“Pobreza energética” entre idosos se agrava na Austrália com pandemia
Não podendo sair de casa, idosos gastam mais com energia elétrica e ficam mais solitários, reduzindo também sua segurança alimentar. Quase um terço da população australiana sofre com pobreza energética, um problema que atinge ainda mais os idosos.
Publicado 24/01/2021 23:09 | Editado 24/01/2021 23:10
Muitos de nós que enfrentamos lockdowns na Austrália estamos familiarizados com o aumento nas contas de energia em casa. Mas para os australianos mais velhos que dependem da pensão por idade para obter rendimentos, os lockdowns conduziram muitos mais para a “pobreza energética”. Alguns tiveram faturas de energia até 50% maiores do que em 2019, como resultado do Covid.
A pobreza energética envolve famílias de baixa renda que restringem seu consumo de energia, evitando certas atividades como tomar banho, gastando grandes proporções de sua renda com energia e, às vezes, sendo incapazes de pagar as contas.
Um relatório de 2015 da Irmandade de St Laurence revelou que cerca de 28% das famílias australianas vivenciam pobreza energética em pelo menos uma medida. Um terço disso era composto por famílias mais velhas (chefiadas por alguém com 65 anos ou mais) na medida de renda versus gasto de energia.
Para nossa pesquisa qualitativa em andamento, entrevistamos 22 australianos mais velhos (mais de 65) de baixa renda em NSW e Victoria e analisamos suas contas, antes e durante os bloqueios da pandemia. Eles apresentam um quadro comovente de pobreza energética e a solidão que vem com ela. Esta continua sendo uma consequência negligenciada da pandemia.
As consequências da pobreza energética
Antes da Covid, os custos de energia eram uma grande preocupação para os australianos mais velhos, com muitos tendo que usar uma proporção substancial de sua renda para permanecerem conectados.
Durante a Covid, muitos australianos mais velhos passaram quase todo o tempo em casa. Nossa pesquisa, que ainda não foi publicada, descobriu que os lockdowns fizeram com que seu consumo de energia e contas aumentassem 15-50% mais do que em 2019, tornando uma situação ruim ainda mais difícil para os membros já vulneráveis da comunidade.
A pobreza energética tem graves consequências para a qualidade de vida. Para compensar contas potencialmente mais altas, as pessoas mudaram seu comportamento e cortaram o consumo de outros itens essenciais e não essenciais.
Por exemplo, a Covid restringiu severamente suas atividades sociais por meio do fechamento de centros comunitários, o que intensificou seus sentimentos de solidão e exclusão social.
Iris, de 78 anos, disse antes da Covid que mantinha suas contas baixas passando tempo em seu centro comunitário.
“Procuro sair para não precisar gastar energia […] Se eu não ficar [em casa], aí não uso. Se fica muito quente, vou para a sala comum [com] o ar condicionado.”
Em resposta à Covid, o centro comunitário foi fechado. Iris tem problemas de saúde e reluta em sair. Sua conta de energia aumentou de $50 a $60 por trimestre. Ela nos contou:
“Antes da Covid, eu costumava ser extremamente social. Eu estaria fora de casa todos os dias. Agora acho que o aumento nos meus gastos com energia está sendo compensado por não sair mais e não me socializar, pois ainda tenho medo de me expor ao vírus.
Eu sou velha, você sabe. Eu não posso [me dar ao luxo de] ficar doente. Mas embora eu esteja economizando algum dinheiro por não me socializar, não posso economizar dinheiro para emergências potenciais como antes. Com o aumento da conta de luz e as novas despesas médicas, minha capacidade de economizar diminuiu muito.”
As pessoas também podem reduzir o uso de aquecedores no inverno e o uso de ventiladores ou ar-condicionado no verão. Este é um grande problema durante eventos climáticos extremos, como ondas de calor ou tempestades, que podem ter consequências graves para a saúde dos idosos em casa. Por sua vez, a infraestrutura de saúde pública é testada à medida que mais pessoas precisam ver seu médico ou precisam de tratamento de emergência.
