Flávio Dino vê resultado eleitoral melhor onde há “novidade e ousadia”
O governador do Maranhão analisou o resultado eleitoral reafirmando duas lições observadas na disputa municipal deste ano. A política tradicional se sobrepondo à aventura apolítica de Jair Bolsonaro, e resultados melhores para o campo progressista onde houve inovação, ousadia, imaginação e novas abordagens.
Publicado 10/12/2020 21:34 | Editado 10/12/2020 22:10
Em entrevista à equipe do portal Vermelho, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), falou sobre o cenário nacional e as perspectivas do Brasil, fazendo uma retrospectiva do ano de 2020 e seus desafios.
No debate político, ele comentou o resultado eleitoral, o modo como o sistema eleitoral converge para a concentração partidária, a vitória da oposição na capital maranhense e, até, a disponibilidade para “reencantar o eleitorado nacional” em 2022.
Ele analisou o resultado eleitoral reafirmando duas lições observadas na disputa municipal deste ano. A política tradicional se sobrepondo à aventura apolítica de Jair Bolsonaro, e resultados melhores para o campo progressista onde houve inovação, ousadia, imaginação e novas abordagens.
Antes da eleição, Flávio Dino já destacava que este ano teria desdobramentos importantes para o Brasil. Ficou demonstrado a importância das alianças, em especial no segundo turno, que viabilizaram e se confirmou a derrota do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido). Com isso, reafirmou-se a importância da política e da ampla união que se formou para a vitória das forças democráticas.
Em sua opinião, a dinâmica natural da sociedade mostrou que tivemos alterações em relação a 2018, marcadamente no aspecto das alternativas “às vezes, exóticas, às vezes, anedóticas e caricatas”, que se pretendem externas à politica e não encontraram ressonância desta vez. “Como se houvesse um movimento pendular, em que o pêndulo foi até a extrema direita, em 2018, e, agora, voltou um pouco para a posição que nós, particularmente, desejamos. Não chegou até onde desejamos, mas, sem dúvida, o extremismo de direita não conseguiu se consolidar e se enraizar nos municípios”, pondera.
O governador tem clareza de que não houve uma vitória do pensamento progressista, popular, de esquerda, nem resultados muito expressivos. “Ainda que não haja terra arrasada, por outro lado é evidente que a direita conservadora e tradicional teve um desempenho melhor. Creio que é algo temporário, não é definitivo, mas precisamos enfatizar que, para que possamos retomar território, influência social e obter vitórias eleitorais, movimentos sectários, isolacionistas, insulados, não obtém um proveito maior”, recomendou.
Conforme analisou ele, há duas vias para a esquerda: uma via de acúmulo mais lento, “em que cada um tenta mais ou menos o seu caminho e há uma maior rigidez”; ou “uma tática política mais criativa e inovadora, capaz de gerar novos engenhos, novas articulações, novas interlocuções”, para ter uma via de reacumulação mais rápida de forças no campo popular.
“Onde conseguimos esse caráter inovador e imaginativo, tivemos resultados melhores”, afirmou, referindo-se, por exemplo, à candidatura da Manuela D´Ávila (PCdoB) em Porto Alegre, e a candidatura de Guilherme Boulos (PSOL), em São Paulo. “Mostrando que o campo progressista pode, sim, ter a influência, mas, não como mais do mesmo, mas com dinamismo, capacidade de ousar criar e apresentar novas abordagens”, disse, resumindo que “parou de piorar, melhorou um pouco, podemos melhorar mais”.
Forças centrípetas contra os partidos
O governador foi questionado sobre como percebe as mudanças no destino dos partidos, das gestões, ao fim desses dois processos eleitorais em que houve um certo parentesco entre a cláusula de barreira e a proibição de coligações proporcionais. Duas medidas que restringem a capacidade dos partidos menores de se articularem eleitoralmente.
Flávio Dino lembrou a concentração do sistema partidário em dois grandes partidos, durante a ditadura militar, quando foram criados artificialmente por um ato institucional: a Arena e o MDB. No trânsito para a democracia, em sua opinião, houve uma tendência de centrifugação do sistema partidário, ao ponto de haver cerca de 30 partidos organizados com representação no parlamento, atualmente.
“No momento que estamos atravessando, estas forças centrífugas foram sobrepujadas por forças centrípetas, com um estreitamento do quadro partidário”, compara. Para ele, três aspectos definem este quadro: o fim de coligações, a cláusula de barreira e a concentração de dinheiro do financiamento público e tempo de televisão nos partidos que já são grandes, tudo convergindo para reduzir o número de partidos.
“Costuma-se analisar que o resultado eleitoral mostrou uma direita tradicional mais forte, como se fosse algo puramente ideológico. Mas é material também”, enfatiza ele. Não se pode esquecer, que a concentração de meios leva também a resultados eleitorais melhores. “Esse é um quadro bastante desafiador, porque vai gerar essas mudanças partidárias em 2021, com bastante intensidade, seja por fusões, incorporações, novas filiações, como também pela eventual criação das chamadas federações partidárias”, prevê ele.
Na visão dele, hoje, os partidos políticos estão divididos em dois blocos, “quase meio a meio”, dos que tendem a atingir a cláusula de barreira e aqueles que terão mais dificuldades. “Isso me faz crer, que há, sim, possibilidade de debate no Congresso para a criação de federações em nível legal, ou a criação de federações políticas ou frentes políticas asseguradas por estatuto, como temos exemplos internacionais. São duas possibilidades que estão colocadas nitidamente no horizonte partidário do Brasil”, reafirma.
