Família diz que Raoni está reagindo bem ao tratamento da Covid-19
O líder dos Kayapó continua internado pois um exame de tomografia apontou uma pequena infecção no coração
Publicado 01/09/2020 16:56
O cacique Raoni Metuktire – um dos maiores líderes indígenas do mundo – está com Covid-19. Ele foi hospitalizado na sexta-feira (28) depois de ser diagnosticado com pneumonia. Essa é a segunda vez que o grande líder dos Kayapó é internado, em pouco mais de um mês. Sua terra indígena, Capoto/Jarina, no norte de Mato Grosso, está com transmissão comunitária do coronavírus e não há profissionais suficientes para atender às quase 2.500 pessoas das aldeias.
Raoni foi internado no hospital particular Dois Pinheiros, no município de Sinop, a 317 quilômetros de Capoto/Jarina. Essa é a mesma unidade que recebeu o líder indígena em 18 de julho, para tratamento de uma hemorragia digestiva.
Patxon Metuktire, sobrinho-neto de Raoni, confirmou que a Covid-19 foi detectada depois de o cacique ser internado por causa de duas pneumonias, contraídas num intervalo de duas semanas. A primeira foi tratada e curada na aldeia. Mas na segunda, por conta da alteração nos leucócitos [células que protegem o organismo contra doenças], o médico sugeriu que Raoni fosse internado em uma unidade com mais estrutura.
“Imediatamente nos articulamos e foi feito um pedido de avião que o levou para o mesmo hospital [Dois Pinheiros] onde ele já esteve internado. Nesse hospital, ele fez tomografia e diagnosticou para Covid-19”, contou Patxon, destacando que Raoni está reagindo bem ao tratamento. “Entram com medicamentos, a pneumonia foi controlada e praticamente ele está curado de Covid-19. Não tem mais pneumonia, não se queixa mais de dor de cabeça e a saturação que estava baixando está normal, 98%.”
Patxon acrescentou que a previsão era a de que Raoni tivesse alta hospitalar na manhã desta segunda-feira (31), mas a liberação foi suspensa depois que o cacique começou a se queixar de fortes dores no peito. “Essa dor fez com que os médicos fizessem novos exames de tomografia e diagnosticaram uma infecção bem pequena no coração. Já estão administrando medicamentos e o cardiologista está acompanhando, então não teve alta”, enfatizou Patxon em entrevista à Amazônia Real, pelo WhatsApp.
“Ele já está comendo normal, está tranquilo. Estamos tranquilos que essa infecção pequena [no coração] vai ser controlada e o nosso avô vai poder ir para um isolamento depois, quando receber alta, para continuar fazendo o tratamento e não ficar em contato com ninguém na aldeia”, tranquilizou o neto.
O hospital onde Raoni está internado informou que o diagnóstico de Covid-19 foi dado após exames laboratoriais e de imagens indicarem a presença do novo coronavírus no corpo do cacique. “O diagnóstico foi confirmado por meio do exame RT-PCR positivado para Sars-Cov-2”, informou o boletim médico divulgado na tarde desta segunda-feira (31). Também foi informado que a Covid-19 em Roani foi detectada em estágio inflamatório da doença, e que o cacique foi tratado, inicialmente, “com anticoagulante, corticóide e antibióticos, de acordo com o protocolo do hospital”.
A primeira internação de Raoni havia ocorrido em 16 de julho por problemas de anemia, gastrointestinais e uma hemorragia. O cacique foi removido para o hospital Dois Pinheiros, onde está atualmente, e fez uma bateria de exames, entre eles, uma endoscopia digestiva, que apresentou duas úlceras. Raoni também teve que passar por transfusão de sangue para controlar o quadro.
Douglas Yanai, um dos médicos que atendeu o líder indígena, disse que o adoecimento foi uma mistura de acontecimentos, e também teve relação com a morte da mulher, Bekwykà Metuktire, em 23 de junho. “[O falecimento] gerou esse quadro de tristeza profunda do cacique. Ele tem tido uma alimentação bastante irregular por causa desse quadro de tristeza e se agravou com as úlceras que ele tem. Ele fez sangramento digestivo baixo, além de sangramento pelas úlceras que acabaram se agravando ao longo da semana”, explicou o médico.
Contaminação em Capoto/Jarina
De acordo com a Rede Xingu+, que congrega as comunidades indígenas do chamado corredor cultural e ecológico da bacia hidrográfica do Rio Xingu, em Capoto/Janarina e na TI – Menkragnoti, no sudoeste do Pará, também pertencente aos kayapós – há 3 mortes e 165 casos confirmados de Covid-19. O levantamento é do último dia 26 de agosto e foi feito com base nos dados do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Kayapó do Mato Grosso.
Megaron Txucarramãe, liderança Kayapó, ressaltou que a comunidade está muito preocupada com a disseminação da Covid-19 em Capoto/Jarina. Segundo ele, a aldeia onde Raoni mora, a Metuktire, é um dos locais com maior suspeita de contágio da doença, junto de outras três aldeias (Kaweretiko, Bytire e Tonhore). Todas elas ficam à beira do Rio Xingu.
Ele destacou que nesta terça-feira (1º de setembro), uma equipe do Dsei Kayapó irá até Capoto/Jarina para fazer testes rápidos de Covid-19 nos moradores das quatro aldeias. Há um grande número de pessoas apresentando os sintomas do novo coronavírus nesta região.
Megaron destacou que desde março as lideranças da TI Capoto/Jarina estão fazendo o possível para evitar a entrada e saída de pessoas do território. Uma das primeiras medidas, recorda a liderança, foi a barreira sanitária que bloqueou o acesso à balsa dentro do território dos Kayapós. O serviço de balsa é feito sobre o Rio Xingu, que na região funciona como uma extensão da rodovia MT-322 – via importante para o escoamento de produtos agrícolas e agropecuários do estado do Mato Grosso. O bloqueio provocou a ira de muitos produtores na região. No dia 24 de agosto, dois pistoleiros não identificados tentaram derrubar a barreira com uma caminhonete e 29 disparos de arma de fogo. O caso está sendo investigado pela Polícia Civil.
Mas Megaron ponderou que além das pessoas de fora, muitos indígenas na comunidade não estão respeitando o isolamento e indo constantemente às cidades do entorno. Essa cidades contabilizam centenas de casos de Covid-19.
“Eles não acreditam que a doença é forte, que é perigosa. Agora, muitos desses que desrespeitaram as barreiras e foram para cidade estão com sintomas de febre”, lamentou a liderança ao acrescentar que indígenas que vão para a cidade “é para comprar gasolina, comida do branco ou sacar recursos do governo federal como o auxílio emergencial, a aposentadoria e o Bolsa Família”.
Mayalú Kokometi Waurá Txucarramãe, neta de Raoni, trabalha em um grupo de saúde do Dsei Kayapó. Ela ressaltou que a transmissão nas quatro aldeias já é considerada comunitária. Acredita que a equipe de saúde do Dsei que atua na aldeia “está subnotificando os casos”.
“Como eu trabalho na equipe de saúde, a gente tem recebido muitos relatos da comunidade de pessoas com gripe forte. A partir disso, fizemos uma cobrança muito forte, informando a equipe de saúde da aldeia sobre as suspeitas, e para que atendessem aos moradores. Mas eles falaram que não era Covid-19”, disse Mayalú. “Uma coisa é certa: lá tem casos de Covid e isso está sendo comprovado com a contaminação do meu avô.”
Fonte: Amazônia Real