Senado retira destaques inconstitucionais da regulamentação do Fundeb
Emendas aprovadas na Câmara dos Deputados previam a destinação de parte dos recursos do fundo para escolas privadas; José Marcelino de Rezende Pinto afirma que medida é inconstitucional
Publicado 17/12/2020 19:47
O projeto de lei (PL) que regulamenta o novo Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica, o Fundeb, foi aprovado no Senado na última terça-feira (15). O texto, que havia recebido diversas emendas na Câmara dos Deputados, teve seu conteúdo original retomado. Alguns dos destaques vinham sofrendo severas críticas, por exemplo, o que previa a destinação de parte dos recursos do fundo para escolas privadas. A medida, segundo o professor José Marcelino de Rezende Pinto, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, seria inconstitucional.
“Hoje só é permitido recurso para a iniciativa privada na educação infantil e especial, que são áreas para as quais o poder público ainda não consegue oferecer uma estrutura adequada. A Constituição é muito clara, só é permitida destinação de recursos públicos para instituição privada quando houver falta de vagas”, explica o professor.
Em nota técnica emitida dias após a aprovação dos destaques na Câmara, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a Fineduca criticaram a medida e reiteraram que não há falta de vagas nos ensinos fundamental e médio públicos. De acordo com dados do censo escolar, as matrículas de Estados e municípios nessas categorias caíram de 36,2 milhões, em 2007, para 28,1 milhões, em 2019. O que, segundo as instituições, comprovaria que o sistema público tem condições para incorporar, por si só, eventuais aumentos de demanda.
Criticado na Câmara, corrigido no Senado
O destaque aprovado na Câmara dos Deputados, que possibilitava a distribuição de recursos para instituições privadas, representava uma perda de R$ 15,9 bilhões para as escolas públicas. O que, de acordo com Rezende Pinto, “além de piorar o ensino estatal”, resultaria em uma grande perda de eficiência: “Às vezes as pessoas acham que escola privada é sempre boa, mas elas são muito heterogêneas. As escolas privadas que atendem à elite não querem esse recurso, quem está atrás desse dinheiro são as instituições com baixos indicativos de qualidade, até porque a quantia é baixa”.
Além de instituições filantrópicas, confessionais e comunitárias privadas, o texto previa que poderiam receber recursos iniciativas de educação profissionalizante, como o “Sistema S”, responsável por Senai, Senac e outros. Contudo, a categoria já é em parte sustentada por recursos públicos: recebe cerca de R$ 21 bilhões anuais.
E, apesar do aporte estatal e da cobrança de mensalidade, o “Sistema S” seria menos eficiente que o setor público na oferta de educação profissional. Dados do Censo Escolar apontam que em 2019 a iniciativa atendia 1,7 mil alunos no ensino médio profissional integrado e 196 mil no ensino médio profissional concomitante ou subsequente. Enquanto isso, a rede estadual atendia 359 mil, na primeira modalidade, e 344 mil, na segunda.
Outro destaque polêmico retirado pelo Senado flexibilizava a definição de profissional da educação. A emenda incluía pessoal de áreas técnicas, administrativas, terceirizados e integrantes de equipes multiprofissionais, que trabalhassem nas redes de ensino básico. A medida colocava em risco um dos maiores avanços da Emenda Constitucional (EC) nº 108/2020, que estabelecia que no mínimo 70% dos recursos do Fundeb deveriam ser utilizados para o pagamento de profissionais da educação.
Saldo positivo
Após ter seu texto original retomado no Senado, agora o PL retorna à Câmara dos Deputados, onde será mais uma vez debatido. A regulamentação da EC do Fundeb estabelece no Brasil uma política permanente de complementação dos investimentos em educação. “Isso garante estabilidade para as carreiras; como era uma coisa transitória [a complementação do investimento], muitas vezes os prefeitos e governadores não aumentavam os salários dos professores com a desculpa de que o Fundeb poderia acabar”, aponta o especialista.
Outros avanços trazidos pelo projeto são a constitucionalização do Custo Aluno-Qualidade e o aumento do repasse da União para o fundo. O primeiro define um investimento mínimo por aluno para que se garanta a qualidade da educação, já o segundo representa uma transição gradual do valor cedido pelo governo federal — a contribuição passará de 10% para 23%.
Além do aumento, Rezende Pinto afirma que também houve avanços na distribuição desse recurso: “É um sistema mais igualitário, porque municípios de Estados considerados ricos passarão a receber complementação também”.
Edição de entrevista à Rádio USP