Uma eleição para repensar o viver nas cidades
Não se trata de negar a política em nome do falso tecnicismo. Mas é, sim, momento para debater propostas, embasadas em concepções de justiça social e econômica, para melhorar a vida cotidiana.
Publicado 29/09/2020 18:27
Recorde de candidatos. Campanha mais curta. Pandemia no meio do caminho. Olho em 2022. O processo eleitoral de 2020, enfim já oficialmente iniciado, começa caracterizado por esses fatores mencionados. Mas, em que pese o impacto de tais condicionantes, quem busca o bom combate, a boa política, não pode perder o rumo: eleições municipais servem para discutir as cidades.
Em tempo: não se trata de negar a política, nem rechaçar discussões ideológicas, filosóficas, conceituais, nem cair na cantilena da “discussão técnica” – como se a técnica não fosse fruto de concepções de mundo, ou fosse “neutra”. Trata-se de canalizar modos de enxergar o mundo para repensar o viver nas cidades.
Diante de contexto tão sui generis – uma crise fitossanitária escancarada e acentuando mazelas históricas – tal repensar se torna ainda mais relevante. E determinante.
Como candidatos e candidatas a Prefeituras e Câmaras de Vereadores – e são mais de 542 mil postulantes em todo o Brasil, segundo o Tribunal Superior Eleitoral – pretendem, por exemplo, conduzir o retorno às aulas presenciais em 2021? O que propõem para a volta segura, e inclusiva? O que apresentam para recuperar este ano letivo, perdido, para boa parte de crianças e adolescentes?
Quando falamos “retorno às aulas”, “volta segura” não estamos a tratar apenas de exigir álcool em gel e máscara para estudantes e educadores. Estamos falando de políticas educacionais no âmbito municipal adequadas ao tal “novo normal”, levando em conta um baita empecilho extra: a total falta de uma articulação coordenada pelo Ministério da Educação, a julgar por palavras recentes do próprio titular da pasta.
Que instrumentos – fiscais, inclusive – o poder público municipal pode lançar mão para combater desigualdades socioeconômicas locais? Precisamos perguntar isso aos postulantes ao Executivo e Legislativo municipais, e exigir dessas centenas de milhares de candidatos coerência e propostas de equidade. Garantir renda básica, fomentar a economia solidária – ou a Economia de Francisco e Clara – é conduzir a vida nas cidades por um caminho mais justo, seguro e sustentável.
Frente à artilharia pesada contra a natureza lançada de Brasília pelo Ministério do Meio Ambiente, como prefeitos e vereadores podem agir, em suas localidades, para assegurar preservação e o uso racional de recursos? Entendem a importância da adoção em edificações públicas de fontes renováveis de energia, por exemplo? Estão dispostos a enfrentar o culto ao automóvel para implementar medidas de prioridade absoluta ao transporte coletivo?
O repensar o viver as cidades passa ainda pela forma com que a máquina pública vai ser administrada. Quais candidatos defendem funções do Estado nas mãos do poder público, e não terceirizadas a organizações que em nada melhoram a qualidade no atendimento de UPAs, postos de saúde e ambulatórios de especialidades? Propõem uma vida mais saudável, ao priorizar merenda orgânica, incentivar feiras agroecológicas, investir em equipes de saúde da família por todo o território?
As alianças, a definição das chapas deveriam ter se baseado nessas perspectivas. Infelizmente não foi a regra; as composições mais miraram 2022 – pavimentando candidaturas, ou tentando tirar outras do páreo – e menos estiveram voltadas para a convergência de nomes e siglas em torno de um caminho para um outro mundo, possível. Mas ainda dá tempo de inverter essa ordem de prioridades.
Fonte: Brasil Debate