Governo Bolsonaro sabia de riscos de apagão no AP, mas não agiu
ONS, Aneel e governo sabiam há dois anos de situação de subestação em Macapá
Publicado 13/11/2020 12:42

Órgãos ligados ao governo federal já sabiam dos riscos relacionados às condições de funcionamento dos equipamentos que entraram em colapso no momento do blecaute que atingiu o Amapá na última semana. Até agora, o fornecimento de energia não foi restabelecido plenamente. Confrontado com documentos do Ministério de Minas e Energia, do Operador Nacional do Sistema (ONS) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o governo Bolsonaro não se pronunciou.
Trata-se dos principais órgãos do setor elétrico – responsáveis por planejar, dar os comandos de operação e fiscalizar o sistema de abastecimento do país. Documentos dessas pastas indicam que a subestação atingida, a SE Macapá, operava no limite da capacidade, há cerca de dois anos. A subestação tampouco tinha condições de religar imediatamente a rede se dependesse de um transformador sobressalente, de “backup” – a indisponibilidade foi reportada ao ONS há 11 meses.
A demora para restabelecer o fornecimento aumentou o desafio do Estado de enfrentar a pandemia. A população é submetida a sistemas de rodízio para receber eletricidade por algumas horas. Nesta quinta-feira (12), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu adiar as eleições para prefeito e vereador na capital.
Um dos documentos, ao qual o jornal Valor Econômico teve acesso, mostra que um dos problemas com a segurança da linha pode ter ocorrido ainda na concepção do projeto. Em 2004, antes da contratação do grupo espanhol Isolux, quando arrematou o projeto em leilão, o Comitê Técnico de Expansão da Transmissão do MME já indicava a necessidade de a SE Macapá ter “três transformadores trifásicos de 230/69/13,8 kV-150 MVA e uma unidade reserva”.
Ou seja, estudos preliminares apontaram a necessidade de instalar quatro grandes transformadores na subestação. Três deles deveriam operar em conjunto para que não houvesse sobrecarga, e o quarto, de backup. O documento do ministério tratava de estudos da Interligação Tucuruí-Macapá-Manaus.
O projeto foi contratado no leilão da Aneel, em 2008. O edital exigiu que a subestação reservasse “espaço” para abrigar quatro transformadores, mas só três deveriam ser adquiridos para “instalação imediata”. Na época do leilão, a Isolux ainda tinha boa reputação no setor de transmissão. Depois, o grupo foi atingido em cheio pela crise na Espanha e a matriz entrou em recuperação judicial, o que afetou os negócios no Brasil.
Em junho de 2018, o ONS, em apresentação relacionada ao Plano de Ação 2018-2020, apontou como “ação não concluída” a alteração do projeto licitado. O objetivo era abrir caminho para a instalação do quarto transformador. No documento, o órgão reconhece, portanto, que essa era de fato uma necessidade da rede local.
Além da vulnerabilidade da rede de transmissão, o Amapá passaria a contar com outra limitação de backup. Neste caso, o suporte viria da geração suplementar de energia. Em 2019, a Aneel autorizou o desligamento de uma usina termelétrica da Eletronorte, UTE Santana, que atendia o Amapá.
A agência considerou que a usina já não era acionada há algum tempo e gerava muitos custos, tanto ao sistema elétrico como um todo quanto para a estatal. A diretoria decidiu, em março de 2019, recomendar a extinção da outorga da usina, que venceria em dezembro de 2024.
Por fim, além de todo o risco assumido desde a idealização do projeto de transmissão que ligou o Amapá ao Sistema Interligado Nacional (SIN), relatórios mais recentes do ONS, relacionados ao acompanhamento mensal da “triagem de ocorrências e perturbações”, apontaram que o operador tomou conhecimento da indisponibilidade do terceiro transformador na SE Macapá no fim do ano passado.
No blecaute da semana passada, houve uma explosão de um transformador que atingiu o segundo em funcionamento naquele momento. A recomposição do sistema de abastecimento não foi possível já que o único transformador de backup, o terceiro, estava em manutenção desde o fim de 2019. Sabendo da situação, o ONS autorizou que a concessionária Gemini Energy (novo nome da Isolux, após a restruturação societária ocorrida em dezembro de 2019) realizasse a troca do equipamento até maio de 2021.
Com informações do Valor Econômico