Reverencio a nossa ancestralidade representada pelas Heroínas Negras
Cai do céu folhas e flores, e o vento espalhando seu cheiro
Quando o jongo bate forte, faz chorar meu candongueiro
Lágrimas, lágrimas que rolam do candongueiro
Lágrimas, lágrimas lavando o meu terreiro
(Ponto da Comunidade Jongo Dito Ribeiro – Campinas /SP)
Publicado 23/03/2021 12:25
Mulheres guerreiras, mães, curandeiras, feiticeiras, parteiras, acolhedoras que com o advento da escravidão deixaram um grande legado. Com suas ervas curaram corpos, almas, mentes e principalmente semearam outras mulheres, que, como elas, se reinventam diariamente para enfrentar o machismo, as violências e as desigualdades oriundas das marcas ainda presentes de um passado em que corpos humanos tornaram-se objetos.
As lutas por elas travadas permanecem e aparecem nos índices que retratam o quanto esses corpos negros ainda continuam nas bases das ausências, sintetizados pelo racismo estrutural.
Essa enfermidade social que em pleno século XXI foi agravada pela pandemia que ceifa milhares de vidas, nós, mulheres, em sua maioria negras, da Casa de Cultura Fazenda Roseira e da Comunidade Jongo Dito Ribeiro, diariamente ainda enfrentamos as intolerâncias, discriminações e perseguições dessa sociedade, fato que nos obriga a (re)existir para superar essas dores e perdas sofridas.
Entretanto, mantemos a fé e acreditamos, assim como nossas heroínas negras, que só o amor cura, supera e equilibra o mundo.
Nesses mais de vinte anos de vivência em pró da cultura campineira na última cidade a abolir a escravidão, levamos com alegria o nosso Patrimônio Cultural Imaterial e Material de Matriz Africana para todo Brasil e alguns países de África, América Latina e Europa, através de nossos cânticos, danças, rezas e ervas.
Continuamos a semear a esperança em terras áridas e mesmo assim, somos assoberbadas pela falta de reconhecimento e compromisso de gestores públicos que ignoram a importância da partilha, do cuidado e a necessidade de preservar e salvaguardar esses bens culturais para as gerações futuras.
Nossos corpos estão expostos, nossas vulnerabilidades escancaradas, pela falta de segurança permanente na Casa de Cultura Fazenda Roseira comprometendo nosso trabalho, nossa contribuição para a sociedade e nossa dedicação cotidiana.
Contudo, seguimos semeando.
Nossas plantas e ervas simbolizam nossa cosmovisão e reascendem nossa ancestralidade de Heroínas Negras, com a mesma força e coragem de nossas ancestrais que mesmo no tronco, com seus corpos violados e em alguns momentos apartadas de seus filhos, possibilitaram a mulheres como nós, a força para jamais desistirmos.
A benção às Heroínas Negras de ontem, de hoje e as que certamente seguirão o legado no amanhã. Afinal, “Eu seguro a sua mão na minha, para que juntas/os/es possamos fazer, aquilo que eu não posso fazer sozinha”.
Alessandra Ribeiro é Doutora em Urbanismo, Historiadora, Mestre de Comunidade Jongo Dito Ribeiro, Mãe de Santo Umbandista, Gestora Cultural da Casa de Cultura Fazenda Roseira e 1ª Mulher Negra candidata à Prefeita no município de Campinas.