Torcida pela derrota
A eleição em São Luís foi enfrentada com o grupo político do governador Flávio Dino dividido em vários candidatos. Articulistas políticos da grande mídia lhe imputaram uma derrota durante a apuração, mas o governador avalia que o resultado no estado é bem diferente da capital.
O Maranhão tem 217 cidades, sendo que o grupo governista levou 180 prefeituras, com apenas 37 cidades onde venceram candidatos de oposição. Flávio considera isso normal, estranhando se não houvesse essa pluralidade no resultado eleitoral, ainda mais considerando o tamanho de sua aliança. Ele elogiou a liderança do PCdoB na aliança, “de entender que, caso se transformasse num partido com algum tipo de prevalência artificial, isso iria gerar tensões internas na aliança, sacrificando o principal”.
“O PCdoB sempre teve muito equilíbrio no gerenciamento e coordenação que nos cabe, hoje, dessa grande aliança de, praticamente, 15 partidos, que governa o Maranhão”, avaliou.
Para ele, a demonstração da vitória dessa aliança está no fato de partidos claramente de oposição, como o PSDB, ter feito apenas quatro prefeitos, ou o MDB, do histórico grupo Sarney, ter feito cinco das 217 prefeituras.
A leitura de derrota se faz pela leitura, a partir de São Luís, em que, efetivamente, o candidato apoiado pelo governador fez 45% dos votos do segundo turno, mas não venceu. Ele explica a derrota por uma única razão: “Alguns partidos do nosso grupo e aliança se desgarraram no segundo turno e foram apoiar o candidato da oposição. O PDT e o DEM municipais optaram por apoiar a oposição, e isso acabou determinando o resultado da eleição”, analisou, considerando que o PCdoB esteve oito anos na Prefeitura com a chapa do governo.
“Ademais, [a análise de derrota] fica mais pela torcida contra, já prospectando cenários nacionais. Mas, as coisas não têm esse automatismo”, disse ele sobre os analistas que o observam com atenção pela liderança que exerce sobre a esquerda. Ele citou exemplos de governadores que apoiaram candidatos nas capitais e não conseguiram eleger. “Em São Paulo, não é possível dizer que o candidato do Dória venceu, pois são apenas do mesmo partido”.
À disposição para o desafio de 2022
Indagado se toparia “reencantar o eleitorado” em 2022, liderando uma ampla aliança, Flávio Dino se mostrou à disposição da tarefa, embora considere cedo para avaliar esse tipo de conjuntura e decidir que papel exercer no ano em que Bolsonaro estará na disputa à reeleição. “Sem dúvida, poderia e poderei cumprir essa tarefa com muita dedicação, compromisso e máximo de capacidade que Deus me dê”.
Mas ele desconversa sobre assumir esse compromisso, desde já. “Não é um intuito pessoal que eu coloque como obsessão, pois isto seguramente seria a negação do meu sistema de crenças. Eu acredito que a história é escrita por processos coletivos, nos quais os indivíduos tem um papel, mas nunca impondo os seus apetites, gostos, desejos, ou eventualmente seus devaneios ou delírios”, pontuou.
Assim, o governador afirmou ser transparente e sereno em relação a este assunto, podendo se candidatar a presidente, vice, senador, deputado “ou a nada”, “Porque minha vida não é ancorada em mandato eletivo. O mandato eletivo é uma consequência de uma visão política de uma atuação que tenho. Vivi a maior parte da minha vida sem mandato. Até os 38 não tive nenhum mandato. Tive dez anos de mandato em 52 anos de vida”, calculou.
Para ele, esta decisão é uma questão de “lealdade com a população”. “Porque acho que o que distingue uma pessoa de esquerda é ter, efetivamente, a capacidade e dimensão do serviço, de empatia, de sentir as dores alheias como suas, celebrar coletivamente a esperança, por isso não fugir a desafios, e ao mesmo tempo saber que não pode subalternizar o interesse de uma nação aos seus interesses pessoais”.
“Então, estou autenticamente à disposição”. E, segundo ele, não é uma disposição inerte, pois ele afirma ter feito movimentos “tentando animar nosso campo político e, sobretudo, reconectá-lo à sociedade, de um modo amplo”. “Porque se for um exercício sectário ou narcisista já sabemos o resultado, que é ineficaz. Não fico me olhando no espelho e me achando a pessoa mais genial do mundo. Acho que a genialidade está em reconhecer e dialogar com as outras genialidades, do povo mais simples e humilde, do movimento social, da juventude, da intelectualidade, da igreja, do empresariado, enfim, de todos os campos sociais”, diz ele, voltando a defender a necessidade de uma frente ampla para além da esquerda.
Para ele, se não for assim, fica muito difícil derrotar esse ciclo de hegemonia conservadora e à direita que se abriu no Brasil a partir, sobretudo, de 2016, com “o inconstitucional impeachment da presidenta Dilma Rousseff”. “O que é preciso é juntar, convergir, conversar. Para espalhar, divergir, brigar já tem muita gente. Tento mostrar que a ação política não é autocentrada, mas diz respeito à sociedade transmitindo confiança, credibilidade, esperança, para recuperar a hegemonia na sociedade”.
Ele terminou dizendo que acredita que, em 2022, há enormes condições do campo progressista vencer as eleições nacionais e “recuperar as condições de fazer mais e melhor em favor do Brasil e dos brasileiros”.