“É urgente parar a transmissão do vírus”, diz cientista em Manaus
Após 13 alertas e inúmeros ataques de opositores, epidemiologista da FioCruz insiste que o lockdown é inevitável em Manaus para impedir o alastramento do colapso no sistema de saúde pelo estado.
Publicado 19/01/2021 20:59 | Editado 19/01/2021 21:33
Embora o absurdo da falta de insumos básicos, como cilindros de oxigênio hospitalar, cause comoção e revolta, o epidemiologista da FioCruz/Amazônia, Jesem Orellana, alerta que não se fala da necessidade urgente de parar a transmissão do vírus.
“As pessoas não querem entender que o problema do Amazonas não é falta de oxigênio. A gente precisa interromper a transmissão comunitária do coronavírus”, disse ele. Para ele, a falta de insumos nos hospitais se deve à alta taxa de contágios, e obter os insumos apenas retarda a morte dos pacientes.
Ele explica que, enquanto a população estiver sendo infectada nos bairros e nos comércios, vai continuar adoecendo gente, aumentando a demanda por leito hospitalar e as mortes. “Não é o balão de oxigênio que vai resolver. O cilindro só vai prorrogar a vida por mais 10 dias”. Manaus também vive um recorde de doentes que morrem em suas casas por falta de leitos hospitalares, um cenário que lembra o colapso funerário do Equador, no início da pandemia.
Orellana também criticou a divulgação de um estudo segundo o qual Manaus poderia ter atingido a imunidade de rebanho. E afirmou que uma nova cepa do coronavírus, identificada em turistas japoneses após viagem à Amazônia, é a explicação mais plausível para a explosão atual de casos.
“Essa disseminação que estamos vendo num contexto em que pelo menos 30% a 40% da população já tinha sido exposta ao coronavírus só pode ser porque essa nova cepa se propaga muito mais rapidamente que todas as 11 variantes que circularam antes na região”, explicou.
Alertas e ataques bolsonaristas
Orellana começou a dar alertas sobre o risco de colapso do sistema hospitalar ainda em 2020 e afirma ter sido ignorado. Com esta situação dramática, Orellana defende que o governo tem que mandar testes rápidos, isolar as pessoas, enviar médicos e enfermeiros para cuidar e orientar a população.
E fazer o lockdown, a medida mais severa de quarentena, que sofre enorme resistência por setores de classe média que querem manter seus negócios funcionando. “Ninguém tem relatos de situações tão trágicas como de Manaus. É uma monstruosidade. O governo teve a coragem de cancelar o lockdown”.
O epidemiologista diz estar exausto e decepcionado, considerando que é possível encontrar inúmeros ataques a ele nas redes sociais, devido a seus alertas, como se eles fossem culpados pela crise sanitária do Estado. O epidemiologista foi um dos mais contundentes ao descrever o que chamou de “câmaras de asfixia” que se tornaram os leitos de hospitais. “Essa é uma das maiores tragédias recentes da história da saúde pública mundial”, chegou a definir ele.
Tendo alertado os gestores antecipando os riscos por 13 vezes, desde agosto, ele se espanta com a omissão dos governos federal e estadual, e da prefeitura para resolver o problema. “Tem que chegar alguém de outro planeta para administrar a saúde.”
Além disso, as notícias de mortes no interior do Amazonas por colapso do sistema de saúde continuam chegando. Morreram sete asfixiados de uma vez só no Hospital Regional de Coari (interior do AM) porque o governo estadual errou o cronograma de envio de oxigênio. “É uma tragédia atrás da outra. Um efeito cascata”.
Com entrevistas de O Globo e do Estado de S. Paulo