Leonardo Boff: ‘impeachment é meio democrático’
Leonardo Boff e outros religiosos explicam as razões que os levaram a assinar pedido de impeachment contra Bolsonaro na última terça
Publicado 28/01/2021 20:38 | Editado 28/01/2021 21:33
Em uma semana marcada pela apresentação de dois pedidos consecutivos de impeachment contra Jair Bolsonaro (sem partido) na Câmara dos Deputados, ambos justificados pela negligência do governo no enfrentamento à pandemia de Covid-19, o teólogo Leonardo Boff destacou, com exclusividade para o Socialismo Criativo, o papel dos religiosos na ruptura iminente da era bolsonarista.
Boff, que junto com outros 380 líderes religiosos ligados a entidades cristãs do Brasil protocolaram um pedido de afastamento contra o presidente na última terça (26), destacou o papel dos religiosos, que como pastores, perceberam seus fiéis sendo devorados por um lobo assassino que ocupa o centro do poder, e argumentou porque defende a imediata ruptura com a atual gestão.
“A partir de sua missão de bispos, como pastores, são obrigados a denunciar e pedir para afastar essa pessoa criminosa que está deixando morrer mais de 200 mil brasileiros, isso corresponde a cinco guerras do Paraguai”, comparou o escritor.
Congregando padres católicos, anglicanos, luteranos, metodistas e também pastores, a petição dos religiosos também acabou configurando como uma espécie de resposta à afirmação feita pelo mandatário no último dia 11 de janeiro, de que “só papai do céu” o tiraria da cadeira de presidente e “mais ninguém”. A declaração foi feita a apoiadores na saída do Palácio da Alvorada.
“Esse pedido de impeachment tem especial significado porque vem de bispos, representantes das igrejas que em função de sua missão de pastores, curam da alma veem seu povo sendo dizimado, a obrigação deles é defender esse povo, e a forma de defendê-los é usar meios democráticos disponíveis, que é o impeachment para crime de responsabilidade”, destacou Boff.
Conhecido internacionalmente por sua defesa dos direitos dos pobres e excluídos, Boff assinala, no entanto, que Bolsonaro ultrapassou os limites das ilegalidades públicas e foi além. Expoente da teologia da libertação no Brasil, ele também lamentou a postura das instâncias responsáveis pela apuração dos delitos presidenciais.
“Essa pessoa não cometeu só crimes de responsabilidade, cometeu inúmeros crimes comuns. Nós esperamos que em um ou outro, seja levado avante. Lamento que a PGR [Procuradoria-Geral da República] não cumpra com seu dever. O presidente dificultou a distribuição da vacina, facilitou aglomeração, incentivou o não uso da máscara. Cometeu crimes de responsabilidade e crimes comuns. Então eu acho que esse impeachment tem um significado especial, pelo peso que essas pessoas tem com a religião, que não podem ver os seus fiéis sendo devorados por um lobo feroz e assassino”, reforçou.
“Nome de Deus foi emporcalhado”
Signatário do pedido, o monge beneditino Marcelo Barros reforçou as palavras de Leonardo Boff. Para ele, representantes das mais diversas tradições espirituais tinham, desde 2018, um compromisso de avisar ao povo que a forma como Bolsonaro usou o nome de Deus nas eleições foi vergonhosa:
“Desde 2018, o nome de Deus foi emporcalhado, foi enxovalhado, foi instrumentalizado para fake news, para destruir adversários, espalhar todo tipo de ódio, de violência e de preconceitos”, disse ao Socialismo Criativo. Então, as religiões e os representantes das mais diversas tradições espirituais tinham, desde 2018, um compromisso moral, uma obrigação de vir ao povo pra dizer que isso não está correto. A gente não pode ficar em silêncio, concordar. Woody Allen dizia: ‘Deus deve ser um cara bom, mas os amigos dele eu não recomendaria a ninguém’. E isso é muito triste pra quem representa uma igreja, pra quem é ministro de alguma religião: seja budista, islâmica, ou afrobrasileira, como de igrejas cristãs também.
Ex-assessor de Dom Helder Câmara, Ramos afirmou que o pedido de impeachment encaminhado à Câmara acabou sendo uma reação natural de religiosos a essa utilização indevida e equivocada da religião, levando a uma manifestação conjunta.
“Formou-se grupos padres contra o fascismo, frente de evangélicos progressistas, formaram-se várias entidades nessa direção e agora na pandemia, e com as atitudes não somente irresponsáveis, mas verdadeiramente genocidas do desgoverno que o Brasil tem, era fundamental que essas entidades, esses diversos grupos viessem a público pedir o impedimento do presidente”, explicou.
‘Frente pelas necessidades do povo’
Sobre a recente declaração do ministro Paulo Guedes, de que o ‘impeachment seria uma ‘sabotagem à democracia’, o monge é categórico ao comentar sobre os limites já ultrapassados por Bolsonaro e representantes de seu governo.
“O verdadeiro atentado à democracia é uma pessoa que se sente eleito de uma forma escúria de desinformações, a partir do aproveitamento da instrumentalização de um atentado que nunca foi devidamente esclarecido. Essa pessoa, esse governo se sente descomprometido com o povo que o elegeu, como se a democracia representativa não fosse assim, e sim substitutiva”, analisou.
“A democracia é representação e tem que estar sempre sob o controle do povo e o paradigma disso é a Constituição. Então um presidente da República que desrespeita diariamente a Constituição e revela sinais que está pouco se lixando para a Carta Magma que rege a organização do estado brasileiro. Então é lógico que pedir a destituição dele é que é democrático. Fazer isso é uma questão de salvar vidas, não é partidário, não é direita ou esquerda. É uma frente ampla que representa os interesses e necessidades do povo brasileiro”, destacou.
“Democracia esmagada”
Ainda sobre a entrega do documento de 74 páginas à Câmara, o diácono Jaime Bonfim, da Comissão Regional Pastoral para a Ação Sociotransformadora Nordeste II, em Recife (PE), disse que o impeachment “não é uma questão ideológica, é uma questão social. Eu não quero marcar minha história como ausente ou do ministério de Pilatos, e lavar as mãos”, declarou.
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Para Jaime, as atitudes de Paulo Guedes e Bolsonaro estão matando a democracia.
“Quando o governo se fecha para o diálogo, quando é intolerante, quando se mostra indiferente diante da pandemia, às mortes que estão acontecendo no país, que democracia que ele fala? A dele? Não existe essa democracia. A democracia verdadeira é aquele que tem a capacidade de sentar e dialogar quem pensa diferente e ver pontos comuns. A democracia de Bolsonaro está sendo esmagada pela botina de uma visão ideológica-militar-fascista. Não existe democracia na boca de Guedes. Uma democracia que a economia exclui, que coloca o Brasil de novo no mapa da fome, perdendo empresas importantes no país, essa democracia que ele fala, a gente rejeita”.
Caminho do impeachment
Embora sem o apoio formal das igrejas, o grupo que tem entre os signatários Boff, Barros e Bonfim tem o respaldo de organizações como o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, a Comissão Brasileira Justiça e Paz da Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) e a Aliança de Batistas do Brasil.
Cabe ao presidente da Câmara decidir se aceita ou não um pedido de impeachment. Rodrigo Maia (DEM-RJ) deixará o posto na próxima semana, quando será eleito o deputado que vai sucedê-lo no comando da Câmara. O PSB anunciou apoio à candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP).