EUA atuam para afastar China, mas há muito em jogo na questão da 5G
Em novo movimento para afastar a gigante tecnológica Huawei do fornecimento de componentes, Estados Unidos oferecem crédito às operadoras brasileiras.
Publicado 21/10/2020 16:46
Em mais um movimento para afastar a China do fornecimento de componentes para a rede 5G no Brasil, os Estados Unidos decidiram oferecer crédito de agências oficiais norte-americanas para que as empresas brasileiras de telecomunicações comprem equipamentos de concorrentes da gigante chinesa Huawei. O investimento pesado para tirar a Huawei da jogada é parte de uma guerra por hegemonia, na avaliação de Victor Young, pesquisador doutor do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais da Unicamp.
O pesquisador afirma que, por trás do argumento dos norte-americanos de risco de espionagem da China sobre outras nações, está uma disputa comercial e geopolítica. “Dado esse movimento que a China vem realizando, de buscar ser a maior potência do mundo, os Estados Unidos estão se contrapondo. Eu vejo esse impedimento com relação a essa área de telecomunicações, que é estratégica, é muito sensível, no sentido de conter esse movimento da China”, afirma, ressaltando que, caso o objetivo fosse de fato proteger a segurança da informação, outras medidas poderiam ser adotadas.
“O próprio governo norte-americano, que faz essas alegações, poderia apresentar provas. Poderiam chamar um corpo técnico imparcial, com membros não só de dentro do governo dos Estados Unidos, mas de outros países. Poderia ser criado algum tipo de grupo de consulta internacional para controlar isso. Só que eles [Estados Unidos] não fariam isso, porque eles também se utilizam desses meios para espionar outros países”, destaca Victor Young.
O pesquisador afirma que a questão da espionagem não é necessariamente uma alegação falsa dos EUA. “Eu não duvido que a China faça. Eles têm infraestrutura para isso. Como todas essas grandes potências têm. Mas a China não é um aliado dos Estados Unidos, militar, político, como o Reino Unido, Austrália, Canadá. É um parceiro econômico. Eles vêm se tornando uma grande potência econômica, crescendo também militarmente”, diz.
Com relação às chances de sucesso da intervenção dos EUA junto ao governo brasileiro e, agora, direcionada às teles, Young acredita que ainda é cedo para prever o que vai acontecer. Segundo matéria publicada nesta quarta-feira (21) na Folha de S.Paulo, operações de crédito serão ofertadas às empresas brasileiras pelo U.S. International Development Finance Corporation (DFC, instituição estatal criada pelo governo Donald Trump para dar suporte a objetivos geopolíticos estratégicos) e possivelmente também pelo Banco de Exportação e Importação dos EUA (Exim Bank).
No entanto, Victor Young destaca que a China é bastante competitiva, tanto em termos de tecnologia quanto de preço. Citando informações de bastidores, a Folha destaca que os próprios representantes do setor de comunicações não consideram atraente a possibilidade de tomar empréstimo para adquirir componentes das concorrentes da Huawei.
A maior parte da rede atual do Brasil, de internet 4G, usa componentes da gigante chinesa. Para fazer a transição para o 5G, seria necessário trocar esses equipamentos, algo que custaria muito caro. Os custos de fazer a transição foram destacados recentemente em entrevista por Sun Baocheng, presidente da Huawei Brasil, também em entrevista à Folha de S. Paulo.
Além de repercutir mal junto às teles, uma decisão brasileira de banir ou restringir a participação da Huawei no mercado 5G poderia ter consequências também para o agronegócio, uma das bases de sustentação do governo Bolsonaro e que tem nos chineses seus principais compradores.
Embora exista pressão de setores mais ideológicos por um alinhamento a Donald Trump, uma ala mais pragmática, que inclui a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o vice-presidente Hamilton Mourão, acredita que o país não pode se arriscar a desagradar um parceiro comercial como a China.
“O superávit comercial do Brasil com a China é, de longe, maior que com qualquer outra região. A gente tem um grupo de interesses bastante preocupado com esse possível distanciamento em relação a China. A relação entre os dois países pode piorar se o Brasil restringir a 5G, como fez o Reino Unido? Sim, provavelmente. No ano que vem, a China vai fazer seu novo plano quinquenal e isso inclui as compras para garantir a segurança alimentar. No caso da soja, a Argentina também vende e os próprios Estados Unidos, por mais contraditório que pareça, vendem para a China”, diz Victor Young.
Para o pesquisador, o governo brasileiro aguardará pelo menos o resultado da eleição nos Estados Unidos antes de decidir. “Acho que, por mais vontade que o pessoal da ala ideológica tenha [de se alinhar a Trump], eles estão em compasso de espera. O Joe Biden não vai ser condescendente com o avanço da China, mas não será tão contundente quanto o Trump”, analisa.