Os desafios logísticos de uma vacina global
Comprar uma vacina contra o coronavírus para todos na Terra, armazená-la, enviá-la e administrá-la com segurança será difícil e caro
Publicado 10/11/2020 21:22 | Editado 10/11/2020 22:47
Estima-se que 3 bilhões de pessoas em países de baixa renda na África, Ásia e América Latina provavelmente não terão acesso a uma vacina da Covid-19 por anos, após ela estar disponível. Em países pobres, muitas comunidades carecem dos profissionais de saúde necessários para administrar as vacinas, bem como a capacidade de manuseá-las de maneira adequada, mantendo-as extremamente frias.
Como bioeticista que estuda o acesso global a medicamentos essenciais, estou monitorando de perto o que os países ricos, fundações e organizações internacionais estão fazendo sobre este problema.
Covax
A Covid-19 Vaccines Global Access Facility, ou Covax, é um esforço conjunto de 184 países que trabalham com organizações internacionais para possibilitar que pessoas em todos os lugares tenham acesso a um preço barato às vacinas da Covid-19 assim que estiverem disponíveis.
Até agora, a Covax arrecadou cerca de US$ 1,8 bilhão em direção a uma meta inicial de US$ 2 bilhões para cobrir o custo de fabricação e distribuição das vacinas da Covid-19 em todo o mundo.
A meta dessa iniciativa é produzir 2 bilhões de doses até o final de 2021. No entanto, muitos dos países ricos participantes estão fechando seus próprios acordos, além da Covax, para garantir que terão acesso antecipado a uma vacina.
Esses casos de “nacionalismo vacinal” ameaçam minar a Covax e outras tentativas de distribuir equitativamente novas vacinas e tratamentos para Covid-19.
Vários grandes países industrializados – incluindo os EUA e a Rússia – optaram por ficar de fora do acordo. Em vez disso, estão fazendo seus próprios acordos com empresas farmacêuticas.
Unicef
Distribuir vacinas da Covid-19 pode ser tão ou mais difícil do que arranjar dinheiro para pagá-las.
Isso porque as vacinas mais promissoras exigem armazenamento constante e extremamente frio. Especialmente em áreas onde o acesso à eletricidade não é confiável ou não existe, simplesmente não há unidades de saúde suficientes com a capacidade de refrigeração necessária.
Quase 3 bilhões de pessoas em todo o mundo vivem em locais sem o armazenamento com temperatura controlada necessária para uma campanha de imunização em larga escala. A gravidade desse problema dependerá de quais vacinas serão aprovadas, porque nem todas as vacinas em testes clínicos exigem armazenamento nas mesmas temperaturas frias.
Além do mais, não há profissionais de saúde suficientes para administrar as vacinas e é extremamente difícil para muitas pessoas em comunidades pobres viajarem para as clínicas de saúde.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância, uma agência da ONU que fornece ajuda a crianças em todo o mundo, está liderando os planos de distribuição de vacinas da iniciativa Covax. O Unicef já trabalhou com a parceria público-privada chamada Gavi, antiga Aliança Global para Vacinas e Imunizações, no passado para fornecer aos países em desenvolvimento a tecnologia de refrigeração especializada necessária para manter as vacinas geladas.
Além disso, o Unicef pretende armazenar 520 milhões de seringas até o final de 2020, até 1 bilhão de seringas até 2021 e 5 milhões de caixas de descarte de segurança.
Organizações e fundações internacionais
Várias outras organizações internacionais também estão trabalhando para garantir que as pessoas em países de baixa renda tenham acesso a uma vacina da Covid-19 e também a tratamentos.
Em outubro de 2020, o Banco Mundial planejou fornecer US$ 12 bilhões para financiar a aquisição e implantação de vacinas em países de baixa e média renda, como Índia e Nigéria.
Outros bancos regionais de desenvolvimento também desempenham um papel importante, uma vez que a Covax não fornecerá vacinas suficientes para todos no mundo. Por exemplo, na África Subsaariana, apenas 28% dos estabelecimentos de saúde têm acesso a eletricidade confiável, então o Banco Africano de Exportação e Importação tem US$ 3 milhões em subsídios para ajudar as comunidades a adquirir equipamentos e suprimentos. Além disso, o banco está conversando com os Centros Africanos de Controle e Prevenção de Doenças sobre a alocação de US$ 5 bilhões para comprar vacinas da Covid-19.
E o Fundo Global alocou $ 665 milhões dos estimados $ 20 bilhões necessários para vacinar todas as pessoas em todo o mundo. Seu mecanismo de resposta COVID-19 vai melhorar cadeias de abastecimento para distribuição de vacinas e sistemas de saúde em geral.
Outras organizações com vasta experiência em campanhas de vacinação também estão se preparando para ajudar.
Por exemplo, a Iniciativa Global de Erradicação da Pólio está fornecendo funcionários treinados para fazer vigilância da poliomielite para testar as águas residuais para Covid-19, distribuir máscaras e desinfetantes para as mãos e realizar rastreamento de contato. Quando uma vacina estiver disponível, esse grupo de pólio provavelmente também ajudará.
As fundações, especialmente a Fundação Bill e Melinda Gates, também estão desempenhando um papel.
A Fundação Gates está se unindo à GAVI e ao Serum Institute of India para acelerar a fabricação da vacina da Covid-19.
As vacinas serão vendidas por não mais do que US$ 3 a dose para 92 países de baixa e média renda, incluindo Brasil, Chile, Cingapura e África do Sul.
Em 1999, a Fundação Gates prometeu US$ 750 milhões para lançar a Gavi e doou US$ 4 bilhões à organização até o momento. No 2020 Global Vaccine Summit, uma reunião virtual organizada pelo Reino Unido, a Fundação Gates prometeu gastar US$ 1,6 bilhão para vacinar 300 milhões de crianças contra várias doenças, incluindo Covid-19 assim que as vacinas estiverem disponíveis.
A Fundação Gates também está participando de um esforço conjunto com a Organização Mundial da Saúde e várias outras organizações internacionais para pagar 100 milhões de testes de diagnóstico rápido de antígenos disponíveis em países de baixa e média renda – onde custam US$ 5 ou menos.
Da mesma forma, muitos outros esforços filantrópicos estão em andamento em conjunto com empresas e agências internacionais.
O Wellcome Trust, por exemplo, em parceria com a Gates Foundation e Mastercard, financiou o Covid-19 Therapeutic Accelerator uma aliança de pesquisa para desenvolver novos tratamentos e testes para Covid-19.
Em minha opinião, esses esforços são tão importantes quanto os esforços para desenvolver, fabricar e distribuir novas vacinas. Afinal, se nenhuma vacina segura e eficaz surgir, o teste, o rastreamento, o equipamento de proteção individual e os tratamentos continuarão sendo essenciais para combater a pandemia e salvar milhões de vidas em todo o mundo.
Nicole Hassoun é professora de Filosofia na Universidade Binghamton do Estado de Nova York
Traduzido por Cezar Xavier