Pandemia escancarou desigualdade racial no acesso à saúde
Estatísticas sobre os impactos da Covid-19 na população negra mostra descaso com a Política Nacional de Saúde Integral deste segmento e o quanto o racismo combinado à pandemia promove mortes
Publicado 21/03/2021 12:10
Artigo assinado pela doutora em Saúde Pública Fernanda Lopes e publicado no boletim “Pandemia e Políticas Públicas: A questão Racial no centro do debate”, divulgado em março pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), informa que um paciente preto ou pardo analfabeto tem 3,8 mais chances de morrer de Covid-19 do que um paciente branco, “confirmando as enormes disparidades no acesso e na qualidade do tratamento no Brasil”, diz o documento. Fernanda integra o Grupo Temático Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Outros números apontados pela pesquisadora escancaram a tragédia que a população negra vem enfrentando durante a pandemia no Brasil. Segundo o artigo, pesquisadores do Instituto Pólis observaram que entre pretos e pardos morreram 1.221 pessoas a mais do que o previsto pelo Sistema de Mortalidade do Município de São Paulo de óbitos por Covid-19. Os dados são do início da pandemia até 31 de julho de 2020. No mesmo período entre pessoas brancas foi registrada uma queda na taxa de mortalidade de 13,4%.
O artigo também destaca estudos que verificaram que “a proporção de óbitos em pacientes pretos e pardos foi maior que a observada em brancos, mesmo controlando por faixa etária, nível de escolaridade, e ainda que esta pessoa residisse em município com índice de desenvolvimento humano municipal elevado”. Esses dados mostraram que “55% dos pacientes negros, hospitalizados com Covid-19 em estado grave, morreram em comparação com 34% dos pacientes brancos”.
Visibilidade estatística e equidade em saúde
Neste capítulo sobre a proporção de óbitos, Fernanda afirma que há uma “incompletude” ao se preencher o quesito cor/raça. “cerca de 30% dos casos notificados apresentam a informação sobre raça/cor como ignorada”. A pesquisadora afirma que sem visibilidade estatística não é possível promover a equidade em saúde. Segundo ela, apenas em abril do ano passado e após pressão de entidades do movimento social, associações de profissionais e comunidade acadêmica, entre outros atores, é que a variável raça/cor passou a fazer parte da ficha de notificação da estratégia Covid-19.
Falta adesão à Política de Saúde Integral da População Negra
Os dados apresentados por Fernanda vão ao encontro do estudo da pesquisadora da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), Edna Araújo, divulgado em setembro do ano passado. “Para a população negra, a pandemia da Covid-19 atualiza os problemas do passado, cujo centro é o racismo em suas diferentes dimensões”, declarou Edna na ocasião. O estudo se transformou em um artigo publicado em parceria com uma pesquisadora da Universidade da Carolina do Norte relatando a experiência do Brasil e Estados Unidos no enfrentamento à Covid-19 com o recorte raça, cor e etnia.
Edna também menciona o prejuízo da ausência de dados com o recorte racial. “Esta falta de dados representa não só um grande problema à implementação de políticas públicas de saúde, como também caracteriza a baixa adesão à Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no território brasileiro”. Edna também chamou a atenção para a vulnerabilidade das populações indígenas e negras que, mesmo com a subnotificação, aparecem como segmentos mais afetados.
Fernanda concluiu o artigo publicado pelo IPEA apontando como urgente o fortalecimento da atuação do controle social para cobrar do poder público respostas para as necessidades da população. “A defesa do SUS, em especial, mas não somente, pela população negra, continua sendo uma questão política, de direito e de dignidade e justiça social. Está assentada na defesa das vidas a necessidade de converter o SUS em um sistema, efetivamente, antirracista.”
Confira AQUI o Boletim do IPEA “Pandemia e Políticas Públicas: A questão Racial no centro do debate”