Outro problema esquecido é a conexão entre a pobreza energética e a insegurança alimentar. Com uma renda limitada de aposentadoria por idade, as famílias vulneráveis podem ter que escolher entre aquecimento ou alimentação saudável.
Identificamos três motivos. Primeiro, eles tentam comprar os alimentos mais baratos, geralmente não saudáveis. Em segundo lugar, eles compram alimentos que são facilmente preparados, que geralmente são mais processados, para evitar o uso de eletricidade ou gás para cozinhar. E o terceiro é a necessidade de obter alimentos de instituições de caridade e bancos de alimentos que, em muitos casos, são alimentos indesejados por outras pessoas.
‘Desde que a Covid chegou, tudo subiu, subiu, subiu’
Muitos dos entrevistados entre fevereiro e dezembro de 2020 confirmaram que suas contas aumentaram durante os lockdowns da Covid. Isso incluiu Vania, 67, que teve dificuldade em vincular suas contas mais altas ao aumento do consumo.
Esta questão da alfabetização energética e capacidade de se engajar com o mercado de energia foi recorrente nas entrevistas. Ela nos contou:
“Acho que desde que a Covid começou, tudo subiu, subiu, subiu. Eu não entendo o que a conta [diz]. Por que estão [as contas de energia], sabe, subindo tanto? Não faz sentido para mim.”
Anthony, 69, mudou seu estilo de vida drasticamente em resposta à Covid.
“Saía pra comer fora, toda refeição quente eu comia fora. E a partir de março, toda refeição quente eu estava comendo em casa. Eu ficava fora de casa uma hora por semana em março, abril, maio e junho. Eu ficava em casa 167 horas por semana.”
Seu consumo de energia aumentou significativamente, apesar de tentar minimizar o uso. Por exemplo, para compensar um aumento de 15-50% no uso de energia para aquecimento, refrigeração e cozimento, Anthony reduziu o consumo de água quente em cerca de 12%, tomando menos banho.
Seus registros extremamente precisos nos gráficos abaixo mostram o consumo para diferentes usos (ele tinha medidores separados) antes e durante a pandemia no verão, outono e inverno.
Uma boa qualidade de vida para os aposentados
A pobreza energética é um problema complexo e multifacetado sem uma solução única e fácil.
Precisamos defender o aumento das pensões do governo que garantam uma boa qualidade de vida para os aposentados, que garanta que os aposentados não vivam abaixo da linha da pobreza após a dedução dos custos de moradia e energia.
Esquemas governamentais para reformar casas existentes com melhor eficiência energética também são urgentemente necessários. Isso poderia ser através da instalação de painéis solares ou retrofit de vidros secundários para isolamento.
Existem também muitas maneiras de reduzir os custos de energia para os idosos que podem estar gastando quantias desnecessárias.
Em primeiro lugar, reduzir a papelada confusa para que as famílias de baixa renda mais velhas possam ter acesso a descontos em substituições de eletrodomésticos. A gama de aparelhos deve incluir aquecedores e refrigeradores portáteis.
Em segundo lugar, uma taxa única baixa e justa para famílias de baixa renda em todos os varejistas de energia deve ser estabelecida, para garantir que estejam no melhor esquema de energia possível. Não deve depender da alfabetização energética de um indivíduo.
E, finalmente, o treinamento de alfabetização energética online e offline entre famílias mais velhas de baixa renda por meio de eventos e organizações de centros comunitários, como o Council on the Aging (COTA) NSW seria benéfico.
- Sara Wilkinson é professora, School of the Built Environment, University of Technology Sydney
- Alan Morris é professor, Institute of Public Policy and Governance, University of Technology Sydney
- Caroline Porto Valente é doutoranda – School of Built Environment, University of Technology Sydney
Traduzido por Cezar Xavier