Derrubada de resoluções do Conama: “Prejuízos difíceis de ponderar”
A opinião é de Paulo Artaxo, segundo o qual decisões são reflexos das mudanças ocorridas no Conama, hoje composto majoritariamente de representantes do agronegócio
Publicado 29/09/2020 20:17 | Editado 29/09/2020 21:19
O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) colocou fim a resoluções que restringiam desmatamento em manguezais e restingas, liberou a queima de lixo tóxico em fornos usados na produção de cimento e derrubou a resolução que determinava critérios de eficiência de consumo de água e energia para os projetos de irrigação. Quem comenta o “dia da boiada” e o professor Paulo Artaxo, do Instituto de Física (IF) da USP e membro da equipe do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.
O dia no qual as decisões foram tomadas tem sido chamado de “dia da boiada”. Segundo o professor, essa mudança “é desastrosa para o país e trará prejuízos que serão difíceis de ponderar, dada sua grande amplitude, que vão desde afrouxamento de desmatamento em áreas de mananciais, fazendo com que a situação da água fique ainda mais crítica em nosso país e também em toda a área costeira, com suas restingas e manguezais, que também foi duramente atingida por essa medida do Ministério do Meio Ambiente”.
O professor não acredita que essas medidas governamentais tenham o apoio da população, pois esses desmandos são prejudiciais não só para a questão ambiental, mas também para a economia, a sociedade e toda a população brasileira.
Até o ano passado, o Conama contava com a representatividade de membros da indústria, de órgãos governamentais, do Ministério Público e membros da sociedade brasileira como um todo, sendo que estes últimos eram os responsáveis por barrar propostas que fossem prejudiciais à população. Artaxo explica que, hoje, o conselho é dominado por representantes da indústria do agronegócio, o governo restringiu o controle da sociedade e aumento seu poder de voto. “Ninguém defende a sociedade brasileira nesse órgão executivo tão importante, que publica portarias que definem todas as questões ambientais do País”.
Somadas à falta de políticas ambientais para controlar as queimadas no Pantanal e o desmatamento na Amazônia, essas medidas evidenciam que o meio ambiente não só está desprotegido, como também atacado pelo governo vigente. “A sociedade brasileira acabou caindo em uma situação anacrônica e é um perigo porque é um retrocesso, com implicações para todos os setores econômicos, exceto alguns poucos que irão se beneficiar dessas medidas”, alerta o professor.
Embora o Ministério Público tenha participado da reunião, não tinha poder de voto. A procuradora Fátima Borghi inclusive observou a falta de audiências públicas necessárias para decidir pela derrubada das resoluções, assim como o conselho não tem competência jurídica para as decisões que tomou. No entanto, o Ministério Público também perdeu a competência de proteção ao meio ambiente.
“O Meio Ambiente não só está sem proteção, como está sendo atacado pelo atual governo”, disse ele mencionando os 20% do Pantanal que foi destruído e os 10 mil quilômetros quadrados de florestas primárias que estão sendo derrubadas na Amazônia. Para ele, é uma “situação anacrônica” esta de ver na televisão, via satélite ou in loco, as florestas queimando, enquanto o governo nega que haja queimadas.
O professor Artaxo diz que é um perigo enorme para os brasileiros este retrocesso ambiental, pois tem implicações econômicas graves para inúmeros setores da cadeia econômica, enquanto poucos setores se beneficiam dessas medidas. A medida que permite a queima de medicamentos em fornos de cimento sem qualquer controle ambiental, permite que substâncias tóxicas, como dioxinas, sejam respiradas pela população.
As consequências já estão sendo sentidas nas relações internacionais, incluindo a contestação por parte de países e companhias internacionais do acordo do Mercosul com a União Europeia, assim como várias companhias internacionais estão boicotando os produtos brasileiros, por conta da grande degradação ambiental. “Os prejuízos já são uma realidade, não é algo para o futuro, e a população deve reagir a mais esse ataque do governo contra os recursos naturais do País”, conclui Artaxo.
Edição de entrevista à Rádio USP