado a suspeição porque ele julgou, antes, a incompetência”, analisa Graziano. “É evidente que seria um ‘drible da vaca’, uma tentativa de salvar a Lava Jato e o próprio Moro.”
Segunda possibilidade: o Plenário mantém a parcialidade de Moro, mas derruba decisão sobre incompetência. Assim, seria anulada apenas a condenação no caso “triplex”, a que se refere o HC da suspeição. “Nesse caso, Lula estaria livre do processo do triplex, por força da suspeição do Moro, mas ainda teria os direitos políticos suspensos por conta do processo de Atibaia”, explica Uchôa.
O melhor cenário para o ex-presidente é uma aceitação parcial da decisão de Fachin, mantendo o reconhecimento da incompetência, mas derrubando a nulidade do julgamento da suspeição de Moro. Nesse caso, as ações contra Lula precisariam começar do zero – e permaneceria a “mancha” sobre a Lava Jato de Curitiba, invalidando as possibilidades de um julgamento em tempo recorde no Distrito Federal.
Graziano diz que esse terceiro cenário é o mais provável. Uchôa prefere não fazer previsões, mas concorda que essa seria a decisão correta a ser tomada pelo Plenário. “A decisão do Fachin deveria ser mantida em relação a competência do foro. De fato, Curitiba não era o foro competente para julgar as ações de Lula. Mas essa decisão deveria ser reformada na parte em que extingue o habeas corpus da suspeição”, diz Uchôa. “A 2ª Turma já decidiu sobre o tema, e não há por que a matéria ser novamente apreciada no Plenário.”
Existe ainda uma quarta possibilidade, a mais desfavorável para Lula, considerada improvável jurídica e politicamente: a anulação da suspeição e da decisão que trata da incompetência do foro. Se houver tamanha reviravolta, as ações contra Lula permaneceriam em Curitiba, e Moro deixa de ser reconhecido como juiz parcial.
“Tem uma parte do STF que de fato quer manter a recuperação da idoneidade da justiça brasileira, e tem aqueles que querem seguir no golpe, como o Fachin”, pondera Uchôa. “Fachin deseja que os direitos de Lula fiquem suspensos e pode até mudar seu voto. Não há impossibilidade de que isso aconteça, mas deveria ser improvável para alguém que sabe o que está julgando e que tem consciência do que é correto”, conclui.
Pedro Serrano, um dos primeiros a levantar essa hipótese, explicou como Fachin poderia justificar a mudança de voto. “No plenário, ele pode plenamente falar: ‘Minha decisão anterior se baseou no princípio da colegialidade da turma, mas aqui no plenário não estou vinculado àquele colegiado. Então, posso dizer o que eu acho. E o que eu acho era que Curitiba era competente’”, alertou.
O jurista chama atenção para um detalhe da decisão de 8 de março: Fachin não diz que considera a Vara de Curitiba incompetente para julgar casos relacionados a Lula – mas que julgamentos anteriores na 2ª Turma indicavam aquele juízo como incompetente. “Assim, Fachin poderia mudar seu voto e ainda manteria certa coerência jurídica, porque o Pleno não está vinculado à Turma. Essa história da colegialidade já foi usada antes no Supremo, pela ministra Rosa Weber, por exemplo, para mudar seu voto com certa coerência no julgamento da prisão em 2ª instância”, lembrou.
Serrano interpreta que as violações da Lava Jato contra Lula só foram possíveis graças a um processo gradativo de “desumanização” do ex-presidente. Ao tachá-lo como corrupto, mesmo sem provas, vendeu-se a ideia de que ele não teria direitos. “A única decisão capaz de ‘reumanizar’ Lula integralmente é estender a decisão da 2ª Turma [suspeição] aos demais processos em que Moro atuou, para que ele seja definitivamente considerado um juiz parcial em relação a Lula”, avalia o jurista.
“O que a decisão de Fachin tem de bom é que ele volta a ser elegível, mas isso é insuficiente. Precisamos resgatar a humanidade de Lula. Não por ele, mas porque, se isso acontece com ele, pode acontecer com cada um de nós”, finaliza Serrano.
Também nesta quarta, o Supremo deve analisar a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, que mandou instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apurar possíveis omissões do governo federal na pandemia. É possível que um dos julgamentos seja adiado ou fique pendente por falta de tempo para apreciação.
Com informações do Brasil de Fato