Só o Senado Federal pode salvar o Fundeb

Deputados e deputadas desviaram R$ 15,9 bilhões das escolas públicas para estabelecimentos confessionais, filantrópicos e Sistema S

Foto: EBC

Em agosto desse ano, o Congresso Nacional promulgou a Emenda à Constituição 108/2020. Mesmo diante do bolsonarismo e da agenda ultraliberal, a educação pública conquistou mais do que o dobro de participação da União nos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Essa vitória, contudo, está em risco na regulamentação da matéria.

Além de mais recursos, ingressou na Constituição Federal o mecanismo do Custo Aluno-Qualidade (CAQ), criado e desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. O CAQ determina que toda escola pública tenha profissionais da educação bem remunerados e com política de carreira, número adequado de alunos por turma, acessibilidade, biblioteca, laboratórios de ciências, laboratórios de mídias, internet banda larga, wi-fi, quadra poliesportiva coberta, alimentação nutritiva, transporte escolar digno, água potável, saneamento básico e acesso à luz elétrica. Esse é o melhor destino para os recursos do Fundeb.

Ainda que tardio, trata-se de um passo decisivo para o cumprimento do primeiro princípio do ensino inscrito no art. 206 da CF/1988: “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. Quando o CAQ for materializado, educadoras e educadores terão condições de ensinar e estudantes terão mais condições de aprender.

Esse era o caminho consensual até a regulamentação da matéria pela Câmara dos Deputados. Segundo nota técnica produzida pela Fineduca e pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, na quinta-feira 10, deputados e deputadas desviaram 15,9 bilhões de reais das escolas públicas para estabelecimentos confessionais, filantrópicos e Sistema S. Apenas as redes públicas do Estado de São Paulo devem perder 3,7 bilhões.

Em 2019, conforme análise de dados da Receita Federal produzida por João Marcelo Borges (FGV), concluiu-se que as entidades filantrópicas e confessionais receberam 6,37 bilhões de dinheiro público para atividades educacionais. Também em 2019 o Sistema S recebeu cerca de R$ 21 bilhões. Portanto, ao enriquecer em 15,9 bilhões esses estabelecimentos, desviando dinheiro do financiamento adequado das escolas públicas, a Câmara dos Deputados promoveu o desperdício, a ineficiência e a ineficácia.

Em 1959, Anísio Teixeira liderou o manifesto dos “Educadores mais uma vez convocados”, cujo ativista mais decisivo foi Florestan Fernandes – líder da “Campanha em Defesa da Escola Pública”. O objetivo era evitar o escoamento de recursos públicos para estabelecimentos confessionais, filantrópicos e demais unidades escolares privadas. Naquela época o Brasil debatia a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, aprovada em 1961. Ali foi a tragédia.

Agora vem a farsa: a deliberação da Câmara dos Deputados é equivocada e inconstitucional. Da forma como foi aprovada pela Casa, a transferência de recursos para o setor privado no Ensino Fundamental e no Ensino Médio é vedada pelo art. 213 da CF/1988.

Cabe agora ao Senado Federal salvar o Fundeb, corrigindo sua regulamentação. Caso contrário, já é inevitável a judicialização da matéria.

Fonte: Carta Capital

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