Com dólar nas alturas, produtor prefere exportar e alimentos disparam

Em plena pandemia, famílias estão pagando pela disparada da moeda norte-americana e por um governo que não prioriza a população.

Arroz voltou a registrar alta em setembro e já aumentou 40% em 2020 - Foto: Image Party/Pixabay

Muitos brasileiros acreditam que o que acontece com o dólar estadunidense, a moeda da economia mais forte do mundo, não afeta suas vidas. Pois bem: nos últimos dias, mesmo que não saibam, as pessoas estão experimentando na pele os efeitos do dólar valorizado. Os preços dos alimentos dispararam no supermercado. Mas o que isso tem a ver com a moeda dos Estados Unidos?

Quando o dólar está valorizado, a exportação torna-se atrativa. É o que vem influindo sobre as decisões de produtores de carne e arroz, que têm preferido enviar o produto para fora a vendê-lo no mercado doméstico. Quando não há política para evitar desabastecimento, isso causa desequilíbrios no mercado interno.

O Brasil é também um dos maiores exportadores de soja do mundo. Isso não apenas afeta o preço do óleo de soja, bastante usado na cozinha brasileira, como faz com que o setor do agronegócio acabe concentrando os investimentos nessa cultura.

O resultado é que, em plena pandemia, as famílias brasileiras estão pagando pelo dólar alto. A escalada da moeda norte-americana começou antes mesmo da crise sanitária do novo coronavírus. Em fevereiro deste ano, antes das medidas de restrição, o ministro da Economia, Paulo Guedes, reagiu à disparada dizendo que dólar alto é “bom” e que quando a moeda estava mais desvalorizada “todo mundo” estava indo para a Disney, até empregadas domésticas.

Nesta sexta-feira (4), no entanto, a coisa ficou séria e o governo federal deixou as piadinhas preconceituosas de lado. Jair Bolsonaro, que já vinha sendo cobrado pelos eleitores na internet, foi alertado por associações de supermercados sobre o risco de desabastecimento.

“Reconhecemos o importante papel que o setor agrícola e suas exportações têm desempenhado na economia brasileira. Mas alertamos para o desequilíbrio entre a oferta e a demanda no mercado interno para evitar transtornos no abastecimento da população, principalmente em momento de pandemia”, disse em nota oficial a Associação Brasileira de Supermercados (Abras).

A Abras pediu que, para aliviar a situação, o governo adote medidas em relação ao imposto de importação de itens básicos, como o arroz. Segundo o colunista Lauro Jardim, de O Globo, Paulo Guedes atendeu à solicitação e determinou que seja examinada, para implementação imediata, a redução da tarifa de importação do arroz para combater o aumento dos preços.

Bolsonaro, no entanto, resolveu fingir que o problema não é a política desastrosa de seu ministro, mas o auxílio emergencial. “Veio o auxílio emergencial, o pessoal começou a gastar um pouco mais, muito papel na praça, a inflação vem. Então estou conversando para ver se os produtos da cesta básica aí… Estou pedindo um sacrifício, patriotismo para os grandes donos de supermercados para manter na menor margem de lucro”, afirmou, jogando para a plateia como de hábito.

Segundo Patrícia Lino Costa, supervisora de preços do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a explicação não faz sentido. “O medo que dá é as pessoas começarem a fazer essa relação, de que o povo está comendo muito por causa do auxílio emergencial. Que bom que algumas pessoas conseguem comer. Mas, se olhar pontualmente para os produtos, vai ver que tem uma questão ali na oferta. Que bom que a gente exporta, a nossa carne é boa, de qualidade. Mas o brasileiro consegue comer uma carne de primeira?”, questiona.

Ela afirma ainda que a solução de suspensão de imposto de importação é típica de momentos de desabastecimento. É muito adotada para o trigo, por exemplo, que o Brasil precisa importar.

No entanto, não é a saída ideal para o problema do preço, uma vez que, mesmo com imposto reduzido, o valor do produto importado também é em dólar. “Trazendo de fora, você vai pegar o preço em dólar e multiplicar por cinco. A questão é quem você está priorizando, qual bem-estar está priorizando. A solução é que, de alguma forma, o governo subsidie para que não seja o trabalhador e a família brasileira a pagar a conta. Quem está pagando a conta do lucro dos produtores, da exportação, é a família brasileira em plena pandemia”, diz.

A supervisora de preços do Dieese lembra que uma situação semelhante à de agora acontece desde 2016, quando, a pretexto de aumentar a competitividade da Petrobras no mercado financeiro, o governo Michel Temer resolveu atrelar os preços praticados pela estatal aos preços internacionais do petróleo. A população foi penalizada, pois passou a pagar gás e gasolina atrelados ao dólar.

“Você aplica uma política que o preço vai flutuar conforme flutua no mercado internacional. Do gás, da gasolina. Quem está pagando a conta do lucro dos poucos grandes investidores? A família brasileira”, conclui.

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