Nicolelis alerta para sobrecarga de hospitais com efeitos pós-covid

Na Inglaterra, hospitais já treinam equipes para atender a distúrbios crônicos mentais em, pelo menos, metade de pacientes recuperados da Covid.

Pacientes com distúrbios mentais começam a lotar hospitais na Europa após recuperação da Covid

O neurocientista Miguel Nicolelis, coordenador do Comitê Científico contra Covid-19 do Consórcio Nordeste, destacou um alerta sobre tema que ainda não chegou à imprensa brasileira e que já exerce impacto sobre o sistema de saúde europeu: efeitos crônicos do coronavírus na saúde mental.

Segundo reportagem do The Guardian (jornal britânico), o mundo começa a se preocupar com efeitos da Covid, a longo prazo, sobre o sistema nervoso central. Particularmente, problemas de saúde mental começaram a ser detectados em pacientes que foram internados e sobreviveram.

Um estudo italiano mostrou que mais de 50% dos pacientes internados e recuperados fizeram relatos de estresse pós-traumático, ansiedade, depressão, distúrbios do sono, e sintomas relacionados a transtorno obsessivo-compulsivo.

Preparação

“Há uma preocupação com a sobrecarga do sistema de saúde brasileiro ao ter que tratar complicações crônicas da Covid”, afirmou Nicolelis em suas redes sociais. Ele defende que o sistema comece a se preparar, treinando profissionais, para o atendimento em larga escala de problemas de saúde mental que podem se tornar demanda em todo o país.

Na Inglaterra, espera-se que quase 3.000 estagiários comecem cursos de terapia psicológica e ex-funcionários estão sendo solicitados a considerar o retorno às funções de linha de frente em preparação para um número crescente de pessoas que sofrem de ansiedade, depressão e condições relacionadas. O sistema público de saúde do país espera aumentar o número de clínicos avançados, psiquiatras e enfermeiros de saúde mental nos próximos meses.

Os pacientes devem ser questionados sobre seu humor, ansiedade, sono e fadiga em consultas de acompanhamento de rotina, com encaminhamento posterior, se necessário. Os empregadores também precisam estar preparados para ajudar os sobreviventes da doença a voltar ao trabalho.

Sugere-se ainda rastrear a saúde mental dos pacientes quatro semanas após a alta hospitalar e oferecer avaliações subsequentes de monitoramento ativo a cada três meses, pelo menos durante o primeiro ano.

O sistema de saúde britânico criou um site para pessoas que já tiveram Covid, Yourcovidrecovery.nhs.uk. Ele fornece links para obter ajuda local adequada para necessidades físicas e emocionais.

Casos e sintomas

A reportagem britânica relata o caso de uma americana que teve alucinações dois meses após adoecer da Covid, que foram se agravando para perda de controle da mente sobre o corpo. No hospital, não parecia haver nenhum tratamento sugerido. Em outro casos, o marido percebeu que sua mulher recuperada da Covid se comportava de maneira estranha, tirando e vestindo o casaco várias vezes e dizendo que viu leões e macacos na casa.

Outra mulher que sequer precisou ser internada por Covid demorou meia hora para se sentir confortável para sair do carro numa visita a amigos. Sua ansiedade sobre a doença aumentou gerando ataques de pânico. Ao procurar ajuda, ela foi diagnosticada com distúrbio de estresse pós-traumático, transtorno de ansiedade generalizada e depressão grave, e está passando por um programa intensivo de terapia ambulatorial. Ela continua com dificuldades para sair de casa.

Outra paciente acorda no meio da noite com falta de ar, apavorada com a idéia de dormir e ser incapaz de chamar o marido se sentir que está morrendo. Ela tem sensações de recaída na doença. A ansiedade por medo de ter a doença novamente é o sintoma mais frequente.

Há relatos médicos de pacientes com preocupações obsessivas sobre ter infectado outras pessoas. Pacientes que estavam bem e objetivamente melhorando, estavam convencidos de que iriam morrer, chegando a pedir para morrer.

Alguns relatos mencionam a importância de saber que há ajuda disponível para casos assim, assim como encontrar pessoas preparadas para lidar com isso. Muitos receiam admitir ter problema de saúde mental e podem até voltar a trabalhar nessas condições.

Especulações científicas

A pesquisa mostra que de 402 pacientes, mais da metade demonstrou sintomas de saúde mental, psiquiátricos e neurológicos. “Acredita-se em reação inflamatória do sistema nervoso central, desencadeada pelo vírus ou um ataque direto ao sistema, com uma resposta imunológica ao vírus que teria condições de alterar a barreira vascular do sistema nervoso central ou penetrar no cérebro diretamente”, relata o cientista.

Uma pesquisa da Itália descobriu que mais da metade das pessoas admitidas no hospital com Covid tinha um transtorno psiquiátrico um mês depois, com 28% mostrando sinais de transtorno de estresse pós-traumático (PTSD), 31% depressão e 42% ansiedade. Insônia e sintomas obsessivo-compulsivos também eram comuns.

Outro estudo realizado por pesquisadores da University College London (UCL) também apontou problemas psiquiátricos e neurológicos após infecções por Covid. Também observaram que não só aquelas pessoas que foram internadas são afetadas, mas as pesquisas geralmente são feitas apenas com doentes internados.

Isolamento social, estresse, desemprego, dificuldades para voltar ao trabalho, fadiga contínua e dificuldades financeiras podem dar origem a problemas de saúde mental nos sobreviventes de Covid, disse ele, bem como a experiência de não estar bem ou acabar em um ambiente com tratamento intensivo.

O estudo italiano sugeriu que os pacientes da Covid com níveis mais altos de marcadores de inflamação no sangue eram mais propensos a desenvolver depressão e ansiedade depois. Alguns argumentam que ambos surgem porque esses pacientes estão mais indispostos, mas a explicação alternativa seria que as substâncias inflamatórias estariam afetando o cérebro e causando distúrbios psiquiátricos.

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