No Senado, Pazuello tenta evitar inquérito por omissão na pandemia
Sob ameaça de investigação pela inércia no combate à pandemia, ministro da Saúde diz que CPI atrapalharia sua guerra contra a Covid-19. Deu justificativas que não convencem nas inúmeras sabotagens ocorridas contra as medidas sanitárias e falta de planejamento e logística.
Publicado 11/02/2021 23:16 | Editado 12/02/2021 14:50
O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse hoje que o combate à pandemia do novo coronavírus é uma guerra técnica, que não pode se tornar uma frente política de combate. A fala do ministro aconteceu em sessão do Senado, onde foi cobrado pela gestão da pandemia e pela vacinação no país. Ele tentou convencer os senadores de que uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) levaria à derrota do Brasil contra a pandemia, omitindo a percepção de que o Brasil já vive uma gestão caótica sem qualquer controle de contágios, pelo comportamento errático do governo federal.
O ministro tenta evitar a abertura de uma CPI para investigar sua atuação marcada pela inação na obtenção de vacinas, pela falta de um plano nacional de imunização e submissão ao presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL) na defesa de tratamentos preventivos que não existem e no desestimulo a medidas sanitárias de lockdown. O pedido de CPI articulado pelo senador da oposição Randolfe Rodrigues (Rede-AP) tem 31 assinaturas, quatro além do mínimo necessário e está sob análise do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Frente russa
General da ativa, o ministro comparou seu trabalho com as guerras mundiais em que a Alemanha foi derrotada duas vezes por “abrir a frente russa”, apesar dos alertas. “Duas frentes, não tem como manter. Temos uma guerra contra a covid”, disse Pazuello em tom de alerta.
O presidente do Senado avaliou que as falas de Pazuello na sessão de hoje seriam determinantes para abertura ou não da CPI. Mas o discurso do ministro está alinhado com a estratégia do governo de tentar convencer os senadores de que a abertura de uma investigação atrapalhara o combate à pandemia, quando ela justamente visa a garantir medidas claras para o controle do contágio que não tem sido tomadas.
Em resumo, Pazuello destacou a atuação que teve à frente do ministério, justificou ações e disse que vai vacinar toda a população “vacinável” do país em 2021, sempre mencionando o caráter internacional da doença, deixando de dizer que o Brasil é o segundo país com mais mortes no mundo (depois dos EUA). Atualmente, foram autorizadas aplicações de 11 milhões de doses —a população é de 219 milhões de habitantes, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Em quase um mês de vacinação, apenas 2% da população foi imunizada por dificuldades logísticas e falta de planejamento e coordenação nacional. Nesse ritmo, avalia-se que serão necessários mais de quatro anos para imunizar, pelo menos, 70% dos brasileiros. O cálculo é do microbiologista da Universidade de São Paulo (USP), Luiz Gustavo de Almeida, que lembrou que, em março do ano passado, foram vacinados até um milhão de pessoas por dia contra a gripe. Atualmente, a média de imunizações diárias é de um quinto disso, 200 mil pessoas.
“A guerra é contra a covid. Ela é técnica, de saúde. Não é política. Se abrir a segunda frente, política e técnica, vai apertar. (…) Se entrarmos com uma nova frente nessa guerra, que é a frente política, vamos ficar fixados. Se nós fixarmos a tropa que está no combate, vai ser mais difícil ganhar a guerra. Peço a todos os senadores que compreendam exatamente o que eu falei”, insinuou Pazuello.
O ministro disse que demandas de senadores para tratar da pandemia são questões técnicas, não políticas, citando solicitações de mais imunizantes.
Vacinar todos os “vacináveis”
Pazuello garantiu que haverá uma aceleração do processo de vacinação no Amazonas, estado duramente atingido pela Covid-19, e acrescentou que a intenção é imunizar a população acima de 50 anos. O estado é um dos mais avançados na vacinação com 4% da população imunizada.
“Nós vamos vacinar o país em 2021, 50% até junho e 50% até dezembro da população vacinável. Esse é nosso desafio e é o que estamos buscando e vamos fazer”, disse Pazuello. A declaração ocorre no mesmo dia em que a prefeitura do Rio de Janeiro divulgou ter doses até o sábado, enquanto Salvador mudou o cronograma para evitar a interrupção da campanha por falta de imunizantes. Na terça-feira, Niterói e São Gonçalo, ambas no Rio de Janeiro, paralisaram a vacinação.
