Crise de índices inflacionários e cambial acentuam economia instável
Segundo Paulo Feldmann, professor da FEA, há um novo fato no quadro econômico: exportadores brasileiros canalizam dólar para outros países com maiores taxas de remuneração
Publicado 23/10/2020 20:08 | Editado 23/10/2020 20:33
O professor Paulo Feldmann, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, comentou nesta sexta (23) o desempenho do Real e o crescimento da inflação em 2020. Sobre a alta do dólar, ele explica que tradicionalmente, tanto no Brasil quanto em outros países da América Latina, quando o país passa por uma instabilidade política, ou não se acredita nas propostas do governo, a moeda reflete isso.
“Em um quadro instável, de desvalorização do Real, há uma procura muito grande pelo dólar e uma desorganização do real. Um dos componentes dessa crise é esse: pessoas querem proteger seu capital e não há alternativas, nem renda fixa, com juros muito baixos, imóveis sem liquidez ou ações sem confiança no futuro do país”, aponta.
De acordo com ele, há um fato novo a ser observado. Como o Brasil é um grande exportador de commodities, um grande número de dólar entrava no País. “Era um quadro muito bom, porque muita moeda entrava e fortalecia o real. Agora, a exportação de commodities continua com a China comprando muita soja, milho e carne, porém, esse dólar não entra no Brasil, pois os exportadores canalizam a moeda estrangeira para outros países, onde as taxas de remuneração e juros são maiores”, explica.
Para ele, é provável que o governo tome alguma medida para que o dólar permaneça no País. “Isso vai continuar se o governo não fizer alguma coisa para obrigar o exportador a manter o dólar no Brasil. É provável que aconteça, pois é um fenômeno novo para o qual o governo não estava preparado”, apostou. Ele explica também que como o Brasil importa muitos produtos industrializados, as reservas nacionais que eram altas nos governos anteriores, em torno de US$ 370 bi, estão minguando a cada semana.
IPCA ou IGP-M
O outro componente importante para a subida do dólar que Feldmann aborda é a discrepância entre os índices inflacionários: o Índice de Preços para o Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), no momento, apresentam resultados muito diferentes devido a diferenças metodológicas.
O índice da FGV mostra uma inflação entre 18% e 20% ao ano, ao passo que o IPCA não passa dos 3%. Segundo o professor, há um medo de que o IPCA não esteja medindo corretamente a inflação e é, portanto, mais uma razão para que as pessoas queiram proteger seu “rico dinheirinho”. “Isso é um fato importante para essa subida do dólar. Para minhas contas, eu levo em conta o IGP-M, pois acho mais realista”, acrescenta.
O IPCA sempre foi usado, mas o mercado tem deixado de usar, já que chama a atenção a discrepância entre os índices. “O IPCA leva em conta principalmente alimentos, mas considera uma grande cesta, com mais de 300 tipos diferentes de alimentos, o que acaba sendo um problema, pois muitos não fazem parte da refeição do brasileiro”, aponta Feldmann. “Já o IGP-M leva em conta principalmente os alimentos essenciais para a população, além do fato de que leva em conta toda a cadeia de valores do mercado”, diz ele, mencionando o atacado, os serviços e os valores industriais.
O IPCA também não registra o preço dos aluguéis que, segundo o professor, também tem subido muito, e o IGP-M registra. “Muitas coisas preocupam, como produtos importados, cuja base principal é o dólar. Isso o IPCA também não leva em conta”, completa, mencionando na “cesta básica” brasileira, o celular, o computador, a televisão, entre outros, que também diferenciam o IPCA do IGP-M.
“Hoje, infelizmente, importamos muitos produtos industrializados, já que a nossa indústria foi literalmente destruída e não consegue suprir as necessidades, pois importamos quase tudo. E não temos dólar suficiente para pagar tudo isso”, afirmou.
Ele ainda mencionou a “birra” recente do presidente Bolsonaro com a vacina chinesa, que não vai comprar porque é comunista. “A birra é só com a vacina, porque quase tudo que importamos é chinês: brinquedos, eletrônicos, calçados, inclusive os insumos de outras vacinas, como também para remédios são chineses”, completou.
Transcrição da Rádio USP