Imprensa ocidental bloqueia debate sobre segurança da vacina russa
Segundo cientistas russos, imprensa evita mostrar a segurança comprovada da plataforma utilizada para a Sputinik V, comparada com novas tecnologias utilizadas em outras vacinas.
Publicado 10/09/2020 19:51 | Editado 10/09/2020 20:52
Cientistas do Centro Nacional de Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya, em Moscou, defenderam a eficácia e segurança da primeira vacina registrada contra infecção pelo novo coronavírus, a Sputinik V. Em entrevista coletiva direcionada à 650 jornalistas, entre eles o portal Vermelho, eles criticaram a parcialidade com que a imprensa ocidental evita o tema das plataformas utilizadas pelas diversas vacinas. Isso exporia a segurança comprovada, há décadas, da vacina desenvolvida na Rússia, em detrimento das plataformas experimentais das vacinas como a de Oxford/Aztrazeneca, que foi interrompida por causar efeitos colaterais em um paciente vacinado.
O Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF) junto com o apoio do Ministério das Relações Exteriores da Federação Russa realizou a entrevista coletiva dedicada aos resultados das pesquisas, oportunidades e perspectivas para o fornecimento do Sputnik V, voltada à imprensa latino-americana, região considerada um dos epicentros da pandemia na atualidade. Afirmaram, inclusive, que por usar tecnologia simples e tradicional, sua vacina pode ser produzida em países preparados com a tecnologia básica de vacina.
“Qualquer tipo de fabricação que seja capaz de produzir anticorpos monoclonais que possua biorreatores tipo onda ou biorreatores de tanque de aço pode ser adotado em um período de tempo muito curto para produzir nossa vacina. Portanto, se existe um país que está pronto para a transferência de tecnologia e tem as oportunidades para isso, estou muito confiante de que a transferência de tecnologia seria muito simples”, disse o biólogo do Gamaleya, Denis Logunov.
A conferência contou com a presença dos chefes do laboratório que desenvolveu a vacina e o Fundo Russo de Investimento Direto, que a financiou, além de representantes de países e parceiros da América Latina. Falaram Aleksander Shchetinin, diretor do Departamento da América Latina do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, como moderador da videoconferência, Kirill Dmitriev, CEO do Fundo de Investimento Direto Russo, Denis Logunov, doutor em Ciências Biológicas, Diretor Adjunto de Pesquisa do Centro Gamaleya, Sergey Glagolev, representante do Ministério da Saúde.
Kirill Dmitriev começou admitindo que a vacina russa levantou questões sobre a velocidade de desenvolvimento e aprovação da vacina. Denis Logunov falou mais detalhadamente sobre o estudo publicado na revista The Lancet, que nas Fases 1 e 2 demonstrou 100% de eficiência e ausência de efeitos colaterais relevantes. Também ajudou a formar imunidade de curto e longo prazo.
Superioridade natural
Dmitriev informou que as negociações com países latino-americanos devem garantir amplo fornecimento de doses da vacina para essa região. “Ontem acertamos o fornecimento de 30 milhões de doses para o México. No futuro próximo, talvez amanhã, vamos anunciar o fornecimento de até 100 milhões de doses em outros países da América Latina. E no geral a Rússia já recebeu um bilhão de solicitações de doses de mais de 30 países”.
Também, defendeu o executivo, é crucial entender que a abordagem russa tem vantagens em comparação com algumas outras abordagens, como adenovírus de macaco ou MRNA. O Instituto Gamaleya se concentrou no adenovírus humano, uma abordagem mais estudada ao longo de dezenas de anos e mostrou sua segurança e proteção por dezenas de anos. Ele falou da confiança nesta abordagem, depois de analisar outras 35 vacinas, pela produção, pelo mesmo laboratório, da vacina contra o Ebola, seis anos atrás, que tem a mesma abordagem.
Embora não seja cientista, Dmitriev ressaltou que foi fácil entender a diferença. Ele relatou que o Instituto Gamaleya lhe explicou que, quando pegamos um simples vírus do resfriado e um adenovírus, não causaria nenhuma complicação, nem produziria nenhum efeito cancerígeno e também nenhum efeito sobre a fertilidade, porque esse vírus está conosco há milhares de anos. Segundo os russos, isso é diferente da abordagem da AstraZeneca, porque usa adenovírus de macaco. E muitas empresas americanas usam a tecnologia MRNA. “Temos que entender que essas tecnologias não foram estudadas em longo prazo, então não sabemos as consequências futuras dessas vacinas. Vemos algum atraso nos ensaios clínicos do AstraZeneca e esperamos que o ensaio seja retomado em breve. No entanto, mostra os riscos das novas vacinas que são baseadas em novas tecnologias não testadas. Então, o que é muito importante é que a tecnologia de adenovírus humano é muito bem estudada”, garantiu.
Pontos fracos
Em seguida, Dmitriev falou dos pontos fracos da Sputnik V. Muitas pessoas podem ter imunidade ao adenovírus humano, ou seja, potencialmente, a vacina pode ser ineficiente para pessoas quem têm adenovírus. “Mas nossos cientistas, incluindo Denis Logunov, encontraram uma dose que permitiria a todos desenvolver uma imunidade muito forte. Portanto, já respondemos a essa preocupação”, garantiu.
Já o cientista Logunov explicou quais foram os efeitos adversos durante os testes da vacina nas Fases 1 e 2 dos ensaios clínicos. São efeitos comuns às vacinas com adenovírus como a dor no ponto da injeção, hipotermia, dores musculares e fraqueza. “Esses são efeitos adversos muito comuns, classificados como fracos ou leves”, considera, revelando que nos ensaios pré-clínicos, com primatas e outros animais foi ultrapassado com sucesso de 100% de proteção.
