Por que LGBT não aceitam pedido de desculpas do ministro da Educação?
Ao ter que responder por homofobia no Supremo Tribunal Federal (STF) e na Polícia Federal, o ministro Milton Ribeiro pede desculpas por ter discriminado a população LGBT, baseado em preconceitos. Crime de homofobia, assim como racismo, é irretratável.
Publicado 07/10/2020 23:54 | Editado 08/10/2020 00:42
Horas depois de o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de um inquérito contra o ministro da Educação, Milton Ribeiro, por homotransfobia, o representante do governo Bolsonaro fez, em rede social, um pedido de desculpas por ter ofendido a população LGBT.
“Por fim, diante de meus valores cristãos, registro minhas sinceras desculpas àqueles que se sentiram ofendidos e afirmo meu respeito a todo cidadão brasileiro, qual seja sua orientação sexual, posição política ou religiosa”. Foi como o ministro concluiu suas justificativas de que sua fala em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo “foi interpretada de modo descontextualizado”.
A base para o pedido da PGR foram as declarações do ministro na entrevista, ao ser provocada por, pelo menos, três peças de denúncia vindas de organizações da sociedade civil, representantes da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, queers, intersexos, assexual, entre outros (LGBTQIA+).
O presidente da Aliança Nacional LGBT, Toni Reis, em entrevista ao portal Vermelho, disse que a comunidade se sentiu “profundamente ofendida”. “Ele não pode generalizar que todas as famílias de LGBTQI+ são desajustadas. É um discurso generalizante, opressivo e discriminatório vindo de uma pessoa que tem um poder muito grande de influência”, disse ele, que representa uma das entidades que entrou com notícia crime contra o ministro.
“Os valores dele como pastor, devem ser aplicados em sua igreja, mas como ministro de estado está bem explicito que há uma liturgia do cargo que respeite a laicidade do estado”, afirmou. “Toda denúncia tem que exercer um papel educativo. Precisamos fazer um cumpra-se nas decisões do STF. Hoje a LGBTfobia é crime. Queremos que seja cumprida, vamos recorrer em todas as decisões”, garantiu Reis.
Reis ainda lembrou que existe a lei 13.185/2014 que garante que toda escola tem que combater a violência sistemática chamada de bullying. “O papel dele como funcionário público é fazer cumprir a lei aprovada e sancionada pelo estado brasileiro”.
Andrey Lemos, presidente da UNALGBT, outra entidade que assina a notícia crime, também falou ao portal Vermelho: “Temos a convicção de estamos no estado democrático de direito e a constituição federal precisa ser respeitada. Esta dito que é vedada a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Não podemos aceitar que um ministro de estado aja sem respeitar o princípio da laicidade e sem respeitar os princípios da administração pública”.
Lemos afirma que é preciso lembrar que, enquanto homem de estado, Ribeiro legitima uma pratica que tem tirado a vida das pessoas no Brasil. “O Brasil tem sido líder mundial na morte de LGBTQI+, justamente por causa de discursos fundamentalistas como esse que desumanizam essas pessoas”, justificou.
Crime irretratável
No entanto, independente da posição desta população sobre o assunto, feita a denúncia, a homotransfobia é considerada crime irretratável. Ou seja, assim como numa injúria racial, um ataque LGBTfóbico não pode ser desfeito nem pelo ofensor, nem por eventuais indivíduos ofendidos. É considerado um ataque a um coletivo indefinido e exige punição. Este é um dos argumentos das advogadas que entraram com a notícia crime, Patrícia Mannaro e Luanda Pires. Elas concederam live ao portal Vermelho, que pode ser assistida na íntegra abaixo.
A nota do ministro tinha destino certo. Sites evangélicos e conservadores publicaram sua retratação como uma manifestação da “humildade e compaixão” do ministro, sem qualquer menção ao processo a que terá que responder, as ofensas feitas, a reação da comunidade LGBT e a própria legislação penal que não aceita retratação.
Na ocasião da entrevista, ele atribuiu a homossexualidade de jovens a “famílias desajustadas”. Na rede social, Ribeiro se defendeu: “Jamais pretendi discriminar ou incentivar qualquer forma de discriminação em razão de orientação sexual.
Ao pedir ao STF a abertura de inquérito por homofobia contra Ribeiro, o vice-procurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros já indicou diligência inicial a ser cumprida, ‘com o objetivo preparar e embasar o juízo de propositura, ou não, da ação penal’ – a inquirição do titular do MEC pela Polícia Federal. A oitiva foi autorizada, nesta quarta (7), pelo ministro Dias Toffoli.
O vice-PGR destacou que o chefe do Ministério da Educação proferiu manifestações depreciativas e fez afirmações ofensivas à dignidade de todo um grupo social. “A natureza dessas declarações implica, em tese, prática da infração penal prevista na parte final do art. 20 da Lei nº 7.716/1989, que define os crimes resultantes de preconceito, nos termos das teses firmadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26”, registrou Humberto Jacques de Medeiros.
Na entrevista, Milton Ribeiro disse que deve revisitar o currículo do ensino básico e promover mudanças em relação à educação sexual – disciplina que, segundo o ministro, é usada muitas vezes para incentivar discussões de gênero.
Milton Ribeiro disse que as escolas “perdem tempo” falando de “ideologia” e ensinando sobre sexo, sobre “como colocar uma camisinha”. Segundo ele, a abordagem pode favorecer uma “erotização das crianças”.
Para o ministro, discussões sobre gênero não deveriam ocorrer na escola. “Quando o menino tiver 17, 18 anos, vai ter condição de optar. E não é normal. A biologia diz que não é normal a questão de gênero. A opção que você tem como adulto de ser homossexual, eu respeito, mas não concordo”, afirmou.
“É claro que é importante mostrar que há tolerância, mas normalizar isso, e achar que está tudo certo, é uma questão de opinião”, disse. “Acho que o adolescente que muitas vezes opta por andar no caminho do homossexualismo (sic) tem um contexto familiar muito próximo, basta fazer uma pesquisa. São famílias desajustadas, algumas. Falta atenção do pai, falta atenção da mãe. Vejo menino de 12, 13 anos optando por ser gay, nunca esteve com uma mulher de fato, com um homem de fato e caminhar por aí. São questões de valores e princípios”.
O chefe do MEC ainda fez ataques a eventuais professores transgêneros, que na opinião dele, não podem incentivar os alunos “a andarem por esse caminho. Tenho certas reservas”.
Assista à live do portal Vermelho com as advogadas e especialistas no assunto Patrícia Mannaro e Luanda Pires: O ministro da educação foi LGBTfóbico?
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