Para a Comissão Eleitoral não esquecer, por Haroldo Lima
Reforma política é tema que não sai das pautas do nosso Congresso Nacional desde a promulgação da Constituição de 1988. Houve avanços em alguns pontos, mas, em outros, preceitos excludentes preponderaram.
Publicado 15/02/2021 13:18
A Câmara dos Deputados instituiu, no dia 11 de fevereiro, um Grupo de Trabalho para avaliar a legislação eleitoral e fazer proposições para aperfeiçoá-la. Quinze deputados de diferentes partidos foram indicados para o grupo, que terá 90 dias para concluir seus trabalhos. A chamada reforma política aprovada em 2017, para vigorar a partir de 2018, não resistiu a duas eleições consecutivas. Tem sido assim na história de nosso país.
Reforma política é tema que não sai das pautas do nosso Congresso Nacional desde a promulgação da Constituição de 1988. Houve avanços em alguns pontos, mas, em outros, preceitos excludentes preponderaram. Alguns rondam essas discussões desde a época da ditadura.
O primeiro é a “cláusula de barreira”, de origem germânica, introduzida como de 10% na Constituição outorgada pelo regime militar em 1967. A própria ditadura alterou-a na Constituição de 1969, reduzindo-a para 5%. O general Geisel confirmou esses 5% no seu Pacote de Abril de 1977. Em 2017, ela conseguiu ser aprovada, pelo mecanismo de uma cascata que a levará a 3%. Completavam-se 50 anos de tentativas da “cláusula” se introduzir na legislação eleitoral.
Outro ponto que tenta truncar, há anos, a vida partidária no Brasil é a “proibição de coligações proporcionais”, que era o oitavo dos oito “princípios para a organização e funcionamento dos partidos políticos”, constantes da Constituição outorgada de 1967 e da de 1969.
A ditadura tentou ainda introduzir o “voto distrital misto”, também de origem alemã, através da Emenda Constitucional número 22, de junho de 1982, quando era presidente o general Figueiredo.
Nos preparativos para a Constituinte de 1987, o Congresso chamou esses três pontos de “entulho autoritário” e lançou-os no porão da história, em maio de 1985. Em 2017, eles reaparecem com roupagens novas e se aboletam no Relatório aprovado da comissão sobre a reforma política da Câmara dos Deputados.
Agora, a Câmara sente a necessidade de reabrir essas questões e outras, para redefini-las, ainda que em prazo curto. Ao assim proceder, não deve perder de vista que o longo histórico das questões referidas mostra duas linhas em disputa, uma, autoritária, que procura salvar as marcas retrógradas referidas; e a outra, democrática, que se esforça por defender as conquistas da Constituição de 1988.
Experiências positivas havidas no passado devem inspirar saídas para o presente. Quando as eleições de 1982 aproximavam-se, a Câmara percebeu que a cláusula de barreira de 5%, em vigor, arrebentaria partidos importantes. Providenciou então a suspensão da eficácia daquela barreira para a eleição que se aproximava. Tornou-a sem efeito. Se tal não fosse feito, o PDT, o PTB e o PT teriam sido excluídos do funcionamento parlamentar, pois que, em 1982, só alcançaram 4,94%, 3,77% e 3,01% dos votos válidos, respectivamente.
Há ainda instituições parlamentares existentes em diversos países e que aqui o conservadorismo local recusa acatar, como a “Federação de partidos”.
Nos últimos anos a Câmara quase incorpora essa ideia, que também não é nova entre nós, pois transita no Parlamento há 22 anos, quando foi apresentada no PL 1.203/1999 pelos deputados Haroldo Lima, Bonifácio de Andrade, José Genoíno, Luiz Erundina, Aldo Rebelo, Zé Resende e Waldemar Costa Neto, para regular a “Frente de partidos”. A retomada da proposta de “Federação de partidos”, ou “Frente de partidos”, ou “Partido de Frente”, encaminharia alternativas para obstáculos anti-democráticos inaceitáveis, como o de ameaçar a existência parlamentar de partidos como o PCdoB, PV, Rede e outros.
Finalmente, quando se fala em “Distritão”, com os inconvenientes bem delimitados de se eleger deputados por eleições majoritárias, não se deve perder de vista as judiciosas considerações feitas pelo deputado Bonifácio de Andrade, também há 22 anos, quando apresentou seu PL 410/1999.
O deputado mineiro, há pouco falecido, relata que, no mundo, onde se adota o sistema proporcional, as circunscrições onde os parlamentares disputam votos, elegem, 8, 10 ou 15 representantes do povo. Chipre, dos menores países da Europa, tem seis circunscrições, a Dinamarca 17, a Espanha 52, a Colômbia 23, sendo mais ou menos assim na Itália, Portugal, Suécia, Suíça, Finlândia etc. Cada uma das circunscrições desses países, elegem entre oito e 15 parlamentares. Circunscrições que elegem 39 representantes, como a Bahia, 55 como Minas, ou 70 como São Paulo, só tem em um lugar no planeta, o Brasil.
O PL 410/1999 propunha circunscrições eleitorais nos estados brasileiros que elegeriam oito representantes cada uma, prevalecendo as demais regras eleitorais. O art. 5º do PL 410/1999 estabelecia: “Em cada circunscrição se aplicará o sistema eleitoral proporcional de acordo com a legislação em vigor e o disposto nesta Lei”.
Em 90 dias, talvez não haja tempo para se retomar proposições mais polêmicas e mais consistentes, como o sistema proporcional de lista fechada. Que a Comissão recém criada na Câmara possa então reexaminar pontos cruciais da legislação eleitoral e tenha a coragem de afastar preceitos que há décadas estrangulam e ameaçam a vida democrática do país.