Dmitriev diz que perguntou aos demais fabricantes de vacinas sobre estudos de longo prazo sobre a carcinogenicidade dessas vacinas ou estudos de longo prazo sobre os efeitos da fertilidade, no que foi ignorado. “A resposta é que não existem estudos desse tipo”, concluiu.
Além da Sputinik V, ele ressaltou que outras vacinas são seguras, baseadas em adenovírus humano é a chinesa CanSino que está usando o vetor 5 de adenovírus ou a vacina da Johnson & Johnson que está trabalhando com o sorotipo Ad-26. “Mas acreditamos que todos os países deveriam ter vacinas baseadas em adenovírus humano, porque esta é a abordagem mais certa que já se provou”, defendeu.
Ele concluiu dizendo que os russos já estão tomando a vacina, como revelam várias autoridades e pessoas comuns. “O que é importante é o fato de que a vacinação russa já está em andamento”, disse, acrescentando que já criou um grupo de 40 mil voluntários para ensaios clínicos sobre a vacina, com resultados em outubro que serão compartilhados mundialmente.
“Apesar dos ataques de informação que estão ocorrendo, a Rússia, é o líder absoluto em termos de vacina anticoronavírus”, ressaltou, apontando o sucesso das etapas já realizadas. “Estamos prontos para desenvolver a fabricação conjunta de vacinas em países da América Latina. Já combinamos essa produção no Brasil e se houver algum outro país da América Latina que queira produzir a vacina russa, estamos prontos para essa parceria. Já combinamos a produção de 500 milhões de doses da vacina russa por ano.
Combinação de adenovírus e superioridade imunológica
Denis Logunov explicou que a vacina foi desenvolvida com base em 2 adenovírus recombinantes, adenovírus humano de serótipo 26 e serótipo 5, o que não é aleatório. “Eles foram selecionados para garantir que a distância do antígeno e o fato de que eles não estão relacionados é a maior possível. Isso foi feito de propósito para garantir que possamos superar com sucesso o impacto negativo da imunidade preexistente aos componentes do vetor”, disse.
Inicialmente, foi aplicada uma injeção do adenovírus 26 e induzida a resposta imune ao novo coronavírus que é transferido com esse vetor. E há também a resposta imune contra o vetor. E para superar o impacto negativo da imunidade preexistente, mudaram o vetor do vírus do 26º para o 5º. E, como resultado, receberam a verdadeira imunização de reforço inicial, quando dentro do corpo humano a resposta imunológica é induzida duas vezes.
“E isso está acontecendo com relação ao nosso antígeno alvo, mas não acontece com relação às estruturas do vetor. E, como demonstramos em várias pesquisas para as vacinas que foram desenvolvidas por nós contra o Ebola e o MERS, provamos que esse mecanismo nos permite resolver com sucesso a questão da imunidade preexistente”, explicou.
O primeiro componente é o adenovírus 26 que codifica o antígeno protetor à medida que o coronavírus é induzido primeiro, e em 21 dias é dada a segunda injeção de adenovírus do sorotipo 5 que também induz o antígeno protetor a partir do coronavírus. Esse é o esquema que foi feito durante os ensaios pré-clínicos e também durante os ensaios clínicos de Fase 1 e 2. Ele mostrou e provou que foi induzida a resposta imunológica em 100% dos casos. Os detalhes dos resultados dos ensaios clínicos podem ser vistos no artigo publicado na revista Lancet.
“Nosso esquema de imunização fornece uma resposta imune superior com os voluntários vacinados em comparação com o grupo de convalescença. E essa diferença é em torno de 8 a 10 vezes. Portanto, esta é a abordagem que nos permite obter um alto nível de anticorpos e imunidade sem intoxicação ou quaisquer efeitos adversos graves e, portanto, é muito mais eficiente e segura do que obter imunidade no decurso da infecção pelo vírus”, garantiu.
O que não pode ser dito
Dmitriev explicou que existe “um grande segredo muito perigoso” que está sendo escondido pela mídia ocidental. Ele considera uma erro cometido por EUA e Europa em manter o foco em novas tecnologias de vacinas como a tecnologia de MRNA e as vacinas baseadas no adenovírus de chimpanzé. “Essas tecnologias nunca foram testadas antes, a longo prazo. E pode ser que elas possam servir de base para as vacinas no futuro e achamos muito promissora a tecnologia de MRNA para o futuro. Mas ela não passou por 1/100 de parte dos testes pelos quais o adenovírus humano passou.
“Pela primeira vez na história da humanidade, eles estão sendo vacinados com o adenovírus de chimpanzé e ninguém jamais considerou e analisou como isso afetaria o corpo humano. Essa é a grande diferença que é muito importante para nós”.
O executivo disse que sempre que fala sobre isso para a mídia ocidental, vê que a diferença entre o adenovírus humano e o adenovírus de chimpanzé está sendo bloqueada pela mídia ocidental. “Acreditamos que o público no Ocidente deve saber e tem o direito de saber que, se seus respectivos países apenas escolheram a abordagem da tecnologia de MRNA e adenovírus de chimpanzé, essa abordagem é extremamente arriscada”, acusou.
Para ele, o fato da vacina se chamar Sputnik V é sim uma comparação com o pioneirismo da chegada dos russos ao espaço. Mas não significa uma competição política, pois os russos enfatizam que têm muito interesse em parcerias. “Somente em parceria com outros países podemos fabricar nossa vacina. […] Por isso, é importante destacar que a Rússia tem uma posição muito aberta, uma posição de parceria e disponibilidade para cooperar com todas as empresas internacionais”, concluiu.