Mulheres usam grafite para expressar vida em muro de presídio em Natal
A ideia é “provocar outros possíveis a partir da arte” através de “um projeto de ocupação de espaços públicos”.
Publicado 01/02/2021 09:19
“Vejo vida”. É assim que Priscila Bernardo, de 28 anos, enxerga as primeiras expressões que ela e mais nove colegas mulheres privadas de liberdade pintam desde o dia 25 de janeiro no paredão do Complexo Penitenciário João Chaves. Mais do que uma cena urbana, o grafite mostra o potencial de transformar vidas quebrando barreiras.
Até o próximo dia 30, através de uma das manifestações artísticas mais expressivas, as mulheres que perderam temporariamente suas liberdades invadem um espaço majoritariamente masculino, comunicam a invisibilidade e denunciam o machismo. “Soltamos um grito abafado por esse muro”, afirma Renata Bossato, 39 anos.
Privada de sua liberdade há quatro anos, Renata Bossato vê no projeto de arte urbana “Corações Pulsam à Dentro”, coordenado por Sayonara Pinheiro, uma oportunidade de expressar um sentimento “que está oculto por trás dessas grades”. Ela conta das dificuldades de ser mulher dentro de um presídio e a necessidade da abertura de espaços como este para que apresentem à sociedade suas impressões identitárias numa grande galeria.
“Aqui a gente tem só que seguir procedimentos, sem pensar ou sentir. Mas nós somos mães, mulheres, vítimas de crenças, vítimas de vítimas, vítimas do machismo”, e ao contrário de tudo isso, a oportunidade de registrar com arte as suas marcas na vida para que a sociedade reflita o lugar imaginário em que as colocaram e de serem vistas como artistas por seus parentes, especialmente os filhos, são descritas como uma experiência transformadora.
“Uma oportunidade de mostrar nossa história”, avalia Marília Gabriela, de 29 anos. As vidas e dilemas enfrentados por Renata, Priscila e Marília se confundem com os de tantas outras mulheres que integram a população carcerária que a cada ano saltam no Brasil. O país ocupa a quinta posição entre as nações com maior número de mulheres presas.
São mais de 40 mil mulheres negras, jovens e de baixa escolaridade. Há um déficit de 13 mil vagas femininas nas prisões brasileiras. Quase metade das mulheres são presas provisórias. No Rio Grande do Norte, 37% delas estão nessa condição. Ao todo, 335 mulheres estão distribuídas em quatro unidades do sistema penitenciário: João Chaves, Penitenciária Estadual do Seridó, Mario Negócio e presídio provisório de Parnamirim.
Em nível nacional, 80 em cada 100 mulheres foram acusadas por crimes sem violência. Apenas 16 em cada 100 prisões femininas possui dormitórios adequados para as mulheres grávidas. Os dados são do censo da população carcerária (Infopen Mulheres,2018).
Ser mulher e estar privada de liberdade amplia a condição de vulnerabilidade. E todos esses relatos integram o processo criativo desenvolvido pela artivista de origem indígena, filha do sertão e do litoral, Georgia Cardoso, para que as histórias acimentadas no pavilhão feminino do complexo penal Dr. João Chaves fossem contadas num pedaço de concreto. Através da realização de oficinas, as mulheres aprendem arte em contato com a arte.
O projeto nasceu da procura de um espaço urbano para participação em edital. Mesmo não passando no processo seletivo, Maria Leuça, da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (Renfa), disse que a Sayonara Pinheiro, da InarteUrbana, não desistiu da iniciativa, formaram a parceria e encontraram na sensibilidade da diretora do presídio, Jacinta Maria Costa, um importante apoio para efetivação da ideia.
Para Jacinta, que convive com tantas histórias de sofrimento, privação e vulnerabilidade econômica, social e emocional, este é “um trabalho para elevar a auto estima da interna e mostrar que elas são capazes”.
À frente do InarteUrbana, Sayonara explica que a ideia é “provocar outros possíveis a partir da arte” através de “um projeto de ocupação de espaços públicos”. Em Natal, o projeto InarteUrbana vem desenvolvendo ações desde 2015 no bairro Passo da Pátria. Já são mais de 200 as intervenções realizadas na comunidade, onde estão instalados, por artistas locais, nacionais e internacionais.
Fonte: Saiba Mais