Diante da falta de imunizantes, que tiveram suas encomendas e parcerias atrasadas e sabotadas, apesar dos alertas de especialistas, o ministro Pazuello afirmou que o Brasil tem um “perfil de fabricante de vacinas contra covid-19, e não de comprador”. Em sua fala inicial, o ministro disse que, após iniciar negociação com vários laboratórios pelo mundo, concluiu que o destino do Brasil é fabricar vacinas para o mercado interno e para a América Latina.
“Começamos a ter a seguinte certeza: para vacinar o nosso país precisaríamos fabricar vacinas. Esse é o destino do nosso país, somos fabricantes de vacinas. Vamos fabricar vacina para o Brasil e para a América Latina. Não podemos contar com laboratórios que apenas nos vendam as vacinas”, justificou ele.
O ministro criticou laboratórios internacionais por impor condições às negociações, tempo inadequado de recebimento das doses e quantidade reduzida de lotes disponíveis para compra, como no caso da belga Janssen e da Sputinik. No caso da Moderna, o custo da vacina foi o obstáculo, segundo ele, 20 vezes mais cara que a vacina inglesa da AstraZeneca.
Pazuello fez críticas às “cláusulas leoninas” impostas pela americana Pfizer. As cláusulas já haviam sido criticadas publicamente pelo ministério, ao afirmar que a vacina da Pfizer “causaria frustração nos brasileiros”. Ele disse ter defendido os interesses brasileiros junto ao laboratório americano, por isso não fechou acordo. A vacina da Pfizer atende a Israel, que já vacinou mais de 60% de sua população.
A despeito das críticas às condições para a compra das vacinas, Pazuello afirmou que o ministério continua negociando com todos os laboratórios e não descarta a aquisição de nenhum imunizante. Ele elogiou a parceria inglesa com a Fiocruz e a parceria chinesa com o Instituto Butantan, embora Bolsonaro tenha atacado a parceria abertamente, dificultando as relações com a China.
Colapsos no Amazonas
O encontro com os senadores também ocorre no momento em que Pazuello é investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) por suposta omissão para evitar o colapso de saúde em Manaus (AM). No último dia 4, o general prestou depoimento à Polícia Federal neste inquérito.
Pazuello apresentou aos senadores datas de reuniões e dados para argumentar que tem agido proativamente e que não teve informação para agir antecipadamente no caso da crise de desabastecimento de oxigênio nos hospitais do Estado, apesar do estado ter passado por dois colapsos de atendimento hospitalar e funerário.
Esta é uma das principais indagações, na medida em que haveria evidências de que o ministro sabia do colapso hospitalar por falta de oxigênio, e, em vez de agir para resolver essa logística que levou a muitas mortes por asfixia, o ministro teria ido a Manaus distribuir cloroquina e estimular o uso preventivo do remédio de malária para combater o novo coronavírus. Agora, o estado exporta pacientes por total falta de leitos e recursos hospitalares para atender até mesmo na rede privada.
O ministro argumentou que as curvas de contaminações e óbitos no Amazonas demonstravam estabilidade no segundo semestre do último ano. E que teve conhecimento com clareza da dificuldade logística com o oxigênio no dia 10 de janeiro.
“Então, peço que fiquem atentos às datas para que entendam tudo o que foi feito, a proatividade que foi feita e como nós conseguimos reverter inicialmente as tendências”, disse o ministro a senadores. “Hoje nós temos tendências de queda, graças a Deus, e vamos completar essa missão com uma vacinação forte, que é o nosso objetivo, e a aceleração da vacinação no Amazonas. E vou mostrar isso aos senhores, na sequência. Mas, quando falar de Manaus, do Amazonas, lembrem-se: é o meu Estado também, é a minha família, é a minha casa. Então, dividimos essa preocupação”, apelou, mais uma vez omitindo que grande parte dessas ações foram forçadas pelo judiciário e pela pressão de governadores, e sabotadas por sua gestão.
Números inacreditáveis
O país tem enfrentado uma nova onda da pandemia, descrita nesta quinta-feira pelo ministro como “um momento muito difícil para nosso povo, nossos Estados e para o mundo todo”. O Brasil é o segundo país com maior número de mortes por coronavírus no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, e o terceiro em casos, abaixo dos EUA e da Índia.
Pazuello disse que as perspectivas de queda que chegaram a ser vistas nos índices da pandemia no segundo semestre do ano passado foram quebradas por números “inacreditáveis” nos últimos três meses. “No segundo semestre de 2020 nós víamos uma estabilidade clara de queda de contágios e óbitos no nosso país, principalmente na região Norte, na região Sudeste e Sul —que começou mais tarde, estava numa segunda onda de queda também”, afirmou o ministro. “Essa ideia foi quebrada. Nos últimos 90 dias, números inacreditáveis de casos e mortes mundo afora”, acrescentou.