Estados podem se antecipar a governo na vacinação, diz especialista
Apesar de o governo ter prometido distribuir vacinas de forma simultânea para todo Brasil, não há data fixada para início da imunização.
Publicado 29/12/2020 10:37 | Editado 29/12/2020 12:41
Em entrevista para a TV Brasil, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse que todos os estados brasileiros receberão a vacina simultaneamente: “Independente da quantidade, ela será distribuída igualitariamente dentro da proporcionalidade” de cada unidade da Federação, garantiu.
Apesar da promessa, o governo ainda não tem uma data fixada para o início da vacinação no Brasil. Segundo o ministro, a imunização deve começar no final de janeiro e início de fevereiro, atendendo primeiro grupos prioritários.
Para Daniel Dourado, médico e especialista em direito sanitário, a proposta seria “adequada” se o governo “tivesse um plano nacional organizado”.
“O ministério tem esse papel de coordenar, de articular a interação entre governo federal, estados e municípios”, disse o pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP.
Declarações não bastam
Ao mesmo tempo, ele ressalta que a declaração de Pazuello e a vontade do governo não bastam para que a vacinação comece de forma simultânea em todo o Brasil.
“Apesar de a intenção ser adequada, isso não impede que estados comprem vacinas por conta própria. O ministro está falando de vacinas que o governo comprará uma quantidade e vai distribuir. Idealmente, com um plano nacional organizado, isso seria coordenado com os estados, para que o ministério coordenasse da ponta até a distribuição para os municípios, com os estados cuidando da parte da logística”, disse Dourado.
Por enquanto o governo ainda não estabeleceu uma data para o início da imunização da população. Daniel Dourado diz que, apesar das declarações do ministro, não existe uma coordenação e um plano nacional de imunização por parte do governo federal.
“Na prática, isso não está acontecendo. Os estados estão fazendo contratos diretos para comprar. Como não há articulação política, não há garantia de que não vai ter estado começando a vacinação antes. A partir do momento em que a Anvisa registrar, os estados podem começar a comprar e distribuir, independentemente do Plano Nacional de Imunização [PNI]”, disse o médico, que também é pesquisador do Institut Droit et Santé da Universidade de Paris.
Brasil tem experiência em distribuição
Até o momento, não há nenhuma vacina registrada junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo o vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Guilherme Werneck, a declaração de Pazuello é, em certo sentido, positiva, pois demonstraria a preocupação do governo em coordenar a distribuição da vacina.
Ele ressalta que o Plano Nacional de Imunização “tem quase 40 anos e experiência com imunização de cerca de 19 vacinas”.
“Esse processo de distribuição para os estados já é feito habitualmente pelo Plano Nacional de Imunização, que faz isso todo ano e para todas as campanhas, e já tem tem sua forma de disseminar as vacinas de uma forma que atenda ao interesse da população, sem gerar desigualdade”, disse à Sputnik Brasil o vice-presidente da Abrasco.
Para Werneck, se cada estado “coordenar a vacinação por conta própria, pode dar um problema danado”. Nesse sentido, ele diz que “o problema é ter o insumo, e isso a gente não tem”.
Registro na Anvisa
Nesta segunda-feira (28), o presidente Jair Bolsonaro cobrou de fabricantes de vacina a formalização de um pedido para registro no país.
“O Brasil tem 210 milhões de habitantes. Um mercado consumidor, de qualquer coisa, enorme. Os laboratórios não tinham que estar interessados em vender para a gente? Por que eles, então, não apresentam documentação na Anvisa?”, afirmou o chefe de Estado.
‘Cobrir sol com peneira’
Para Guilherme Werneck, realmente existe uma “desigualdade” na distribuição da vacina globalmente, mas a pergunta de Bolsonaro é uma “falácia”.
“Foi um erro de o governo ter apostado todas as suas fichas, ou quase todas, em uma única vacina”, disse o professor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ).
O Brasil, até o momento, por meio de acordo com a Fiocruz, tem contrato assinado com o laboratório AstraZeneca, que produz vacina em parceria com a universidade de Oxford.
“O acordo foi bem feito, a Fiocruz é competente e vai ser capaz de produzir a vacina, desde que ela seja liberada. Mas só fizemos esse. Isso é motivo de preocupação. Podíamos ter feito acordo com a Pfizer, mesmo que pequena quantidade de doses, e iniciar vacinação de grupos prioritários. O argumento do presidente tenta cobrir o sol com a peneira. Cabe ao governo fazer um acordo com as empresas, que então apresentam um relatório e buscam o registro de acordo com a legislação de cada país”, criticou o vice-presidente da Abrasco.
Fonte: Sputnik Brasil