“Grande Reset Mundial”, novo Bretton Woods da aristocracia capitalista

Seria um recurso capaz de formar novas estruturas internacionais para o sistema.

Desde que a aristocracia mundial do capitalismo criou o Acordo de Bretton Woods, assinado por 45 nações em 1944, os mecanismos de controle econômico do sistema continuam praticamente inalterados. O mundo preparava-se para o pós-Segunda Guerra Mundial e uma nova ordem no campo que rivalizava com o socialismo emergente era a base de uma economia que estava sendo submetida à hegemonia dos Estados Unidos.

Agora, depois do rompimento de um aspecto importantes desse Acordo por Washington em 1971, o câmbio fixo, uma nova configuração volta ser cogitada. O abandono pelos Estados Unidos do padrão ouro como lastro do sistema financeiro internacional foi anunciado pelo presidente norte-americano Richard Nixon na noite de 15 de agosto de 1971, um domingo, em rede de televisão. Foi um choque. Por 25 anos, os países capitalistas viveram acreditando que a relação entre o ouro e o dólar era inabalável.

Os Estados Unidos forçaram a desvalorização do dólar para socorrer seus déficits recorrentes na balança de pagamentos. Japão e Alemanha não queriam o câmbio flutuante, pois ostentavam superávit em sua balança de pagamentos por conta das reservas em dólares. Desde então, o mundo capitalista mergulhou numa nova fase de crises, sendo a mais forte delas a desencadeada em 2007-2008.

Agora, a aristocracia mundial capitalista volta a falar em nova ordem, o chamado “Grande Reset Mundial”. No ápice da pandemia de Covid-19, em meados de junho, o Fórum Econômico Mundial (FEM) anunciou em seu site e em um vídeo institucional a “iniciativa The Great Reset”. Não se sabe com exatidão como seriam as mudanças institucionais, mas alguns princípios dessa reestruturação foram revelados pelas as instituições que estão promovendo essas ações.

O site Bitcoin News chegou a comparar tais medidas ao famoso romance distópico de George Orwell, 1984, onde o mundo é dominado por Estados mundiais totalitários, segundo a agência Reuters. As crises financeiras decorrentes da pandemia podem levar o mundo para a maior depressão econômica desde a década de 1930, segundo a organização. O momento seria altamente oportuno para a “reinicialização do capitalismo” e para redigir “um novo contrato social”.

O site diz que “todos os países, dos Estados Unidos à China, devem participar, e todos os setores, desde petróleo e gás até tecnologia, devem ser transformados.” “A pandemia representa uma rara janela de oportunidade para refletir, reimaginar e resetar o mundo”, disse Klaus Schwab, fundador e executivo do FEM.

Outras instituições igualmente importantes também se posicionaram. O Fundo Monetário Internacional (FMI) disse ser necessário um “novo momento Bretton Woods”. O site do Fórum Econômico não mostra medidas concretas, mas conceitos que devem ser discutidos no ano de 2021, com foco nas questões climáticas, na reestruturação do capitalismo e igualdade social.

A crise nos Estados Unidos

As teses soam utópicas, mas as causas que motivam a sua formulação de fato são preocupantes. E parecem estar criando movimentos de reconfiguração da economia mundial. A Câmara de Comércio dos Estados Unidos, por exemplo, disse recentemente que teme que o país esteja sendo deixado para trás depois que 15 economias da região Ásia-Pacífico formaram o maior bloco de livre comércio do mundo, consolidando o papel dominante da China no comércio regional.

A entidade elogiou os benefícios da liberalização comercial da nova Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP, na sigla em inglês), dizendo que os exportadores, trabalhadores e agricultores dos Estados Unidos precisam de maior acesso aos mercados asiáticos. Mas disse que Washington não deveria se juntar ao bloco.

O RCEP cobre 30% da economia global e 30% da população global, juntando pela primeira vez as potências asiáticas China, Japão e Coreia do Sul. O objetivo dos próximos anos é reduzir progressivamente as tarifas em muitas áreas. Ao mesmo tempo, a situação interna nos Estados Unidos segue despertando preocupações.

O presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Jerome Powell, tem repetido a promessa de que a entidade fará tudo que puder para devolver saúde à economia. Segundo ele, o atual salto nos casos de coronavírus é uma grande preocupação para uma recuperação econômica, que ainda tem um “longo caminho a percorrer”.

Powell afirmou que o Fed está comprometido em “usar todas as nossas ferramentas para apoiar a recuperação pelo tempo que for necessário até que o trabalho esteja bem e verdadeiramente feito”. Ainda não é hora de o Fed deixar de lado suas ferramentas emergenciais de empréstimo e é muito cedo para sequer começar a pensar em reduzir sua carteira de títulos, disse ele.

Repetindo o que vem dizendo há meses, Powell afirmou que a economia provavelmente precisa de mais apoio fiscal também. O atual aumento de casos e hospitalizações devido ao novo coronavírus é “uma grande preocupação” porque pode levar pessoas a ter medo de se engajar em atividades econômicas e desacelerar a economia, disse ele. “Com o vírus agora se espalhando em um ritmo rápido, os próximos meses serão muito desafiadores”, diagnosticou, segundo a Reuters.

Mais dívida pública na Europa

Na Europa a situação também segue preocupante. A chamada segunda onda da pandemia de Covid-19 interrompeu o pouco crescimento econômico registrado recentemente e mergulhou a União Europeia em incerteza. A produção de riqueza vai cair 7,4% em 2020, antevendo-se um crescimento de 4,1% em 2021, segundo a Comissão Europeia. A taxa de desemprego deverá aumentar dos 6,7% em 2019 para 7,7% em 2020 e 8,6%, em 2021.

De acordo com o comissário europeu para a Economia, Paolo Gentiloni, a folga dada recentemente foi importante, mas a situação é preocupante. “O resultado negativo deste ano é um pouco melhor do que nossa previsão anterior porque após o primeiro confinamento tivemos uma recuperação econômica muito forte”, disse ele à Euronews. Gentiloni espera que o quadro possa se inverter a partir do momento em que haja uma vacina e que sejam distribuídas as verbas do novo orçamento da União Europeia para 2021 a 2027.

O economista-chefe do Banco Central Europeu (BCE), Philip Lane, disse, por sua vez, que o aumento dos gastos públicos para conter a recessão provocada pela pandemia não tornará os níveis da dívida insustentáveis, mesmo que alguns membros da zona do euro tenham dívidas excessivamente grandes.

Os governos estão operando com déficits recordes este ano para manter suas economias em meio a lockdowns parciais e a dívida pública vai superar 100% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano, com novos pequenos aumentos no próximo ano e em 2022. “Sim, haverá mais dívida pública, mas no contexto de juros muitos baixos, no contexto do ambiente macroeconômico, a avaliação deveria ser de que isso é algo sustentável”, disse Lane à emissora portuguesa RTP, citada pela Reuters. “Não há motivo para acreditar que isso tenha algum tipo de dinâmica intrínseca que nos leve a um retorno das condições de dez anos atrás”, disse Lane, referindo-se à crise da dívida do bloco.

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